Árvores, um remédio para o cidadão – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Árvores, um remédio para o cidadão

Rafael Dantas

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*Por Rafael Dantas

A urbanização descontrolada reduziu significativamente as áreas verdes das cidades nas últimas décadas. Em paralelo a esse fenômeno, diminuiu também a qualidade de vida dos seus moradores. Concreto, prédios, viadutos. Uma paisagem típica do processo de verticalização tomou as capitais e formou metrópoles. Calor, barulho, fumaça, aglomeração de gente e carros. Desconforto tipicamente urbano que aumenta o estresse, a ansiedade, mas também e traz outros males para o organismo. Em compensação, pesquisas científicas confirmam que frequentar parques e ou morar em áreas mais arborizadas traz inúmeros benefícios para a saúde física e psicológica.

Márcia Pastor, 75 anos, nasceu na zona rural do município de Calçados. Sua infância no Agreste pernambucano foi marcada pelo contato com a natureza. Ela cresceu em meio a atividades agrícolas e passeios na vasta região arborizada da sua vizinhança. Depois, foi morar em Garanhuns, que também é repleta de parques públicos, e há 40 anos se mudou para o Recife.
Apesar da vida na capital, ela mantém uma rotina quase diária de contato com o verde. Moradora do bairro da Jaqueira, ela caminha regularmente no parque vizinho à sua residência. “Gosto de contemplar a natureza, respirar um ar mais puro e ouvir o canto dos pássaros. Isso me deixa mais leve e traz muitos benefícios orgânicos”.

Márcia Pastor não abre mão do contato diário com o jardim do Parque da Jaqueira: “Isso me deixa mais leve e traz muitos benefícios orgânicos”. Foto: Tom Cabral

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A atividade física associada ao contato com o verde urbano traz um diferencial para a condição de saúde de Márcia Pastor, na análise da sua geriatra, a professora da Unicap e membro da Câmara Técnica de Geriatria do Cremepe Carla Núbia Borges. “Viver em áreas verdes, fazer caminhadas nos parques, equilibra os níveis de glicose, além de melhorar a postura, a força e o tônus muscular. Há também uma redução das dores musculares e maior oxigenação pulmonar e dos tecidos do corpo”, afirma a médica.
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Carla: “Viver em áreas arborizadas e fazer caminhadas nos parques, equilibra níveis de glicose e reduz dores musculares.” Foto: Tom Cabral

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Mais que o simples bem-estar, estudos acadêmicos já comprovaram que a exposição da população às áreas verdes promove benefícios à saúde. Um estudo da Universidade de Miami, por exemplo, apontou que os moradores dos bairros mais arborizados da cidade apresentaram incidência de diabetes 14% menor e registram 13% a menos de casos de hipertensão. Os pesquisadores revelaram também que, em média, as pessoas vivem três anos a mais quando moram nas regiões com maior presença da natureza.

Outro estudo acadêmico, da USP (Universidade de São Paulo), indicou que áreas verdes promovem a mitigação de ruídos, o filtro de poluentes atmosféricos, a regulação térmica, entre outras vantagens. Como resultado disso são decorrentes cinco benefícios principais para a saúde: redução da mortalidade por quaisquer causas, diminuição de doenças cardiovasculares, queda de sobrepeso e obesidade, baixa dos índices de morbidades psiquiátricas (incluindo depressão e ansiedade) e desfechos positivos na gravidez.

Quem também dedica parte do seu dia às atividades nas áreas verdes do Recife e desfruta de algumas dessas benesses é o universitário Daniel Praxedes, 24. Ciclista, ele escolhe as ruas mais arborizadas da cidade para pedalar. Para baixar o peso e relaxar, ele também caminha nos parques da cidade.

“Sempre vou para minhas atividades físicas ou para a faculdade de bicicleta. Costumo também andar pela cidade, principalmente nos bairros com mais árvores, como o Espinheiro. Quem não gosta de estar em lugares com o ar mais puro? Quem não se sente melhor em frequentar espaços mais bonitos? Quem não se sente melhor com menos calor? Chego em casa cansado pelo exercício físico, mas realizado pelo simples fato de estar bem, de ter tido um momento de prazer em um local para espairecer a mente”, conta Praxedes.

O morador de Olinda, Adailson Machado, 77 anos, circula pelas áreas áridas e verdes da Região Metropolitana do Recife. Agrônomo, ele presta serviços em Aldeia, onde desfruta de um melhor conforto térmico e ar mais puro. Mas também frequenta o Centro da capital em transporte público e a pé, sofrendo com as altas temperaturas. “Quando chego em Aldeia, mesmo no ônibus, a diferença de clima é perceptível. No Recife, com exceção de regiões como na Jaqueira, a arborização é muito ruim. Não é muito convidativo, mas mesmo assim ando para todo lugar”, conta o idoso.

O bem-estar relacionado à temperatura, mencionado por Daniel e por Adailson, é um dos fatores com grande impacto na saúde da população. De acordo com o patologista Paulo Saldiva, no livro Vida Urbana e Saúde: os desafios dos habitantes das metrópoles, as alterações mais extremas de temperatura nas cidades podem levar inclusive a aumentos no número de mortes.

“É impressionante como os picos de dias mais quentes levam a um aumento expressivo da mortalidade, a qual passa despercebida, pois está ‘camuflada’ pelas doenças que exacerbaram, como os infartos do miocárdio e os derrames cerebrais. Considerando que somos afetados pelas variações de temperatura, temos que imaginar antídotos que aumentem a resiliência urbana às mudanças climáticas, notadamente quanto às ilhas de calor urbano”, escreveu Saldiva.

O médico aponta que o recurso mais reconhecido para reverter esse cenário ainda é a ampliação das áreas verdes, com a recuperação dos espaços invadido pelo concreto. “A presença da vegetação faz com que a radiação solar seja absorvida pelas folhas das árvores e a vegetação rasteira, reduzindo a temperatura”, aponta Saldiva. Ele indica que pesquisas científicas realizadas em várias cidades do mundo apontaram que parques urbanos e mesmo florestas de “bolso” – instaladas em pequenos espaços disponíveis na cidade – e experiências como a instalação de telhados verdes conseguem reduzir a temperatura local e contribuir para a saúde.

CONTRA A ANSIEDADE
“Frequentar mais parques e praças disponíveis na cidade traz maior sensação de relaxamento e calma nas pessoas. São áreas que tendem a ser menos barulhentas, que expõe menos seus frequentadores ao estresse”, afirmou o doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento e coordenador do mestrado profissional em psicologia social da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), Leopoldo Barbosa. “Além desses benefícios emocionais, são espaços que propiciam contato com um maior movimento de pessoas e são também mais convidativos para se movimentar mais”.

Leopoldo Barbosa: Estresse está relacionado à vida em áreas concretadas e com menos verde. O maior contato com a natureza é indicado em casos de depressão.

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Por outro lado, ele avalia que a preocupação típica da vida nas grandes cidades só piora a saúde mental, com aumento dos níveis de ansiedade. “O estresse está relacionado ao tempo desperdiçado no trânsito e à vida em áreas mais concretadas e menos verde”, apontou Leopoldo.

Ele lembra que em vários tipos de tratamentos para quadros de depressão ou de altos níveis de ansiedade têm sido orientado o maior contato dos pacientes com a natureza. O cuidado com as plantas ou mesmo dos animais são alguns exemplos. Duas recomendações típicas dos médicos também são a prática de atividade física e o desenvolvimento da rede de relacionamentos. Indicações que são concretizadas quando as pessoas dedicam parte da sua rotina ao convívio em áreas verdes livres. “São ambientes que favorecem a socialização e são importantes para reduzir os sentimentos de solidão e isolamento”, justifica Leopoldo.

CRIANÇAS
Embora o contato com a natureza seja recomendável para todas as idades, a exposição das crianças às áreas verdes contribui diretamente para o desenvolvimento delas. Um estudo da Universidade de Aarhus, publicado na revista American Journal PNAS, informou que a garotada que vive em regiões cercadas por grandes espaços verdes tem uma probabilidade 55% menor de desenvolver transtornos mentais. A razão disso é que o ruído e a poluição das metrópoles, associados à maior incidência de infecções e maior vulnerabilidade socioeconômica são fatores que aumentam o risco do desenvolvimento desses distúrbios.

Em visita ao Recife, em dezembro passado, o especialista inglês em primeira infância, Tim Gill, defendeu o planejamento dos espaços públicos com um olhar específico para os pequenos. Para o especialista, as cidades amigáveis para as crianças têm relação com a liberdade de movimentação delas nos espaços públicos e nas possibilidades de atividades ofertadas para elas. A segurança dos espaços verdes e a variedade de equipamentos e lugares onde a garotada possa brincar e se divertir foram apontadas como medidas fundamentais para atingir esses objetivos.

A efervescente discussão dos espaços verdes nas cidades ganhou em meados do século passado o nome de “rurbanização”, nos textos de Gilberto Freyre. Antes da explosão das regiões metropolitanas e do “acinzentamento” das áreas urbanas, que prejudica a saúde da população nos nossos dias, o sociólogo pernambucano já defendia uma política social que contemplasse uma articulação das cidades com seus arredores rurais. Antecipou um debate crítico que é feito hoje nos departamentos de urbanismo e de saúde das universidades.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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