“Brasil envelheceu antes de enriquecer e não dá conta do idoso”

Você já se preocupou sobre como será sua vida na terceira idade? Ou enfrenta dificuldade com os idosos da sua família que precisam de atenção especial que os filhos e netos não conseguem atender? Essas e outras questões complexas que envolvem o envelhecimento da população brasileira foram analisadas pela diretora médica do Geriatrie, Carla Núbia Borges. A professora da Unicap e membro da Câmara Técnica de Geriatria do Cremepe trata ainda, nesta entrevista concedida a Rafael Dantas, da sexualidade do idoso e da necessidade de políticas públicas voltadas para essa população.

Segundo Alexandre Kalache (ex-diretor do programa de envelhecimento saudável da Organização Mundial de Saúde), para se envelhecer bem é preciso acumular quatro capitais: a saúde, o conhecimento, os relacionamentos, o financeiro além do propósito. Você concorda?
Concordo totalmente. Isso mostra o quanto a saúde não é mais a ausência de doença, mas esse complexo entre a saúde social, mental e física. É importante se ter metas, propósitos e sonhos. Você precisa cuidar de tudo ao mesmo tempo. Não adianta estar com todos os exames em dia e não ter família, ser sozinho, ter pouca participação social. Ou o contrário, o idoso ser superssocial e participativo, mas não cuidar da saúde. É um contexto com vários pilares. Se um pilar desses cair, você tem adoecimento. É muito comum o idoso ter doenças, não é exceção, mas ele pode ter uma vida bastante funcional.

Quais os benefícios de cuidar da saúde social?
A saúde social é essa interação com a família e amigos que é muito importante. Ao cuidar da saúde social, o idoso se previne da depressão. As pessoas que têm participação social se cuidam mais e consequentemente têm outros ganhos, como ter propósitos e sonhos. Essa é uma fase de resgate. Não se pode mergulhar na velhice inativo e inútil. É preciso trabalhar bem a questão da vida após a aposentadoria. Afinal, o que você fará após se aposentar, depois que não tiver aquele grupo de amigos? Se você não fez seu capital financeiro, será prejudicado também na aposentadoria. Se não cuidou da saúde, vai entrar nessa fase da vida só gastando dinheiro com doença. São vários cuidados a serem tomados concomitantemente ao longo da vida, que precisam começar muito antes da velhice.

Em menos de 20 anos, o Brasil vai dobrar sua população idosa, algo que na França demorou 145 anos. Quais os desafios do País para atender às necessidades desse rápido aumento da longevidade no futuro, especialmente quando estamos numa recessão e continuamos sendo um país em desenvolvimento?
O Brasil deu uma guinada de uma longevidade de mais ou menos 45 anos nos anos 1950 para uma expectativa de vida de 75 ou 76 anos nos dias de hoje. E a população da quarta idade, acima dos 80 ou 85 anos, é a que mais cresce proporcionalmente. Isso porque, antigamente, tínhamos muitas doenças infectoparasitárias, pessoas morriam de malária, diarreia, tuberculose. Mas com a revolução industrial, vieram a penicilina, os antibióticos, o início do tratamento do câncer, o diagnóstico das doenças mais precoce, a vacinação, o anticoncepcional. As famílias que tinham 20 filhos começaram a ter menos, graças ao controle da natalidade. Então, menos crianças nascendo, mais vida longeva. O que acontece: nós envelhecemos antes de enriquecer, diferente dos países de primeiro mundo, que enriqueceram antes de envelhecer. Então, é preciso preparar a população. A pessoa quando envelhece no primeiro mundo, os filhos não ficam em casa, mas os idosos têm todo um acesso à saúde na residência, à acessibilidade, às políticas públicas engajadas para o idoso na cultura, no lazer, na saúde, no benefício. Eles têm mais suporte para o envelhecimento. Porém, a questão da intergeracionalidade é mais característica dos países subdesenvolvidos, mais latinos. Nosso idoso geralmente vai para a casa do filho ou o filho para a casa do idoso. Mas o Brasil envelheceu antes de enriquecer e o País não está dando conta de tantas pessoas envelhecidas. Na questão social não se dá valor aos idosos. Na questão de trabalho também, chegou aos 40 ou 50 anos é descartado. Então ninguém aproveita essa bagagem de experiência. Isso está começando a mudar. É preciso de mais programas culturais voltados ao idoso e não só ao jovem. Na questão de saúde, mais de 92% deles não têm planos de saúde. Onde estão? No SUS. Esse pessoal está na atenção básica e nos hospitais de média e alta complexidade, que não têm suporte para aguentar tanta demanda. Eles sofrem e morrem na fila de tanta espera.

Que tipo de política pública é necessária para que os idosos tenham qualidade de vida?
O idoso precisa se sentir respeitado. O respeito lhe gera muitos pontos positivos. Se chegar a um posto de saúde com respeito à sua idade, com atendimento prioritário, ele se sentirá mais feliz. Se as famílias trabalharem mais a humanidade, o amor, não abandonarem o idoso, ele vai se sentir mais feliz, comer melhor, dormir melhor. Vai ter mais participação social, indo aos grupos de idosos que estão fazendo uma festa ou uma palestra. Como uma política pública pode influenciar nisso? Levando informação para as escolas, os adolescentes e as famílias sobre o que é envelhecer e que precisamos ser respeitosos com os idosos. Devia-se oferecer turismo e cultura a essa população, mas o idoso está em casa isolado e oprimido. Qual é o estímulo que ele terá para sair de casa e participar das atividades sociais? Ele vai adoecer e se isolar. Talvez informar sobre o respeito e sobre o que é envelhecer seja a política de mais impacto. Ela cai como uma bomba e gera vários pontos positivos.

Que tipo de preconceito sofre o idoso?
Preconceito de que não pode dar opinião. Preconceito de que não pode mais fazer nada, de que ele é inútil. De que velhice é doença. De que todo esquecimento é tratado como demência. Preconceito de que ele quer tirar vantagem por ser velho, mas na verdade é um direito adquirido. Então, há o preconceito de que o idoso não possa se divertir, não possa viver a sua sexualidade. Não possa dançar, então geralmente eles ficam em grupos e clusters, ali guardadinhos. E não se mostram muito.

As mulheres sofrem mais?
Elas já vêm com uma carga de preconceito ao longo da vida. Quando a mulher idosa quer refazer a sua vida, ela realmente sofre preconceito. Se ela usa uma roupinha mais aberta, se gosta de dançar, de se maquiar, então, é uma doida, é uma amostrada.

Como o idoso e, em particular, a mulher vive a sexualidade?
A sexualidade do idoso ultrapassa o ato sexual, isso é muito importante. A sexualidade do idoso é o cheiro, é o estar junto, é o aconchego. Eles gostam muito de viver isso. O idoso cultua muito a sua sensualidade, até enquanto pode. Não se engane, muitos idosos têm uma sexualidade muito aguçada. As mulheres são muito mais reprimidas, porque as idosas de hoje vieram de uma época muito reprimida. Muitas foram prometidas entre pais ou trocadas. Elas me dizem: fui trocada por uma junta de bois, fui trocada por uma fazenda. Então, casaram com um homem sem nenhuma ligação emocional, por isso, muitas são resignadas. Mas isso vem mudando.

Qual o impacto do viagra?
O viagra trouxe muitos benefícios. Aumentou muito a disponibilidade sexual dos homens. Mas tem duas questões. Muitos deles se aproveitaram dessa situação e trocaram suas idosas por duas de 30 ou três de 20 anos. Isso causou novo sofrimento às mulheres, cheias de filhos, já idosas, sem conseguirem se refazer após serem deixadas. Outra coisa é o fato de não usarem camisinha e acabam levando doenças sexualmente transmissíveis para casa. Os níveis de HIV são crescentes na população idosa. Eles acham que camisinha é coisa de jovem.

Estima-se que o País não terá geriatras suficientes para atender os idosos. É preciso elevar o conhecimento dos demais médicos sobre essa população?
Isso é uma realidade há muito tempo. Todos os médicos estão atendendo o idoso, seja na atenção básica, média ou de alta complexidade, pública ou privada. O número de geriatras é muito pequeno diante do que se precisa. Estão aumentando o número de residências de geriatria, mas as vagas são poucas. E não temos concursos para geriatra no serviço público. Estão se formando, mas sem campo de trabalho, só em nível privado. Além disso, geriatras têm que ser vistos como especialistas que dão suporte aos médicos generalistas. Mas, nas faculdades já se começa a ter mais conteúdo sobre o que é o idoso e de como cuidar dele.

Hoje os familiares têm dificuldade de cuidar dos idosos em razão da correria da vida contemporânea. Qual seria solução?
As famílias estão cada vez menores. Com todo mundo trabalhando, não tem quem cuide desses idosos. Aí aumenta o campo de trabalho dos cuidadores. Há os cuidadores formais (que são os profissionais contratados) e os informais (filho, filha, marido, mulher, genro). Na prática, muitas famílias estão voltando para a casa dos pais para haver um revezamento das pessoas no cuidar. Se não há condições para isso, se contrata uma pessoa. Infelizmente estão aumentando também o número de ILPIs (Instituições de Longa Permanência para Idosos), que são casas geriátricas em que o idoso mora. Mas são condições nas quais as famílias não conseguem mais cuidar em casa. Isso não é uma decisão fácil. Uma outra coisa são os “centros dia”, espaços em que o idoso passa o dia e volta à noite para casa. Ele tem as refeições, pode dormir, tem atividade com terapeuta ocupacional, educador físico, assiste à missa, tem música e volta para casa. Isso precisa crescer. Não temos “centros dia” oferecidos pelo SUS, por exemplo. Isso, sim, seria uma política pública muito positiva para resgatar o idoso.

Como você vê a Reforma da Previdência?
Acho necessária, senão vamos sucumbir. Tem que tirar de quem ganha mais e redistribuir para quem ganha menos. Não tem que tirar direitos de quem trabalhou a vida inteira e está esperando por isso para viver. Mas as pessoas que ganham muito na vida ativa, porque trabalham muito e têm cargos de alta responsabilidade, precisam se cuidar, preparar seu capital financeiro porque não ficará recebendo o mesmo salário da Previdência Social pelo resto da vida.

Grande parte da população vai envelhecer nas cidades. Como torná-las mais amigas dos idosos?
Primeiramente, mais acessibilidade. Acho que ela é uma questão importantíssima. Mais políticas públicas de acesso a todos. Tanto cultural, como social, como de formação de grupos. As calçadas precisam ser melhores, existem rampas de acesso quase que retilíneas com o chão. O transporte urbano precisa facilitar o acesso, com estruturas para cadeirantes. Deve-se estimular atividades em praças que favoreçam também a presença dos idosos, com bancos, cadeiras e banheiros acessíveis, além de sombra para os idosos permanecerem. São várias estruturas, que nos parecem tão simples, e o ajudam os idosos a participarem mais da vida da cidade.

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