"Atualmente Não Se Trabalha Tratamento Oncológico Sem Saber A Genética Do Câncer." - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
"Atualmente não se trabalha tratamento oncológico sem saber a genética do câncer."

Revista Algomais

Muita gente sabe que o Hospital de Câncer de Pernambuco é um centro de referência para tratamento de doenças oncológicas que atende a pacientes do SUS. Mas, o que poucos pernambucanos têm conhecimento é que o HCP é uma instituição também valorizada pelas pesquisas que realiza. Seus pesquisadores avaliam a eficácia de novos medicamentos, numa parceria com a indústria farmacêutica, que oferece ainda a vantagem de ofertar gratuitamente a seus pacientes os tratamentos inovadores pesquisados. 

Ao completar 80 anos em novembro, o HCP prepara-se para dar um salto e incrementar sua atuação na chamada pesquisa translacional. É um campo que permite que as descobertas e o conhecimento gerados em laboratório nas pesquisas básicas sejam aplicados diretamente na prevenção, diagnóstico e tratamento no leito do paciente. Trata-se de um processo mais acelerado do que as pesquisas clínicas tradicionais que costumam levar muitos anos.

Um passo importante foi dado neste sentido com o financiamento de RS 13,2 milhões oriundos do edital do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para implantar o Centro Integrado de Pesquisa Clínica e Translacional em Oncologia do HCP. Entre outras aplicações, os recursos garantem a criação de um laboratório onde serão pesquisados tratamentos em que o próprio sistema imunológico do paciente é estimulado para ter uma ação antitumoral. Também vai garantir a realização do sequenciamento genético do tumor para conduzir a terapia. “Doze instituições brasileiras foram contempladas no edital, três do Nordeste, entre elas, o HCP” comemora Felipe Bonifácio, superintendente de ensino e pesquisa do hospital. 

Nesta entrevista a Cláudia Santos, ele aborda o crescimento do número de casos de câncer no Brasil e no mundo, os avanços no tratamento da doença, que caminham para as áreas imunológicas e genética, além do uso da inteligência artificial. Também fala sobre o desenvolvimento de pesquisas no hospital e a atuação da instituição na área de ensino. “A assistência é nosso carro-chefe, mas o que subsidia a assistência? É o ensino e a pesquisa”, justifica Bonifácio.

O câncer é uma das principais causas de morte no mundo e vem afetando mais os jovens. Há alguma explicação científica para esse panorama?

Hoje, no mundo, 32% das pessoas morrem por doenças cardiovasculares que é a principal causa de mortalidade. Mas, acredita-se que, em breve, o câncer vai ultrapassar as doenças cardiovasculares. Porém, não há uma resposta definitiva sobre o porquê dessa situação. Existem especulações de que as causas estejam nos alimentos com muita química e na poluição do ar. É uma situação preocupante. Estamos desenvolvendo novas abordagens terapêuticas, novos tratamentos, mas os avanços para reverter o quadro de mortalidade do câncer ainda são lentos. 

Trabalhamos muito, principalmente em termos de pesquisa. No Brasil, por exemplo, já conseguimos editar um gene. Ou seja, se um determinado gene codifica uma doença (isto é, sofre uma mutação que provoque uma enfermidade), é possível corrigir um pedaço desse gene que causa essa mutação. Também é possível modificar células do sistema imunológico para melhor detectar e atacar o câncer. Isso futuramente vai promover a cura de alguns tipos de tumor. Mas ainda é preciso popularizar essas descobertas científicas para que possamos cobrir um número cada vez maior da população, porque o tratamento é caro. 

Alguns imunobiológicos (medicamentos que usam o próprio sistema imunológico do paciente para combater o câncer) são caríssimos e não conseguimos utilizar em unidades de saúde que atendam o SUS, como o HCP, cujo limite orçamentário é significativo. Se não for por meio das pesquisas, não conseguimos ofertar tratamento de ponta. Mas, graças ao trabalho do nosso Centro de Pesquisa Clínica, conseguimos. 

Temos orgulho desse trabalho. O fato de atendermos um elevado número de pacientes e de trabalharmos com qualidade é um atrativo para a indústria farmacêutica no teste de novas drogas. É interessante para a indústria ter um campo de experimento bom, cumprindo todas as regras da bioética. Cerca de 56% dos pacientes oncológicos de Pernambuco estão no HCP. 

Nessas pesquisas, eles têm uma assistência minuciosa, com acesso a terapias que não conseguiria via SUS. São medicamentos que estão em fase de estudos clínicos, que têm quatro fases, a maioria dos nossos está na fase 3, é aquela pré-comercialização. Se o resultado do estudo for positivo, nosso paciente recebe a droga gratuitamente até o óbito ou à cura. 

Como são realizados os trabalhos de pesquisa no Hospital de Câncer? Há muitos casos de sobrevida? 

Sim. Geralmente há sobrevida livre de eventos em cinco anos. São casos em estágio avançado do câncer, drogas desenvolvidas para estado de metástase, a fim de melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida do paciente.

Em 2018, o HCP criou esse centro – numa iniciativa da Dra. Leuridan Torres, junto com o Dr. Marcelo Salgado – que, a cada ano, vem crescendo. Conseguimos dobrar nosso faturamento e hoje ele é autossustentável. De 2024 para 2025, o faturamento do centro aumentou em 119%. A meta de crescimento para este ano é de mais de 30% e estamos quase alcançando. Esse centro é vantajoso tanto para o hospital, quanto para os pacientes e para o avanço das pesquisas.

Convidamos os pacientes a participarem do estudo, explicamos como funciona, eles assinam um termo de consentimento. Ao assinar, eles saem da assistência do hospital, ou seja, passam a ser atendidos pelos médicos que fazem parte do Centro de Pesquisa Clínica. Assim, conseguimos desafogar a fila de atendimento do HCP. O paciente do centro de pesquisa, por exemplo, não compete com a tomografia do paciente da assistência, porque a tomografia do centro é terceirizada.

Além disso, esse paciente terá acesso a tratamentos inovadores. Também há vantagem para a sustentabilidade do hospital. Todo protocolo, via centro, tem um overhead de 25% que fica para o HCP. 

Por meio desses protocolos, a folha de pagamento da equipe do centro e todos os exames e medicamentos dos pacientes são pagos pela indústria. Esse contrato é pactuado entre os médicos oncologistas clínicos e a indústria. Com isso, os pacientes ganham, desafogamos a assistência do hospital e conseguimos investir em formação, pagamento de bolsas, e organização de eventos e congressos para capacitar a equipe. Médicos que fazem pesquisas retornam melhores, mais atualizados para assistir os pacientes.

Nossos médicos participam de capacitações em relação à farmacêutica, novos tratamentos, técnicas e exames que estão sendo utilizados aqui e fora do Brasil. Assim, contribuímos também com a troca científica para tentar melhorar a oncologia e reverter esse quadro da mortalidade do câncer. No centro realizamos essa pesquisa em que prestamos um serviço para a indústria farmacêutica, mas o HCP tem muito potencial para desenvolver pesquisas institucionais, aquelas de iniciativa dos nossos pesquisadores. Mas necessitamos de mais estrutura do que dispomos hoje, como mais laboratórios e salas para que nossos doutores possam propor pesquisas sem vínculo com a indústria.  

Aí, entram os financiamentos. Em 2024, nosso projeto intitulado Centro Integrado de Pesquisa Clínica e Translacional em Oncologia do Hospital de Câncer de Pernambuco foi contemplado num edital do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Doze instituições brasileiras foram selecionadas, três do Nordeste, entre elas, o HCP. Conseguimos um valor de R$ 13,2 milhões para expandir o Centro de Pesquisa Clínica e criar um laboratório de pesquisa translacional que vai permitir potencializar nossas pesquisas institucionais. É o maior investimento que o HCP teve em 80 anos. 

faturamentos pesquisas

Que tipo de pesquisas vai ser desenvolvido com esse aporte? O que significa pesquisa translacional?

Nossa principal linha hoje é na área imunológica. A Dra. Leuridan Torres é uma biomédica pesquisadora que tem uma linha de pesquisa que se chama imuno-checkpoint. Essa linha não é a única, mas é a principal. Quando o câncer aparece, o sistema imunológico é afetado, deixa de trabalhar para atuar contra a doença. Então, estudamos quais são essas alterações imunológicas, identificando pontos, algumas moléculas, proteínas que podem ser estimuladas ou inibidas para combater o câncer. Esses checkpoints imunológicos são alvos terapêuticos que podem ser transformados em novas terapias no futuro. 

A pesquisa translacional é anterior à utilização clínica e comercial do medicamento. A linha de desenvolvimento de uma droga é longa e custosa. Inicia-se com a pesquisa básica, identificando moléculas em laboratório, em seguida, testam-se as moléculas promissoras em modelos celulares. Depois são feitos testes em animais, como roedores e não roedores, e, em seguida, passamos à fase clínica que é o teste em seres humanos. Isso pode levar de 10 a 20 anos para chegar ao mercado. 

A pesquisa translacional é quando eu tenho uma observação na pesquisa básica que pode diretamente ser aplicada no leito do paciente. E as observações clínicas que o médico faz no leito do paciente podem retroalimentar as pesquisas básicas. Então, a pesquisa translacional produz a aceleração do conhecimento porque permite aplicar mais rápido a descoberta, sem ter que passar por todas as etapas de desenvolvimento de um produto. 

A partir desse investimento, vamos expandir o Centro de Pesquisa Clínica e colocar esse laboratório de pesquisa translacional com equipamento de fluxo de sequenciamento genético de última geração. Porque atualmente não se trabalha tratamento oncológico sem saber a genética do câncer. O mundo hoje está voltado para a oncogenética.

Por que a genética é tão importante no tratamento oncológico?

Porque, ao se fazer o sequenciamento genético de um determinado tumor, é possível identificar a alteração molecular genética pela qual ele passou para ser tumoral. Então, quando faço um tratamento e o resultado é positivo, sei que aquela genética é sensível a tal tratamento. Da mesma forma que há banco de sangue, há banco de tumor. Se, no banco de tumor, identificamos a genética de um câncer de mama e sabemos que é sensível ao tratamento X, futuramente, posso identificar um câncer hepático com o mesmo sequenciamento genético do câncer de mama. Assim, já saberei a qual tratamento aquele sequenciamento genético é sensível. Ou seja, ganhamos tempo descobrindo a genética do tumor. 

Por isso não se consegue dissociar mais o tratamento moderno da oncologia da genética. Esse laboratório de pesquisa translacional vai dar um salto nas pesquisas, inclusive para diagnosticar, com mais eficácia o câncer, sabendo qual sua genética. Do ponto de vista citológico (da estrutura da célula), quando é observada uma alteração, só é possível de ser avaliada a parte do tecido (grupo de células com funções específicas). E a parte molecular (genética)? Por que o tratamento deu certo em determinado tumor que eu achava histologicamente (do ponto de vista dos tecidos) parecido com um outro, mas com esse outro a terapia não surtiu efeito? Porque não era o mesmo tumor, a parte molecular, a parte genética é diferente. Por isso, no HCP, vamos entrar nessa área de pesquisa da oncogenética.

Além da imunoterapia e da oncogenética, quais as tendências no diagnóstico e tratamento do câncer? A Inteligência Artificial vem sendo utilizada? 

A inteligência artificial será um plus no que estamos desenvolvendo. Por exemplo, na pesquisa básica, na parte inicial de desenvolvimento de fármacos, que acontece antes dos testes em animais, se existem cinco mil moléculas com possibilidades de combater o câncer, vou conseguir, por inteligência artificial, reduzir a quantidade dessas moléculas a serem estudadas, porque sei qual o alvo terapêutico, qual é a genética, qual é o receptor do tumor. A inteligência artificial vai dar as conformações estruturais de uma proteína que pode ser um fármaco que encaixe melhor no receptor daquele tumor. Então, isso vai encurtar o tempo de desenvolvimento do medicamento. 

Há outras aplicações também na prática clínica, como no diagnóstico, que já utilizamos no HCP. Em imagens de mamografia, por exemplo, é possível treinar a máquina para que a inteligência artificial perceba uma microcalcificação que não é visível a olho nu. O mesmo também acontece em estudos do diagnóstico de câncer de pulmão em que a inteligência artificial detecta o tumor, que a olho nu não seria detectado. E, quanto mais precoce o diagnóstico, melhor para o tratamento. 

É possível, ainda, utilizar a inteligência artificial para melhorar o recrutamento de pacientes com determinadas características no prontuário eletrônico. Em termos de segurança, posso treinar a IA para saber se o que estou prescrevendo ao paciente com determinada doença é o correto. As perspectivas são muitas. 

Num congresso, ouvi a seguinte frase: o médico não vai ser substituído pela inteligência artificial, mas vai ser substituído por um outro médico que usa a inteligência artificial. O campo é muito vasto. Por isso, no HCP, temos um time de pesquisa e, recentemente, implantamos um setor de inovação. Assim, além de pensar na melhoria do paciente, poderemos captar recursos via inovação. Hoje somos ensino, pesquisa e inovação. 

E como vem sendo desenvolvida a área de ensino no HCP?

Não somos uma universidade, nem um hospital de ensino, mas temos vários programas de residência com a Secretaria Estadual de Saúde, com o MEC e o Ministério da Saúde, que é uma parceria dos dois ministérios. Temos sete programas de residência médica:  nas áreas de anestesia, cabeça e pescoço, cirurgia geral, cirurgia oncológica, mastologia, medicina paliativa, oncologia clínica e patologia. Ao todo são 13 vagas de residência médica, via Secretaria Estadual de Saúde, e sempre conseguimos preencher todas anualmente. 

Temos mais quatro na área não médica: uma multiprofissional com 10 vagas, que envolve fisioterapia, enfermagem, nutrição, psicologia, farmácia; temos outro programa que é de enfermagem em oncologia; outro com três vagas, que é de odontologia hospitalar em oncologia e temos duas vagas em um programa de fisioterapia em terapia intensiva oncológica. 

Então, no total, temos umas 28 vagas. Todo ano, há concurso e recebemos novos residentes, eles passam de dois a três anos conosco e saem especialistas nessas subáreas da oncologia, dependendo da sua graduação. É multidisciplinar, colocamos médicos e não médicos para trabalharem juntos. Além da residência, temos programas de estágios para alunos que ainda não se formaram e estão no final do curso, que é o estágio curricular obrigatório. 

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Qual sua perspectiva para o HCP nos próximos 80 anos? 

O Hospital de Câncer é uma instituição privada, sem fins lucrativos, que só atende o SUS. Foi fundado, em 1945, por 13 senhoras bem influentes na sociedade, sensibilizadas diante do aumento do número de câncer sem avanços no tratamento. Nos próximos 80 anos, não temos para onde crescer, se não for potencializado o ensino, a pesquisa e a inovação. A assistência é nosso carro-chefe, mas o que subsidia a assistência? É o ensino e a pesquisa. Como prestar uma boa assistência para atender mais pacientes com mais qualidade, se não estivermos por dentro das inovações científicas, das melhores técnicas e tecnologias? A oncologia está caminhando para isso. 

Como incorporarmos novos fármacos, novas terapias e abordagens, se não aprendemos, se não pesquisamos? Há estudos que comprovam isso: o médico pesquisador é o melhor médico assistente pois está envolvido na pesquisa de como cuidar melhor. Tanto é que Marcelo Salgado, o pesquisador principal do nosso centro, é um dos maiores nomes da oncologia clínica brasileira. Além de participar de congressos europeus e americanos, ele está por dentro dos protocolos e administra as novas medicações em seus pacientes. 

Por isso, eu apostaria todas as minhas fichas em ensino pesquisa e inovação. Estamos bem nessa área da pesquisa clínica, que hoje está concentrada no eixo do Sudeste. O Recife é um dos maiores polos médicos do Brasil, mas não há muita pesquisa aqui. Por isso, a perspectiva é colocar o HCP no mapa da pesquisa clínica nacional. Para as indústrias Roche e Merck, já somos centro de referência no Estado. Temos um contrato master com elas porque conhecem e confiam no nosso centro. A ideia é virar referência para outras empresas, concluir esses projetos e, em breve, o HCP será uma das maiores instituições de pesquisa clínica do Brasil. 

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