O Brasil ainda revela seus imaginários de um paraíso tropical, certamente em virtude das chamadas belezas naturais, reunindo diversos ecossistemas, incluindo-se amplo litoral, montanhas, florestas, vales, áreas alagadas como o pantanal, o cerrado, bacias hidrográficas magníficas como a da Amazônia, rios quase continentais como o São Francisco, enfim cenários privilegiados de flora, fauna e também de diferenciada ocupação humana, de cultura e de interpretações dessa diversidade que identifica e marca o país.
Entre os muitos símbolos desse Brasil tropical, de natureza variada e generosa estão as frutas. Frutas carnudas, coloridas, saborosas, de odores e de gostos especialíssimos. Muitas frutas chegaram pela mão do colono português, introduzindo a manga, a jaca, a fruta-pão, a banana, todas originárias do Oriente, contudo as frutas da terra, nativas são muitas e de ocorrência nacional e assim destaco o nosso tão conhecido e celebrado caju.
A exuberância e variedade de formas, de estéticas ecológicas, sempre marcam as nossas frutas, diga-se: frutas do mundo aqui nacionalizadas e tantas outras nativas, da terra, que juntas constituem esse rico acervo de cheiros e paladares que fizeram com que os viajantes, homens de arte e de ciência que vieram de diferentes partes da Europa para conhecer, documentar e revelar para o mundo essas terras tão exóticas, diferentes, de um Brasil tropical, pudessem exercer diferentes formas de documentação.
Entre tantos viajantes artistas destaco Albert Eckhout, pintor que chegou ao Brasil, Pernambuco, por convite de Mauricio de Nassau, 1637/1644.
Eckhout, nasceu em Groningen, Holanda, 1610 e integrou a corte de Mauricio de Nassau, convivendo com outro pintor Frans Janz Post.
O trabalho visual, pinturas, de Eckhout ganha excepcional valor documentalista, registrando pessoas, tipos de características étnicas bem definidas e principalmente elementos de uma natureza muito colorida, diferente, marcada por frutas, árvores, flores, animais e cenários de uma exuberante natureza. No caso destaco uma das pinturas mais conhecidas de Eckhout chamada Mameluca, onde vê-se exímio trabalho de desenho botânico de cajueiro e seus frutos.
A obra de Eckhout encontra-se no Museu de Copenhague, 1641, ofertada por Mauricio de Nassau ao rei da Dinamarca, Frederico III.
A pintura Mameluca, retrata um tipo étnico, mistura de elementos raciais entre o branco, no caso o português, e o ameríndio, o nativo do Brasil.
Em descrição detalhada da pintura de Eckhout, temos a seguinte análise: “(…) Ainda em plano próximo salienta-se uma árvore, um cajueiro (Anacardium Occidentale L.) abundantemente frutificado e com os cajus em diferentes estados de maturação (…).”1
O interesse em retratar o caju em um conjunto de onze telas, destaca a ocorrência e o significado da fruta para a região Nordeste, para ampla área da costa brasileira.
A fruta de muitos usos
O cajueiro é uma árvore celebrada e está no variado imaginário tradicional e popular brasileiro. Além do consumo da fruta in natura e muitos outros aproveitamentos da culinária enquanto doce, vinho, castanha assada que é muito apreciada e consumida como acompanhamento de bebidas ou na receita de bolos como o pé-de-moleque, um prato que integra a mesa festiva do ciclo junino é alimento diário de muitos brasileiros.
Além das formas doces: em calda, como passa destacando o açúcar da fruta, a tão celebrada passa de caju, um quase símbolo do Ceará está ainda em pratos salgados, destacando-se a famosa moqueca de maturi.
As bebidas feitas de caju também ampliam possibilidades gastronômicas e comerciais. Inicialmente a tão conhecida cajuada – suco de caju, excelente bebida refrescante e muito saudável. Ainda de maneira industrial a cajuína e o vinho de caju, além do licor e outras criações próprias da dinâmica inventiva das cozinhas
A estética do caju e do cajueiro.
A forte presença do caju no imaginário brasileiro ocorre em diferentes técnicas artesanais, retratando a fruta como tema principal ou compondo cenas regionais presentes no nosso artesanato/arte popular.
Na xilogravura, o caju é um componente que centraliza muitas obras, ocorrendo ainda de maneira alegórica. Há uma referência dominante sobre o caju enquanto símbolo do trópico, do sol, das cores fortes e quentes e assim é interpretado e incluído em vasta produção dos gravadores populares.
Entalhes de madeira, pinturas sobre tecido, bordados, pinturas em material cerâmico, sobre outras superfícies, pinturas sobre papel e tela entre muitas outras técnicas revelam a inventiva tradicional e contemporânea de mostrar o caju e sua trajetória, unindo o valor da fruta telúrica e demais temas que identificam a natureza brasileira, o cotidiano, a festa, o homem regional.
Também nas tradições orais, na literatura, nas cantigas o caju é um tema muito ocorrente, fazendo diferentes autores louvar e relacionar a fruta com estéticas que revelam o Nordeste interpretando o homem do litoral, o ciclo das
colheitas em um tempo em que os cajueiros chegam com suas flores bancas e dão frutas coloridas, exalando odores, anunciando sabores e preferências do brasileiro.
Como o coqueiro (cocos nucifera L.) para o Oriental, notadamente o indiano, o cajueiro seria o mesmo para o brasileiro, representando se houvesse uma árvore símbolo do paraíso em virtude das inúmeras possibilidades do seu aproveitamento para a vida do homem.
O cajueiro é uma árvore de múltiplos usos, sendo para o nativo, o da terra, uma espécie botânica que alimenta, que produz remédios, cuja madeira é empregada para a construção de embarcações, especialmente a jangada, além de representar no imaginário popular uma das plantas mais queridas do Nordeste.
Assim, estabelecem-se profundas relações entre o brasileiro e o cajueiro, tendo na fruta uma forte referência de cultura.
Pois o homem, esse eterno tradutor do meio ambiente, usa e dá significados aos inúmeros elementos da vida natural e assim vai representando os seus entornos e se representando, construindo identidades.