A produção de artesanato, inspirada na genialidade do Mestre Vitalino, ou a feira, eternizada nos versos de Luiz Gonzaga, seguem simbólicas e relevantes para Caruaru. No entanto, o perfil econômico da Capital do Forró se diversificou muito na última década. Impulsionado pelo forte empreendedorismo, pelo crescimento da renda da população no período anterior à crise e pela chegada das universidades, o município do Agreste se consolidou como polo de serviços da região. Ao mesmo tempo que se destaca em novas cadeias produtivas – como a da economia criativa e tecnológica, por meio de estruturas como o Armazém da Criatividade – a cidade passa por um período de sofisticação do relevante setor têxtil e de confecções.
Os números retratam bem o avanço da cidade nas duas últimas décadas. A população saltou de quase 100 mil pessoas entre o calculado pelo Censo de 2000 e as estimativas do IBGE em 2017, chegando hoje a 356 mil habitantes. O PIB de R$ 783,5 milhões, registrado no ano 2000, está bem distante dos R$ 6,1 bilhões do ano de 2015. A renda per capita cresceu também 33% por década no município, desde os anos 90.
O economista Pedro Neves destaca que a maior circulação de dinheiro na economia local promoveu há alguns anos um boom na construção civil, com grande geração de empregos. “Esse crescimento atraiu muitos imigrantes de estados e cidades vizinhas para Caruaru, o que demandou mais imóveis. Houve um incremento também do orçamento municipal, que passou a ampliar seus investimentos em infraestrutura. Mas o grande diferencial é o potencial empreendedor da população. Mesmo com a escassez de recursos naturais, a cidade alcançou um dinamismo econômico vertiginoso”, surpreende-se Neves.
A duplicação da BR-232 também teve seu papel. Segundo o economista, a rodovia fortaleceu a interligação entre Caruaru e o Recife, reduzindo custos de transportes e transações entre esses polos. O novo papel que a cidade passou a atuar consolidou sua posição de protagonismo regional. Mas esse novo dinamismo trouxe também o aumento do número de veículos, que travou a mobilidade de Caruaru, e um crescimento dos indicadores de violência, em especial após o agravamento da crise econômica. São desafios enfrentados por boa parte dos grandes centros urbanos do País.
Porém, boas perspectivas são esperadas com a chegada das universidades públicas e a ampliação das faculdades privadas. De acordo com números da Condepe/Fidem, em 2016, a educação superior ultrapassou a marca de 27 mil matrículas efetuadas. “A vinda do campus da UFPE, há 11 anos, e o crescimento das instituições locais atraíram pessoas em busca de formação de excelência para Caruaru. Isso significa mais gente qualificada, o que contribui para atração de novos investimentos para a cidade”, avalia o secretário da fazenda do município Diogo Bezerra.
Diretor do Campus Caruaru da UFPE, Manoel Guedes, afirma que entre os cinco mil alunos da universidade, há pessoas vindas de 164 municípios. A instituição atende a demanda não só da região agrestina, mas também de estudantes provenientes do Sertão, Zona da Mata, RMR e até de outros estados. “A atuação da universidade no Agreste promove um impacto em vários caminhos. A qualificação da mão de obra traz melhorias no desenvolvimento das empresas e até mesmo na gestão dos municípios”, analisa.
Guedes afirma que há vários ex-alunos atuando nas equipes de gestão das prefeituras da região, inclusive como secretários municipais. Uma das inovações da UFPE no Agreste foi a parceria realizada inicialmente com as gestões municipais de Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe com vistas a focar seus projetos de ensino, pesquisa e extensão em áreas estratégicas para o desenvolvimento dessas localidades. “Com esses convênios, pretendemos contribuir de forma acelerada para o desenvolvimento desses municípios, conectando suas necessidades com o conhecimento produzido pela universidade”. A UFPE já pleiteia ampliação e abertura de novos cursos. Estão na mira da instituição a instalação de graduações em engenharia de software e gestão de políticas públicas.
O avanço do ensino superior contrasta com o déficit de qualidade no ensino básico. Sem alcançar as metas do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a prefeitura está promovendo uma mobilização pela qualificação do setor, que inclui a destinação de uma parcela significativa dos seus investimentos (cerca de 40%) para as escolas.
Uma estrutura de apoio aos universitários e novas empresas em nascimento é o Armazém da Criatividade, fundado há dois anos e meio. Impulsionado pela chegada das universidades, esse espaço é um investimento do Porto Digital na cidade voltado para dar suporte à inovação e ao empreendedorismo. “O foco do Armazém é interiorizar os resultados alcançados no parque tecnológico do Recife. Ser um espaço para experimentação, formação, fomento à economia criativa e as tecnologias da informação e comunicação”, destaca Perseu Bastos, coordenador do Núcleo de Empreendedorismo.
No local funciona uma incubadora, com atualmente seis empresas em desenvolvimento. O Armazém abriga ainda salas de treinamento, coworking, além de laboratórios de experimentação e prototipação de projetos e produtos inovadores. “Estão incubadas empresas com novos modelos de negócios que possam desenvolver os setores produtivos da nossa região”, informa Perseu.
Uma das empresas incubadas é a Line Ateliê Criativo. As fundadoras são formadas pelo curso de design da UFPE-Caruaru, Aurijanne Arruda e Jessica Souza. “Nossa ideia de negócios é ser uma prestadora de serviços de design de moda para as indústrias do ramo de confecção. Atuamos no desenvolvimento de coleções, modelagens de roupas, produção de moda em geral, desfiles ou merchandising e na produção de editoriais de moda”, conta Aurijanne.
O Festival de Jeans de Toritama é um dos clientes da Line Ateliê Criativo. A equipe de seis profissionais que trabalham na empresa foi responsável pela produção dos looks da campanha publicitária do evento. “Já trabalhamos também para várias marcas dos segmento infantil e jeans. Pretendemos ainda lançar uma linha de coleções exclusivas próprias, visando lojas multimarcas e boutiques. Também estão nas nossas metas oferecer um curso voltado para design e modelagem digital”, projeta Aurijanne.
Para estimular o setor de tecnologia na região, há um movimento empresarial em Caruaru chamado Tapioca Valley. O nome é inspirado no Vale do Silício, dos Estados Unidos. De acordo com Rafael Soares, integrante desse movimento, a cidade possui atualmente sete cursos na área, tendo formado já 1,4 mil profissionais desde 2006.
Apesar desse capital humano qualificado, um levantamento feito pelo movimento identificou que 65,8% desses profissionais deixavam a região ou saíam da área por falta de oportunidades. “É preocupante detectarmos essa evasão de profissionais no setor que é classificado como a economia do futuro. Por isso, o primeiro passo do Tapioca Valley é estimular o mercado local para promover a retenção desses profissionais e atrair compradores para os produtos desenvolvidos no nosso polo”, explica.
Formado em ciências da computação, com mestrado em engenharia da computação, Rafael é sócio da Comeia, uma das empresas que desenvolve soluções de tecnologia em Caruaru. Com 11 profissionais trabalhando e 26 clientes, entre eles a Fedex, ela desenvolve aplicativos e sistemas customizados (fabricação de software), além de prestar serviços de service desk e help desk. Embora o Tapioca Valley não tenha uma pesquisa ainda sobre a quantidade de empreendimentos da tecnologia da informação em atividade no município, Rafael afirma que um levantamento de startups apontou a presença de 38 empresas de pequeno e médio porte no setor.
A facilidade de logística para chegar à cidade, a oferta de educação superior mais qualificada e de oportunidades impulsionadas pelo comércio e demais atividades econômicas consolidou Caruaru como polo de serviços. A chegada e ampliação dos shoppings centers é um dos sinais da sofisticação do comércio da cidade, na avaliação do presidente da Acic (Associação Comercial e Empresarial de Caruaru) Pedro Miranda.
Esse movimento impulsionou muito também a oferta de serviços médico-hospitalares na cidade. “Hoje somos atendidos por diversas especialidades, o que configura Caruaru como um grande polo médico no interior”, afirma Miranda. Além da estrutura pública, que tem como destaque o Hospital Mestre Vitalino, inaugurado em 2014, ele ressaltou o atendimento de alta complexidade também nos hospitais privados Santa Efigênia e Unimed. “Há diversos equipamentos e clínicas de várias especialidades se instalando e crescendo. Uma realidade muito diferente do que tínhamos há uma década”, diz Miranda.
Prova disso é a Unimagem. Com 20 anos de atividades, a clínica de diagnóstico passou por um crescimento acelerado nos últimos anos, quando agregou a seus serviços alguns procedimentos de alta complexidade, como tomografia computadorizada e ressonância magnética. “A empresa ampliou muito a sua capacidade de atendimento em termos de volume e qualidade”, explica Antônio Carvalho, que é diretor médico da clínica ao lado de Paulo Sales e Carmem Valadares.
Para atender a demanda da região, há aproximadamente quatro anos foram investidos cerca de R$ 15 milhões na unidade, que hoje atende em média 3,5 mil pacientes por mês. Parte desse investimento foi empregado na aquisição de equipamentos com tecnologia de ponta. Um esforço justificado pelo crescente número de atendimentos na cidade. “O polo médico local alcançou nos últimos anos uma autonomia grande com a ampliação da resolutividade de algumas doenças. Antes precisava-se remover o paciente para centros maiores. Na medicina ter no mesmo lugar a assistência, diagnóstico e tratamento é muito importante”, explica Antônio Carvalho.
Nos últimos três anos, mesmo com a crise econômica, a Unimagem cresceu 180% em faturamento. Nos planos da clínica estão o investimento de mais R$ 3,4 milhões para ampliar a capacidade de atendimento para 5 mil pessoas por mês.
DESAFIOS
Apesar de todo esse vigor econômico, a crise também afetou Caruaru. Mas, na análise do economista Pedro Neves, o impacto foi numa proporção menor do que no restante do Estado. O percentual de fechamento de postos de trabalho não é baixo, puxado principalmente pelo setor de construção. Mas o especialista também considera que a eliminação dos empregos na capital do Agreste é menor que nas médias das cidades do Nordeste de porte semelhante a Caruaru.
Os sinais da retomada são tímidos, mas estão acontecendo. Essa é a avaliação tanto do economista, como do presidente da Acic e do secretário da Fazenda municipal. A arrecadação municipal com o Imposto sobre Serviços (ISS), um dos termômetros da economia local muito ancorada no terceiro setor que detém 85,4% da composição do PIB, cresceu 30% no primeiro trimestre de 2018.
O esforço em busca de destravar investimentos em Caruaru pode ser um dos fatores que fizeram a cidade ser mais resistente diante do arrefecimento econômico nacional. “Mesmo com as dificuldades de arrecadação nos últimos anos, o município aumentou a capacidade de investimentos em 2017 para R$ 40 milhões, frente aos R$ 25 milhões em 2016”, compara o secretário.
GESTÃO E DESIGN INOVAM NA CONFECÇÃO
Os desafios para o setor têxtil e de confecções de Caruaru foram acentuados nos últimos anos. A crise econômica somou-se à chegada de produtos chineses na região, que passaram a ser fortes concorrentes. Um cenário turbulento que vem sendo enfrentado pelos players caruaruenses com profissionalismo, na análise dos especialistas.
De acordo com a sócia-diretora da ERG Consultoria, Vanderli Paes, as empresas da cidade, de forma geral, qualificaram significativamente sua capacidade de gestão e, especialmente no setor têxtil e de confecções, investiram muito na qualidade dos seus produtos. "A origem de muitos empresários da cidade é da feira, com uma cultura de muito improviso. Mas notamos que na segunda geração há um esforço maior pela modernização da gestão. Está acontecendo um amadurecimento grande do tecido empresarial da cidade. No setor têxtil há também uma maior qualificação dos profissionais dessa área, que estão apostando muito em criatividade, para atender um público cada vez mais exigente". Ela lembra que a chegada dos chineses na região promoveu um forte impacto no polo, mas afirma que há uma mobilização do empresariado para enfrentar a situação de desvantagem frente aos preços asiáticos.
Para o economista Pedro Neves, além da chegada dos chineses, o crescimento do e-commerce é outro concorrente dos produtos locais. No entanto, ele avalia que esses fatores têm levado o polo a buscar maior competitividade. "Nesse processo de mudança alguns podem sofrer ou sair do mercado. Mas os representantes do setor estão buscando mais eficiência. Já percebemos a contribuição da entrada dos recém-formados nos cursos de design e moda. Há uma melhora nos produtos, posicionamento e na identidade das marcas", afirma.
Os desfiles e eventos para promover a produção das empresas locais são alguns dos caminhos para ampliar a visibilidade do polo. Empresário do ramo, o presidente da Acic, Pedro Miranda, afirma que o arranjo produtivo local está em franco desenvolvimento. Ele destaca que a Rodada de Negócios, promovida duas vezes por ano pela associação em parceria com o Sebrae, promoveu uma transformação do segmento. "A rodada criou um novo ambiente de comercialização, mais estruturado, trazendo compradores de todo o Brasil para adquirir a moda caruaruense aqui no polo de confecção".
Seguindo por um caminho bem estratégico, a empresa familiar, detentora das marcas Scaven e Saka Praia, está há 18 anos no mercado. O diretor Pedro Cavalcante afirma que o grupo começou trabalhando com o nome Saka Praia, atendendo um perfil de público mais popular. "Com o tempo, elevamos o conceito e o desenvolvimento de produtos da marca, atingindo um novo posicionamento para um nicho de mercado mais sofisticado".
Para não perder o público de massa atendido inicialmente, a empresa criou a Scaven, que durante seus primeiros anos atuou dentro do segmento de surf wear, em alta na época. Com o aumento da concorrência recente, devido ao número de players atendendo o mesmo público, em 2015 a empresa faz um caminho semelhante da sua primeira marca. "Mesmo no período de crise, percebemos que o público queria produtos com maior valor agregado. E naquele momento nos preocupamos muito mais com a satisfação do consumidor do que com o preço do produto, que passou a ter uma pegada mais casual", narra o diretor.
A logomarca foi recriada e houve investimento também na melhoria de produtos, inclusive com o lançamento de várias novas linhas que chegaram às lojas, como bermudas passeio, camisas de botão, camisetas com malhas de maior valor e conforto. Com nova modelagem de produtos e lojas reformadas, a empresa possui hoje capacidade de produção de 70 a 80 mil peças por mês, empregando em torno de 300 funcionários. A coleção das duas marcas é bem vasta, entre 400 e 500 produtos lançados a cada semestre. "Toda nossa comunicação passou a ter uma conotação mais voltada para artigos de conceito moda. Temos focado no bem-estar do consumidor. O nosso posicionamento hoje é este", define Cavalcante.
Com as mudanças, o diretor afirma que a empresa sofreu menos com o recente período de crise econômica, que afetou todo o polo. Além disso, a nova estratégia afasta a marca da concorrência com os produtos chineses, que tem como principal argumento de venda o preço e não a qualidade.