Na sua obra, Gilberto Freyre olha a comida enquanto um método de interpretação da cultura, e da sociedade nos cenários do Nordeste e do Brasil. Gilberto entende a comida como uma maneira expressiva de comunicação e sabedoria tradicional. Assim, ele mostra na sua obra as matrizes africanas como tema recorrente para um vasto patrimônio cultural do brasileiro.
A Bahia, em Gilberto Freyre, é sempre um encontro com o continente africano, que é admirado e revelado com destaque, e emoção, nas usas pesquisas, o que mostra um valor por ele cultivado, e que está permanentemente presente nas suas leituras sobre o brasileiro.
“Vários são os alimentos predominantemente africanos em usos no Brasil. No Norte especialmente na Bahia, em Pernambuco, no Maranhão, Manuel Querino anotou os da Bahia, Nina Rodrigues os do Maranhão, o mesmo com Pernambuco. Desses três centros de alimentação afro-brasileira é a Bahia o mais importante. A doçaria de rua aí desenvolveu-se como em nenhuma cidade brasileira, estabelecendo-se verdadeira guerra-civil entre o bolo de tabuleiro e do doce feito em casa (...). (...) quitutes feitos em casa e vendidos na rua em cabeça de negras mas no proveito da senhoras: mocotós, vatapás, mingaus, pamonhas, canjicas, acaçás, arroz-doce, feijão-de coco, angus, pão-de-ló de arroz, pão-de-ló-de-milho, rolete de cana, rebuçados.(...).” (Gilberto Freyre. Casa-Grande & Senzala. Editora Global: São Paulo, 2004)
Este comércio intenso nas ruas, com as chamadas “vendas”, marcou o consumo e a diversidade de comidas possíveis de serem adquiridas nas ruas da cidade do São Salvador. Também, as leituras sobre o dendê, sem dúvida, marcam um estilo de entender a Bahia pela boca, numa verdadeira civilização, a civilização do dendê.
“(...) o caruru e o vatapá feitos com íntima e especial perícia na Bahia. Prepara-se o caruru com quiabo ou folha de capeba, taioba, oió, que se deita ao fogo com água. Escoa-se depois a água, espreme-se a massa que novamente se deita na vasilha com cebola, sal, e camarão, pimenta-malagueta seca, tudo ralado na pedra-de-ralar e lambuzado de azeite-de-cheiro. Junta-se a isto a garoupa ou outro peixe assado. O mesmo processo do efó”. (Gilberto Freyre. Casa-Grande & Senzala. Editora Global: São Paulo, 2004)
Ainda, os temas afro-muçulmanos são presentes e marcantes na obra de Gilberto Freyre. Há uma valorização do euro-africano, que são os ibéricos encharcados da civilização Magrebe.
“O arroz de hauçá é outro quitute afro-baiano que se prepara mexendo com colher de pau o arroz cozido na água e sal. Mistura-se depois com o molho em que entram pimenta-malagueta, cebola e camarão tudo ralado na pedra. O molho vai ao fogo com azeite-de-cheiro e água.” (Gilberto Freyre. Casa-Grande & Senzala. Editora Global: São Paulo, 2004)
Todos esses são exemplos de acervos gastronômicos que são reveladores das maneiras como Gilberto busca trazer o Nordeste, as suas bases multiculturais, e as suas relações com o continente africano, tanto pelo Oceano Atlântico quanto pelo Pacífico. E assim, pela comida, Gilberto vê a Bahia e come a Bahia.