Francisco Cunha, Autor Em Revista Algomais - A Revista De Pernambuco

Francisco Cunha

Francisco Cunha
RIO CAIBARIBE

"Quando percebi, o Rio Capibaribe não estava morto"

*Por Francisco Cunha Como natural do Recife, nascido e criado em bairros que não eram contíguos ao Rio Capibaribe (Prado e Espinheiro), minha relação com o principal curso d’água da cidade sempre foi meio protocolar, admirando-o desde o Cais da Jaqueira, do Centro da Cidade ou de cima das pontes, praticamente os únicos locais de onde poderia ser visto à distância. Isso porque, ao longo do seu percurso de quase 15 quilômetros dentro do Recife, ele estava oculto no fundo dos lotes e das quadras, passando quase imperceptível para quem trafegava pelas ruas e avenidas da cidade. Claro que havia uma exceção: quando das chamadas “cheias”, o rio saia do seu leito e invadia a planície do Recife, transformando a área inundada numa grande lagoa cheia de prédios meio submersos. Uma espécie de Veneza em tempo de super maré. Mas, então, já não era mais o Capibaribe senão uma versão superinflacionada e irreconhecível. Quando comecei a me interessar pela história da cidade, não conseguia entender o porquê deste percurso oculto já que, durante uma boa parte da existência do Recife, a crônica histórica dava conta de que o rio tinha sido a sua principal via, restando às estradas de terra (de João de Barros, do Encanamento, das Ubaias, de Dois Irmãos, do Arraial e várias outras) o papel secundário para o trânsito de animais e pessoas a pé ou, eventualmente, puxando carroças. Depois, me aprofundando mais ainda no estudo da história, entendi que essa dinâmica começou a mudar com a chegada dos trilhos à cidade, na segunda metade do Século 19, com o pioneiro trem urbano a vapor, a Maxambomba (corruptela da expressão inglesa machine punp). Com o trem passando pelas principais vias da cidade, em seguida, com os bondes (inicialmente puxados a burro, depois elétricos) e, mais em seguida ainda, com a chegada dos carros e do calçamento, o principal ponto de atração passou a ser o antigo “fundos” dos imóveis onde, agora, passavam os bondes e os veículos automotores, com os pedestres relegados às bordas da via (as “calçadas”). Com isso, o Rio, como antiga via, passou para os fundos dos lotes e “desapareceu” da cidade. E como todo desaparecido, foi virando progressivamente local do indesejável, de onde se colocar esgoto e lixo, sem “ser visto”. O resultado foi que, ao longo do Século 20, o Capibaribe foi ficando cada vez mais invisibilizado e “sujo”, a ponto de se implantar o entendimento de que o Capibaribe estava “morto”, sufocado pela poluição de todo tipo. Pois bem, tinha essa ideia formada na minha cabeça quando, há quase duas décadas, comecei a fazer caminhadas sistemáticas pela cidade. E dentre as inúmeras revelações que tive, sem dúvida a principal foi a redescoberta do Capibaribe. Fui encontrando com ele no fim das ruas e no fundo das quadras, sem conseguir passar para o outro lado. Então, com uma diferença de antes: encontrei as margens vegetadas pelo mangue, coisa que não existia antes quando elas eram completamente “nuas”, sem qualquer vegetação. Mas, para todos os efeitos, o rio estava “morto”, cheio de esgoto e lixo, uma vez que nem as capivaras tinham aparecido ainda. Com as caminhadas, uma das descobertas que eu tinha feito foi a do Baobá de Ponte D’Uchoa, encurralado por um muro na beira do Rio, um monumento vegetal que não entendia porque ainda não tinha sido incorporado à cidade, já que muito pouca gente sabia de sua existência. Por conta disso, toda as vezes que passava pela Avenida Rui Barbosa, fazia questão de visitá-lo e apresentá-lo a quem estava comigo. Numa dessas vezes, cedo da manhã, chegando perto da beira do Rio, vimos, no final da rua sem calçamento, o que nos pareceu ser uma tartaruga, com certeza fugida de algum quintal das redondezas. Mas, qual não foi a surpresa, com a nossa aproximação e com as fotos que fizemos, o bicho se espantou e “correu” para a margem, em busca do Rio, despencou do barranco que existe no local e ficou de cabeça para baixo. Descemos, viramos a tartaruga que, quando se viu novamente sobre as quatro patas, partiu célere e mergulhou no Rio, justamente no local de onde existia um cano jogando esgoto em profusão. Voltamos um tanto espantados com o ocorrido e encontramos no lugar, onde o bicho estava, um buraco que deu a impressão de ter sido feito para colocação de ovos. Depois, consultado especialistas descobrimos que não se tratava de uma tartaruga mas de um cágado d’água que tinha escolhido o local para fazer sua desova. Mas, mais importante do que tudo, tivemos uma prova concreta de que o Rio não estava “morto”. Pesquisando um pouco mais descobrimos que o fato de a água salgada do mar entrar, quando da maré cheia, duas vezes ao dia na planície, indo até o bairro da Várzea, isso promove uma espécie de “tratamento” da água do Rio, diminuindo a poluição e aumentando a oxigenação. Isso torna o Rio “vivo” na planície recifense. De fato, depois desta descoberta, começamos a perceber que a vegetação das margens tinha criado uma espécie de “corredor ecológico” desde a floresta do oeste até a foz no leste. E começamos a “ver” capivaras, pássaros estranhos, peixes, jacarés e, até, uma jiboia como citado na reportagem de capa desta edição da revista Algomais. Essa “descoberta” turbinada pelo estudo realizado pela pesquisa Parque Capibaribe e pela ocupação urbanizada das margens (como o Jardim do Baobá, a Praça Otávio de Freitas no Derby, o Parque das Graças, o Cais da Vila Vintém), propiciou a ampliação da visão e da pertinência do Capibaribe na vida dos recifenses. Falta agora uma ampla campanha para despoluir o Rio, retirando o esgoto e o lixo dele para que a sua vida seja potencializada e, quem sabe, até o aniversário de 500 anos do Recife em 2037, possamos voltar a tomar banho nele, como os recifenses faziam até quando os veículos sobre trilhos e motorizados começaram a passar no fundo dos lotes... *Francisco Cunha é consultor e sócio da TGI

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geopolitica

É a geopolítica, estúpido!

*Por Francisco Cunha Conta a lenda política internacional que, quando da postulação eleitoral de Bill Clinton, em 1992, havia uma disputa entre os estrategistas sobre qual deveria ser o mote da campanha, se a guerra do Kuwait ou a economia. Foi quando o consultor James Carville escreveu no quadro de avisos do comitê central, em letras garrafais, a frase: “É a economia, estúpido!” Carville ganhou a discussão, foi dado foco na economia e Clinton ganhou a eleição. Bem, isso foi em 1992, quando da então recente queda do Muro de Berlim, do desmoronamento da União Soviética com o consequente fim da Guerra Fria. Então, pensava-se que a história tinha “acabado” e os EUA seriam a única potência hegemônica para todo o sempre. Ledo engano! A China já estava amolando os cascos para galgar a vice-liderança econômica mundial e ameaçar a hegemonia dos EUA. Desde então, o que se viu foi a ascensão da nova potência asiática com uma reconfiguração gradual da geoeconomia e da geopolítica internacionais. Em menos de três décadas, a situação mudou completamente da Guerra Fria original (capitalismo mundial, liderado pelo EUA, versus comunismo internacional, liderado pela União Soviética) para o que alguns autores chamam de Guerra Fria 2.0. Agora, colocando em contraposição, de um lado, os EUA com todo o aparato multilateral montado depois da Segunda Guerra Mundial e que considerava o mundo bipolar do meio século seguinte e, de outro, a China com o seu “capitalismo de estado”, praticamente monopolizando o comercio mundial. Esta situação é ilustrada com clareza desconcertante quando se observam os dois mapas-múndi acima divulgados pela revista The Economist, que mostram em azul os países do mundo que têm os EUA como principal parceiro comercial e em laranja os que têm a China com destaque para a comparação entre os anos 2000 e 2020. Com base no que se vê nos mapas, é legítimo inferir que toda essa confusão que o novo governo Trump está fazendo com as tarifas alfandegárias tem como objetivo primeiro atingir o seu principal rival comercial, atual e para o futuro, que é a China. Isso porque os EUA sabem mais do que ninguém que quem domina o comércio, termina por dominar a política, a diplomacia e, ao fim e ao cabo, as finanças internacionais. Daí, ser possível compreender a fúria de Trump contra os Brics e mais especialmente contra o Brasil. Afinal, dentre os constituintes originais do bloco (Brasil, Rússia, China e Índia que formaram, inclusive, o acrônimo BRIC), o mais “frágil” ou mais “fácil” de atacar diretamente é o Brasil. Se não, vejamos: a Rússia tem o maior arsenal atômico, herdado da União Soviética, talvez até maior em número de ogivas do que o dos EUA; a China é a potência rival com a qual não convém bater logo de frente; e a Índia, além de possuir também a bomba atômica, têm, nos dias atuais, a maior população do mundo. Quem sobra para efeito demonstração? O Brasil que, além de estar no mesmo continente (no “quintal” da América Latina como se referiram autoridades norte-americanas), ainda é o maior país latino-americano e na posição de liderança pelo tamanho populacional, econômico e institucional que têm. Não é à toa que circula informalmente no âmbito da diplomacia internacional a máxima de que “para onde o Brasil for, a América Latina vai também”. Diante deste quadro, essa história de supertarifação do Brasil por conta do julgamento “injusto” do ex-presidente Jair Bolsonaro tem toda a cara de pretexto para ocultar a razão principal (passar um claro recado aos demais Brics: “quem manda nessa joça ainda sou eu!”) ou, na mais psicanalítica das hipóteses complementares, para acusar de ilegítimo um rito processual democrático que se aplicado ao próprio Trump já o teria condenado. Em outras palavras: se a invasão do Capitólio que ele incentivou e, em linhas gerais, comandou, tivesse sido no Brasil, existem poucas dúvidas de que já estaria julgado e preso. Em suma, enquanto Bill Clinton podia, em 1992, assumir que o tema da campanha era a economia norte-americana interna, hoje, para entender o interconectado e conturbado quadro mundial, teríamos que pedir a Carville que redefinisse o slogan. Certamente ele diria: “É a geoeconomia, estúpido!”. Afinal, como disse muito apropriadamente Camões, há quase 500 anos: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”.

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ferrovia pernambuco montagem

Pernambuco não é capacho do Ceará

*Por Francisco Cunha A  mais recente novidade acerca do melodrama relativo ao trecho pernambucano da ferrovia Transnordestina dá conta de que o governador e a bancada parlamentar do Ceará estão fazendo enorme pressão sobre o ministro da Casa Civil, o ex-governador baiano Rui Costa, pela demissão do superintendente da Sudene, Danilo Cabral, por ele supostamente não estar “facilitando” a vida do trecho cearense da ferrovia.  Isso depois de a Sudene já ter liberado R$ 5,6 bilhões dos Fundos de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e de Investimentos do Nordeste (Finor), e de já ter assegurado até 2026 mais R$ 2,6 bilhões, praticamente a totalidade do FDNE até lá, para o trecho do Ceará. E mais: depois do trecho pernambucano (de Salgueiro a Suape) ter misteriosamente desaparecido do contrato de concessão entre o Natal e o Ano Novo de 2022. E mais ainda: depois de a concessionária da malha métrica do Nordeste Oriental (Alagoas, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte), – sucessora da concessionária do trecho cearense da Transnordestina que articulava há mais de um século os portos de Maceió, Suape, João Pessoa e Natal – ameaçar abandonar a concessão desses trechos e devolver à União a malha amplamente sucateada e totalmente inoperante. Isso após longos anos de abandono e de desmonte revoltantes. A pancada foi tão grande que o trecho pernambucano da Transnordestina só voltou para o mapa por determinação do presidente Lula, passando a ser incluído no Orçamento da União e no PAC, ainda que com recursos ínfimos se comparados com os destinados ao trecho cearense (menos de 5% até agora), depois de uma ampla mobilização social, empresarial e política.  Em resumo, foram deflagradas, de caso pensado, ações diretas e indiretas perpetradas com o objetivo de minar e, no limite, impedir o desenvolvimento, não só de Pernambuco como de todo Nordeste Oriental, posto que não existe competitividade portuária e, por extensão, regional, sem o suporte de uma malha ferroviária robusta. Basta observar o que acontece com todos os portos competitivos ao redor do planeta.  Essas ações combinadas, se não forem corajosamente enfrentas e revertidas, redundarão, na prática, na exclusão do Nordeste Oriental, para sempre, da malha ferroviária nacional. Isso quando já se projeta, com apoio decisivo (financeiro e técnico) da China, a ferrovia bioceânica (Atlântico-Pacífico), saindo de Ilhéus (não por acaso na Bahia) até o porto de Chancay no Peru. Se eu fosse adepto da teoria da conspiração seria levado a acreditar que está sendo urdido um plano para golpear covardemente as perspectivas de desenvolvimento dos estados do Nordeste Oriental, deixando-os literalmente a ver navios, passando do Ceará à Bahia e vice-versa, porque nenhum deles vai ancorar em portos sem retaguarda ferroviária. Ou seja, que se está deliberadamente planejando um sanduiche perpétuo de subdesenvolvimento para toda essa região do saliente nordestino. Ainda bem que não sou paranoico... Aproveito e lanço um repto aos cearenses: vamos fazer os dois trechos da ferrovia e deixar que a competência competitiva de cada estado se exerça. Por que não? Não é isso que se advoga modernamente? Meritocracia competitiva? Muito melhor do que procedimentos politicamente mesquinhos, do que tentativas de reduzir um estado inteiro a capacho de interesses subalternos.  Afinal, só existe uma palavra para classificar tudo isto que está sendo urdido há tempos, inclusive a atual e desleal pressão pela demissão do Danilo Cabral que vem imprimindo um dinamismo há muito não visto na autarquia de desenvolvimento: simplesmente INACEITÁVEL!  Pernambuco não é capacho de nenhum estado, muito menos do Ceará! 

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Olinda tem que ser também patrimônio de Pernambuco

*Por Francisco Cunha Depois de uma longa convivência com a Olinda histórica, cheguei à conclusão de que, embora ela seja patrimônio da humanidade, infelizmente não é patrimônio de Pernambuco e só tem salvação se vier a sê-lo, inclusive com uma rubrica permanente no orçamento do Estado. Até me tornar um jovem adulto, não conhecia Olinda direito. Praticamente só ia por lá na época do Carnaval ou como resultado de uma ou outra ida furtiva, sempre dentro de um automóvel. De dia, ao Alto da Sé ou, à noite, ao Cantinho da Sé e ao saudoso bar Relicário onde hoje funciona o Museu de Arte Sacra, antigo Palácio Episcopal, e nada mais. Isso, até que tive que comparecer, quando cursava a faculdade de arquitetura, num dia normal de semana, a uma aula de campo de história, marcada pelo inesquecível professor José Luiz Mota Menezes, a ser dada na igreja de Nossa Senhora da Graça, uma das mais antigas do Brasil, junto ao Seminário, no ponto mais alto da colina histórica. Saí de casa, no Bairro do Espinheiro, de ônibus, depois do almoço, saltei no Varadouro e subi a pé, bem devagar, a ladeira Quinze de Novembro quando a tarde já ia quase pelo meio. Então, de súbito, comecei a ser arrebatado pela beleza da velha Marim dos Caetés. Primeiro, a uniformidade das casas de porta e janela, de um lado e do outro da ladeira, depois a chegada na Rua de São Bento, junto à prefeitura, antigo Palácio dos Governadores. Uma parada para respirar e duas visões arrebatadoras: ao sul, o Recife no fundo, já visto parcialmente do alto; e, a leste, a bela igreja do Convento de São Bento, ambos emoldurados pelo casario histórico. Segui pela rua olhando de ambos os lados os sobrados, alguns com mais de 300 anos, passei pela casa de Ivaldevan e Sônia Calheiros, sede do bloco carnavalesco Eu Acho é Pouco, até chegar no Mercado da Ribeira, na frente do qual um pedaço de muro do antigo Senado de Olinda registra, escrito numa estrela de mármore, o pioneiro “grito da república” dado entre nós por Bernardo Vieira de Melo, em 1710, durante as escaramuças da chamada Guerra dos Mascates, conforme citado no hino de Pernambuco: A República é filha de Olinda Alva estrela que fulge e não finda De esplender com seus raios de luz Liberdade! Um teu filho proclama! Dos escravos o peito se inflama Ante o Sol dessa terra da Cruz! Continuando meu percurso, desço a ladeira, chego aos Quanto Cantos, aquele mesmo citado na famosa música de J. Michilis, imortalizada por Alceu Valença pelos carnavais afora (Me Segura Senão Eu Caio):  Nos quatro cantos cheguei E todo mundo chegou Descendo ladeira Fazendo poeira Atiçando o calor... Embalado pela lembrança dos frevos rasgados que já tinha ouvido por ali, resolvi enfrentar a fatídica Ladeira da Misericórdia. No meio da subida, mesmo com falta de ar, olhando para os lados, me veio à cabeça o belíssimo poema Olinda do grande Joaquim Cardozo que fala de calçadas “cascateado nas ladeiras”: Olinda, Das perspectivas estranhas, Dos imprevistos horizontes, Das ladeiras, dos conventos e do mar. (...) Muros que brincam de esconder nas moitas, Calçadas que descem cascateando nas ladeiras. Chego resfolegante ao topo, do lado da Igreja da Misericórdia e defronte da Academia Santa Gertrudes, no local onde o Capitão Temudo opôs a última resistência olindense aos holandeses na invasão de 1630. Quando me viro, a vista do Recife funciona melhor do que um balão de oxigênio. Refeito do esforço, sigo pela primeira rua de Olinda, no topo da colina, passo pelo Observatório (aquele citado no poema de Cardozo: “Sábio silêncio do Observatório / Quando à noite as estrelas passam sobre Olinda”) e pela caixa d’água de 1936, primeira construção modernista daquela altura no Brasil, até chegar na frente da Catedral da Sé, antiga Igreja do São Salvador do Mundo, construída pelo nosso primeiro capitão hereditário, Duarte Coelho Pereira. No largo, restabelecido da subida da Misericórdia, me deparo com a vista, esta sim de tirar o fôlego, do Recife e não tenho como não lembrar dos versos de Carlos Pena Filho: De limpeza e claridade é a paisagem defronte. Tão limpa que se dissolve a linha do horizonte. As paisagens muito claras não são paisagens, são lentes. São íris, sol, aguaverde ou claridade somente. Olinda é só para os olhos, não se apalpa, é só desejo. Ninguém diz: é lá que eu moro. Diz somente: é lá que eu vejo. Em seguida, enfrento, como obstáculo final, a ladeira do Seminário para chegar a meu destino, a igreja onde seria ministrada a aula de campo. Trata-se de um belo exemplar da arquitetura colonial-maneirista, na época recém-restaurada, com uma singela nave na qual, sentados nos bancos, assistimos a extraordinária aula de José Luiz. Terminadas as obrigações acadêmicas, descemos a ladeira do Seminário e paramos no Cantinho da Sé para brindar com algumas cervejas geladas o final da tarde e a descoberta de uma Olinda paisagística e histórica até então insuspeitada. Terminamos, como no poema de Cardozo, presenciando o momento em que “as estrelas passam sobre Olinda”. Esse episódio que classifico, à moda do poeta Manuel Bandeira, de “meu primeiro alumbramento” olindense se deu antes da elevação de Olinda, em 1982, pela Unesco, a patrimônio da humanidade como resultado de uma iniciativa liderada pelo renomado designer pernambucano Aloísio Magalhães, na época secretário de Cultura do MEC. Depois, passei a ir regularmente à cidade até que resolvi escrever um livro sobre o Recife e entendi que deveria começar por Olinda já que acreditava, como ensinou Gilberto Freyre, ser a velha Marim dos Caetés a “mãe do Recife” (assim como Igarassu pode ser considerada a “avó”). Na verdade, atirei no que vi e acertei no que não tinha visto. Inicialmente pensei em dedicar um fim de semana para percorrer o sítio histórico mas fiquei, junto com o amigo de infância Plínio Santos, quase um ano frequentando a área todos os domingos e, no final, terminamos por escrever um guia (Um

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Rua Nova 2

O plano mais importante desde Maurício de Nassau

*Por Francisco Cunha Discurso feito no lançamento do plano estratégico O Centro do Recife na Rota do Futuro, dia 09/04/25 Quando do lançamento da “ordem de serviço” do Plano do Centro, aqui mesmo neste Moinho retrofitado, só que lá no quarto andar, cheguei a dizer que aquele era um dos dias mais importantes de minha vida. O mesmo digo hoje. E por que eu falo da importância desses dias? Quando criança, adolescente e jovem adulto, o Centro da cidade era o meu centro das atenções e, porque não dizer, também, meu “parque de diversões”, como também, de milhares de outras pessoas: Quis o destino, todavia, que após viver o apogeu do Centro do Recife, eu fosse testemunha ocular e angustiada de um longo e sofrido processo de decadência que já está por completar cinco séculos de lenta e continuada agonia. Mas quis o destino também que eu tivesse a felicidade de, desde o ano 2000, dar consultoria à CDL Recife e, lá, dedicar-me, junto com os diretores, à frente deles Fred Leal, a buscar alternativas para reverter a decadência. Infelizmente sem sucesso, muito embora tenhamos tentado de tudo. Talvez tenhamos conseguido, no máximo, reduzir um pouco o ritmo da queda mas, sem nem de longe, sequer, conseguir interrompê-la. Depois de muito esmurrar a ponta da faca, entendemos que nenhum processo efetivo de reversão seria possível sem que o Poder Público Municipal se tornasse o principal protagonista da recuperação. E foi com essa certeza que acompanhamos com entusiasmo a decisão corajosa do prefeito João Campos de assumir o Centro como uma das prioridades da sua gestão. E, aí, mais uma vez, o destino me encontrou na presidência do Conselho da Aries – Agência Recife para Inovação e Estratégia e, nessa condição, podendo ajudar a viabilizar a elaboração do Plano Estratégico de Longo Prazo do Centro do Recife que estamos tendo a grande satisfação de entregar hoje. Nesta jornada tive também a muito grata satisfação de estreitar relações com a competente Ana Paula Vilaça que, hoje, considero uma amiga que ganhei do Recentro. Daí, eu gostar de dizer que o Recentro é feito de coragem e competência. Pude me aproximar também de Washington Fajardo, um urbanista de mão cheia, sensível ao apelo humanizado dos afetos como vetor de recuperação das cidades. Sem falar de Sérgio Buarque, consultor competente e sensível além de amigo de longa data. Desde o início da empreitada do plano que fiz questão de alertar a competente equipe da Aries comandada por Mariana Pontes que devíamos evitar duas armadilhas: (1) o plano perfeito; e (2) o plano unânime. Cinquenta anos de experiência cotidiana com o planejamento (desde o primeiro dia da faculdade de arquitetura e urbanismo) me ensinaram que assim como “não existe vento favorável para quem não sabe para aonde quer ir”, também não há mapa infalível do caminho. O mapa vai se redesenhando ao caminhar. Ele ajuda, orienta, mostra a direção, mas não é perfeito. O melhor plano sempre será o próximo. A experiência também ensina que não há plano unânime, sempre existirão os que não concordarão com ele, uns por vaidade, outros por desconhecimento, outros mais por não se sentirem contemplados. O fundamental é ter feito todo o esforço possível para contemplar todas as facetas como, tenho certeza, foi feito com este que está sendo entregue hoje. O primeiro plano de fato estratégico do centro desde que Maurício de Nassau sonhou fazer da Mauriciópolis a capital do Brasil Holandês, traçando para ela o primeiro plano urbanístico renascentista do continente americano. São praticamente os contornos da Cidade Maurícia que se transformaram no Centro atual do Recife e da sua região metropolitana, uma das principais do País. E é, justamente, este contorno que é objeto do plano que está sendo entregue hoje. Não é corriqueira a missão de recuperar o Centro degradado da capital mais antiga do Brasil, uma das cidades coloniais mais antigas do continente. Porque esse Centro Histórico é, aprendi depois de caminhar centenas de quilômetros por ele, um museu vivo da história de Pernambuco e, mais do que isso, da história do Brasil. Portando, a missão é tão grande quanto desafiadora só que, agora, com o plano, ou seja, com um norte e um roteiro amplamente validado. Meu agradecimento em nome pessoal e da cidade, ao prefeito João Campo; ao vice-prefeito Victor Marques; ao secretário Felipe Matos e equipe; à chefe do escritório do Centro, Ana Paula Vilaça e equipe; aos consultores especiais Sérgio Buarque e Whashington Fajardo; a Mariana Pontes e Ciro Pedrosa no comando da competente equipe da Aries; aos colaboradores e colaboradoras do plano; bem como aos integrantes da governança do Centro. O nosso desafio se reforça hoje com o plano O Centro na Rota do Futuro mas, tenho certeza, que este dia já está inscrito na história da cidade e de que em 12 de março de 2037, quando do aniversário de 500 anos do Recife, a foto estará lá, na linha do tempo da exposição comemorativa. Espero que todos aqui estejamos lá também comemorando os avanços conseguidos e a recuperação tornada irreversível do nosso Centro. Muito obrigado pela atenção!

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PAIS.DA .PATRIA

O que houve com a pátria da democracia?

*Por Francisco Cunha Considero-me, desde que me entendo por gente, um cinéfilo, especialmente admirador dos filmes norte-americanos pela qualidade de suas produções no famoso padrão “hollyhoodiano”. E uma coisa que sempre me chamou a atenção foi que, filme sim, filme não, aparece uma sala de audiência de justiça, com um juiz (ou juíza) no alto, réu e advogados, de um lado, e acusação e operadores do direito, do outro, não raro na presença de um júri popular. Existem até filmes cujo enredo é, justamente, o desenrolar de um julgamento, como é o caso do extraordinário 12 Homens e uma Sentença (de 1957, dirigido por Sidney Lumet e protagonizado por Henry Fonda, Lee J. Cobb e Martin Balsam) que, aliás, teve uma boa refilmagem em 1997 com a participação do grande Jack Lemmon. Essa super exposição da Justiça para mim sempre foi, além de objeto de admiração, uma evidência do valor que os norte-americanos davam à democracia, ao princípio de que todos são iguais perante à lei e de que, em última análise, a justiça se fará, doa em quem doer. A propósito, uma coisa que também sempre me admirou foi que não lembro de ter visto nenhum caso de filme que colocasse qualquer sombra de dúvida sobre a idoneidade dos juízes. Lembro de muitos enredos em que aparecem advogados e, até, procuradores corruptos mas juízes, nunca! Pois bem, qual não foi minha surpresa e, porque não dizer, profunda decepção, ao constatar que toda essa magna exaltação da justiça e da defesa dos valores democráticos vai por água abaixo quando todo o aparato judiciário e institucional dos EUA não consegue colocar um freio nas pretensões e ações francamente antidemocráticas de Donald Trump e seus celerados apoiadores. Meu real espanto grandemente acentuou-se quando não se conseguiu fazer com que Trump fosse responsabilizado e devidamente punido pelo incentivo e comando da invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, com o objetivo declarado de impedir a promulgação da eleição da qual tinha saído vitorioso Joe Biden. Uma invasão que colocou sob risco de vida não só os congressistas mas o próprio então vice-presidente da República, Mike Pence, presidente do Congresso e, em última análise, responsável final pela promulgação que Trump queria impedir sob a falsa alegação de que a eleição havia sido fraudada. As provas da reponsabilidade direta de Trump são cabais com filmagem exaustiva do seu discurso incentivador durante o qual chega a apontar a direção do Capitólio para a turba alucinada. E, mesmo assim, quatro anos depois, nada. E, olhe, que não estou falando da multidão de outros crimes de que ele é acusado. Restrinjo-me àquele que me parece crucial para o futuro da democracia norte-americana, a invasão e depredação do local que mais se identifica fisicamente no mundo com a representação popular e, ao fim e ao cabo, com a democracia, talvez secundado apenas pelo edifício do Congresso Nacional em Brasília, pelas imagens pictóricas, imponentes e representativas que têm. Certamente, não por acaso ambos tenham sido objeto de ataque e depredação planejada… E mais estupefato fiquei quando, ato contínuo após tomar posse do seu segundo mandato, Trump, cumprindo promessa de campanha, anistia os marginais que já haviam sido condenados pela invasão e depredação do Capitólio, colocando livres na rua, inclusive, elementos perigosíssimos acusados de crimes ainda piores. Isso, sem falar na enxurrada de decretos teatralmente assinados no salão oval da Casa Branca, uma boa parte deles flagrantemente inconstitucionais, na terra em que a Constituição, promulgada pelos famosos “pais da pátria” em 1787, é considerada sagrada e praticamente “imexível”, tendo passado praticamente incólume, inclusive, pelo trauma supremo de uma guerra civil fraticida. Diante desses absurdos que vemos se desenrolarem no chamado “grande irmão do norte” minha questão é justamente a do título: o que houve com a pátria da democracia? Ninguém vai se rebelar contra todos esses absurdos? O sujeito vai solapar os princípios democráticos norte-americanos à vista de todos sem que ninguém se oponha? Onde foi parar o grande apreço norte-americano pela justiça e pela democracia? Será que estamos vendo finalmente o tão propalado “declínio do império americano” (nome, aliás, de um filme canadense de 1987, esse apenas razoável)? Espero que esse tempo sombrio e alucinado seja um interregno entre tempos de sensatez e bem aventurança e nos salvemos da loucura e das bravatas. Espero que tudo isso seja um apagão restaurável, evidência de fraqueza momentânea de princípios. E que esteja certa a avó do amigo Anselmo Alves: “muita farinha é sinal de pouca carne”. Oremos! *Francisco Cunha é consultor e sócio da TGI

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15 anos das Caminhadas Domingueiras (por Francisco Cunha)

Sempre gostei de caminhar e, bem pequeno, ia e voltava do colégio a pé, distante alguns quarteirões de casa, no Bairro do Espinheiro, ainda hoje um dos mais arborizados e, portanto, mais caminháveis do Recife, apesar das calçadas maltratadas. Quando passei a estudar no Colégio de Aplicação da UFPE, na época localizado na Rua Nunes Machado, na Soledade, do lado da fábrica dos refrigerantes Fratelli Vita, voltava todo dia a pé pra casa na Avenida João de Barros, quase esquina com a Conselheiro Portela. Quando entrei na Faculdade de Arquitetura, na Cidade Universitária, passei a me locomover predominantemente de ônibus e, ocasionalmente, de carona com colegas que moravam perto de casa. Logo depois de formado, comecei a trabalhar e, estimulado pelos amigos e familiares, comprei um carro. Feito isso, saí da cidade e passei exatos 25 anos, uma geração inteira, fora do Recife. Digo isso porque, só vim entender depois que, quando entramos num automóvel, saímos da cidade, passando a vê-la como numa espécie de filme projetado continuamente no para-brisa. Com a popularização do ar-condicionado, então, é como se ficássemos confinados dentro de uma cápsula refrigerada, completamente apartados do que está acontecendo do lado de fora, a não ser pelo contágio da raiva dos outros motoristas que querem passar na nossa frente… Fiquei apartado da cidade, aboletado dentro de cockpit refrigerado, mas não deixei de gostar de caminhar e fazia isso sob a forma insana de, nos sábados e domingos, ir de carro da Zona Norte, onde nunca deixei de morar, até Boa Viagem, andar na praia e voltar de novo de carro pra casa. Isso até que, em 2006, resolvi ilustrar um livro sobre a história de Pernambuco, que estava escrevendo junto com Carlos André Cavalcanti, com fotografias do Recife atual por entender, como o historiador Leonardo Dantas Silva, que a cidade é “um museu vivo da história de Pernambuco”. Então, fazendo as locações para o estudo fotográfico, de dentro do carro, fui ficando com a impressão de que estava deixando de ver alguma coisa que escapava à visão em movimento a cada locação. Então, resolvi que, publicado o livro, voltaria a pé aos locais marcados para tentar ver o que não estava conseguindo de dentro do carro. Aí, então, digo que atirei no que vi e acertei no que nem sequer imaginara. Abriu-se para mim um mundo completamente novo e imenso. Passei a fazer caminhadas, sempre aos domingos (e nos feriados também), pela cidade toda, incialmente sozinho, depois com o amigo de infância Plínio Santos, em seguida, com amigos mais próximos interessados na união do exercício físico, com a aventura exploratória, a pesquisa histórica, a conversa descontraída e, porque não dizer, a cerveja restauradora no final da caminhada. Depois de algum tempo, com o conhecimento adquirido, eu e Plínio escrevemos e publicamos dois guias ilustrados, um de Olinda e outro do centro do Recife (Um Dia em Olinda e Um Dia no Recife). Em seguida, para tentar organizar as coisas que estávamos vendo e descobrindo, montamos um blog que chamamos de “Recife Passo a Passo – O Blog das Caminhadas Domingueiras” e, algum tempo depois, criamos um perfil no Facebook. Com essa publicidade, logo a coisa escalou e passamos a ter semanalmente dezenas de caminhantes pelas ruas antes desertas do Recife. No domingo de manhã, logo cedo, eu recebia uma chuva de mensagens perguntando por onde seria a caminhada do dia, o local de encontro, o tema… Para não enlouquecer (e preservar minhas madrugadas dos domingos), resolvi instituir a periodicidade mensal para dar tempo de organizar e divulgar adequadamente as Caminhadas Domingueiras. Desde então foram centenas de caminhadas, milhares de caminhantes e quilômetros percorridos, praticamente pela cidade toda. Pessoalmente calculo que, desde o início, já andei cerca de 40.000 km (a medida da circunferência da terra!) exclusivamente dentro dos limites geográficos do Recife. Outro dia, fui fazer uma pesquisa para tentar identificar quando o movimento coletivo começou e descobri que a primeira publicação do blog que torna público, pela primeira vez, a expressão “Caminhadas Domingueiras” se deu no dia 04 de fevereiro de 2010. Há quase 15 anos, portanto. Daí, me dei conta de que, passadas quase duas décadas de minha decisão de sair do carro para tentar ver, conhecer e entender mais e melhor o que não estava conseguindo de dentro dele, um mundo totalmente novo se abriu para mim e, creio, para muitas das pessoas que me deram o privilégio de caminhar junto com elas. Conheci lugares e pessoas antes desconhecidos, passei a pesquisar a história da cidade e do seu desenvolvimento urbano, fiz descobertas interessantíssimas e conexões inusitadas. Ouso dizer que a caminhada no Recife representou uma revolução na minha maneira de ver a cidade e, mesmo, o mundo e a vida. Digo também, fazendo blague, que me graduei em arquitetura pela UFPE mas me pós-graduei em urbanismo e em história do Recife, mesmo, pelos pés. Se é assim, portanto, nada mais justo do que encontrar uma maneira de comemorar à altura a data redonda dos 15 anos das Caminhadas Domingueiras no Recife, um movimento que tem ajudado a mudar o ponto de vista das pessoas em relação à cidade e, deixando um pouco a modéstia de lado, também a mudar a própria cidade para melhor. Vamos ver como fazer a comemoração. Os caminhantes e a cidade merecem! *Francisco Cunha é formado em Arquitetura e Urbanismo e sócio da TGI e da Algomais

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Recife precisamos

12 anos de um projeto do qual o Recife mostrou precisar muito

Este ano, exatamente no período da campanha eleitoral, o projeto O Recife que Precisamos completa 12 anos de existência, perfazendo quatro edições sucessivas (2012, 2016, 2020 e 2024). Tudo começou quando a cidade do Recife inaugura o Século 21 como a capital mais violenta do País. Nós que militávamos na cidadania empresarial, mais precisamente no Instituto Ação Empresarial pela Cidadania, resolvemos fundar, em 2008, o Observatório do Recife (ODR) cujo lema foi “cidadania com atitude”. O objetivo do ODR era pesquisar e organizar os principais indicadores da cidade para tentar entender o que estava acontecendo. Enquanto promovia diversas rodadas anuais de indicadores, o ODR resolveu criar também as caminhadas Olhe pelo Recife com o objetivo de ampliar o conhecimento in loco dos problemas da cidade. Depois de várias rodadas de indicadores e diversas caminhadas realizadas, com a participação de centenas de caminhantes, o Observatório, em parceria com a revista Algomais, resolveu lançar o projeto O Recife que Precisamos e eu fui convidado para ser o seu relator. Começamos ouvido diversos especialistas sobre a realidade do Recife e debatendo com eles. O resultado de cada uma dessas discussões foi reportado pela Algomais de modo a que, quando do início da campanha eleitoral, foi possível apresentar aos candidatos à prefeitura do Recife a síntese do projeto que focava cinco eixos propositivos, para além dos inevitáveis Saúde, Educação e Segurança: 1. O Futuro (restabelecimento do planejamento de longo prazo da cidade para além do período de mandato de uma gestão, tirando proveito do fato de o Recife ser a primeira capital brasileira a completar 500 anos em 2037 – descoberta feita durante a discussão do projeto). 2. A Cidade (retomada do controle e do ordenamento urbano da cidade com qualificação do espaço público como ambiente privilegiado para a vida ao ar livre e para o enfrentamento da desigualdade). 3. O Caminho (inversão da pirâmide tradicional da mobilidade urbana, abrindo caminhos para os outros modos de deslocamento – a pé, de bicicleta e por transporte público – além da melhoria da engenharia de trânsito para o transporte motorizado). 4. A História (retomada da atenção da administração municipal para o centro da cidade com o objetivo de reverter o longo processo de decadência e degradação por intermédio de uma gestão territorial eficaz e de um plano estratégico de longo prazo). 5. O Rio (retomada da relação histórica da cidade com o seu principal rio, transformando suas margens em parques que possam ser usufruídos pela população favorecendo a mobilidade ativa – a pé e de bicicleta). Após a apresentação aos principais candidatos à prefeitura do Recife, o projeto recolheu contribuições da população por meio de uma animada consulta pelas redes sociais. Assim que o prefeito eleito assumiu, as instituições que participaram das discussões, com o Observatório do Recife e a Algomais à frente, marcaram uma audiência e entregaram o projeto atualizado em reunião com o secretariado recém-empossado. Ao longo da gestão que então se iniciava e nas seguintes, já que o projeto foi atualizado e apresentado nas campanhas eleitorais posteriores, várias das sugestões detalhadas foram sendo implementadas e acompanhadas pela coordenação, a exemplo do Plano Recife 500 Anos, da melhoria das calçadas, da expressiva ampliação da rede cicloviária, da implantação das faixas azuis (exclusivas para o transporte público), do projeto Parque Capibaribe, da gestão territorial do Centro do Recife. Inclusive, o próprio projeto inicial, quando da versão 2020, incluiu mais um eixo temático (o Mundo), levando em consideração a “descoberta” de que o Recife é o segundo maior hub diplomático do Brasil (depois da cidade de São Paulo) com a presença na cidade de mais de 40 representações diplomáticas, o que se constitui numa grande oportunidade de intercâmbio. Hoje, 12 anos depois, é possível dizer que o projeto O Recife que Precisamos cumpriu e continua cumprindo o importante papel de funcionar como instância repositória de conteúdo relevante para o futuro da cidade, acompanhado por uma instância de fora da administração pública municipal, chamando sua atenção para o que não deve deixar de ser lembrado. Na atual versão, o projeto conta, além da contribuição original do Observatório do Recife e do apoio editorial da Algomais, do suporte da Rede Gestão e da da CDL Recife que acolhe o projeto, apresentando-o na sua versão 2025, para os principais candidatos na eleição 2024. E aqui, para finalizar, aproveito para um spoiler: na edição da próxima semana, a reportagem de capa da Algomais, trará uma abordagem enfocando os conteúdos da mais recente versão do projeto O Recife que Precisamos e de sua recente apresentação aos candidatos a prefeito na sede da CDL Recife. Até lá! *Por Francisco Cunha, consultor da TGI e sócio da Algomais

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Muito cuidado com o conselho de administração

Estou na atividade de consultoria empresarial há quase 40 anos e, neste período, uma parte significativa da clientela da TGI tem sido formada por empresas familiares. Isso por uma razão estatística: a grande maioria das empresas brasileiras é de origem familiar. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inclusive, chega a afirmar que 90% das empresas privadas têm perfil familiar no Brasil. E no mundo não é diferente. Por conta disso, não são poucas as empresas de consultoria que se dizem especialistas em empresas familiares, algumas até como franqueadas de consultorias de fora do País. E uma coisa que me tem chamado muito a atenção nesse ambiente é uma espécie de receita padrão para tratamento da governança dessas empresas, algo como um checklist retirado de algum livro texto ou de manuais de “boas práticas”, na qual a cereja do bolo é a criação de um "conselho de administração". E, o que é pior, com suporte jurídico para formalização em instrumentos legais. Na maioria dos casos, nada mais equivocado e inoportuno! Não que governança não seja necessária e, muito menos, conselhos de administração não sejam recomendáveis. Mas isso só deve acontecer, evidentemente, quando couber ou, melhor, quando for o tempo adequado e, sobretudo, quando for decorrente de uma customização muito cuidadosa para cada caso em especial. Ou seja, conselhos de administração são, de fato, um recurso muitíssimo potente mas como coroamento bem-sucedido de processos muito cuidadosos e não estandardizados, de desenvolvimento da governança e, nunca, como atividade de partida desses processos, geralmente propostos, como uma espécie de “bala de prata”, por quem não sabe direito o que está fazendo ou não se deu ao trabalho de estudar adequadamente a realidade local e/ou o caso específico, macaqueando o que alguém disse ou escreveu em outro lugar, geralmente proveniente de latitudes sulistas ou estrangeiras. A prática de consultoria ancorada na realidade local e no estudo cuidadoso de centenas de casos demonstra, de forma cabal, que a implantação da necessária governança nas empresas familiares deve iniciar com a montagem cuidadosa de uma prática de funcionamento colegiado que, na maioria das vezes, requer a instituição de um conselho consultivo de natureza familiar articulado com a obrigatória assembleia de sócios (instância decisória legal da propriedade do capital), junto com a colocação para funcionamento de uma outra instância que deve tomar a forma inicial de protótipo de um futuro conselho de administração, não o próprio ainda. E esse cuidado se mostra fundamental justamente para não queimar a largada com simulacros de conselhos de administração em empresas que, na grande maioria dos casos, não têm ainda balanços externamente auditados nem um sistema de prestação de contas absolutamente confiável (accountability como se diz na língua inglesa), além de instrumentos formais de regulação interna legitimados (acordos societários, regulamentos, códigos de ética e de conduta etc.). Esteios do empreendedorismo local, nacional e mundial, as empresas familiares têm uma dinâmica própria muito sensível, com peculiaridades particularíssimas, caso a caso, e não é justo que sejam objeto de experimentalismos generalistas ou de oportunidades para criação, antes do tempo, de vagas remuneradas para conselheiros externos. Em outras palavras, merecem mais respeito!

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Por que a reforma tributária já deu certo

*Por Francisco Cunha Comecei minha vida profissional como auditor do Tesouro Estadual e, para o concurso, tive que estudar direito tributário e a legislação relativa ao antigo ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias). O que me chamou a atenção, logo de partida, foi que a relação das isenções era mais volumosa do que a própria legislação. Aí, comecei a desconfiar de que havia alguma coisa errada com nosso sistema tributário. Quando, cinco anos depois do concurso, deixei o quadro da Secretaria da Fazenda Estadual para me dedicar à consultoria e, mais tarde, fundar com outros sócios a TGI, o fiz com a certeza de que a situação era bem pior do que minha impressão inicial. E, desde então, acompanhando a situação, agora pelo lado das empresas, só vi a coisa piorar mais ainda, inclusive pós-Constituição de 1988. Acompanhei também de longe várias tentativas de Reforma Tributária que deram com os burros n’água enquanto a situação só ia ficando mais emaranhada. Isso a ponto de se dizer, a meu ver com toda razão, que o País não tinha um sistema mas, sim, um “manicômio” tributário dada a bagunça que se criou com legislações federais, estaduais e municipais, conflitantes e superpostas. Além de uma carga tributária das mais elevadas do mundo para um país de renda média como o Brasil. Já tinha perdido a esperança de ver uma reforma digna deste nome quando um estudo feito pelo Centro de Cidadania Fiscal, uma think tank independente, dirigida por Bernard Appy, começou a ganhar corpo e a conquistar corações e mentes, por meio de um amplo debate nacional, até chegar ao Congresso na forma de dois Projetos de Lei, um na Câmara e outro no Senado. Com a ida de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda foi criada uma Secretaria Extraordinária para a Reforma Tributária, encabeçada pelo próprio Bernard Appy, e iniciado o trabalho de negociação que resultou na surpreendente aprovação de uma Reforma Tributária que simplifica enormemente o sistema com unificação de cinco tributos em um imposto de valor agregado (IVA) dual (estadual e municipal). Agora que a regulamentação da Reforma acaba de passar na Câmara dos Deputados (faltando ainda passar pelo Senado Federal) já é possível dizer que, mesmo sem entrar no mérito do que foi aprovado, a reforma já é um sucesso pelo que conseguiu em termos de emprestar racionalidade e simplificação ao sistema, acabando com uma infinidade de distorções adquiridas ao longo do tempo, praticamente desde 1965 quando o sistema ainda vigente foi implantado. Procurando entender o quê permitiu o desenvolvimento e a aprovação de um tema tão complexo, deduzi que foram seguidos os passos fundamentais: (1) formulação técnica bem feita (embasada num diagnóstico preciso da realidade); (2) envolvimento da sociedade civil organizada (com amplas e circunstanciadas discussões); (3) articulação competente com a imprensa e os meios de comunicação; (4) adequada inserção do Poder Executivo no processo (depois do tema ter sido amplamente discutido); (5) negociação republicana com o Poder Legislativo; (6) tempo de implantação alargado para permitir transição segura, testagem e ajustes. Praticamente um roteiro para realização de reformas necessárias e complexas num país que não é, como disse Tom Jobim, “para amadores”… Samuel Pessoa, economista e não propriamente um defensor do governo atual, chegou a dizer que a Reforma Tributária aprovada tem o potencial de vir a ser “o Plano Real do governo Lula” pelo que pode trazer, ao longo do tempo, em termos de competitividade para a economia. Tomara que esteja certo porque o Brasil, as empresas e os contribuintes mais do que merecemos um refresco para trabalhar e empreender sob o abrigo de um sistema racional, depois de tanto tempo mergulhados na mais ampla insanidade tributária.

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