Um laboratório de observação das desigualdades sociais, o qual daria origem, anos mais tarde, a um método de ensino assumidamente político. Talvez possa ser definida assim a modesta casa onde Paulo Freire morou durante parte da sua infância e juventude em Jaboatão dos Guararapes e que deve se transformar em um memorial da vida e obra do educador brasileiro. “Jaboatão era um lugar muito especial para Paulo, porque foi lá que ele começou a pensar nas diferenças das classes sociais no Brasil e foi nessa casa onde ele começou a entender a dinâmica da sociedade, a ambição dos poderosos e o maltrato dos oprimidos”, conta a viúva do pernambucano, Ana Maria Araújo Freire. O relato da esposa de Freire, conhecida comoNitaFreire, revela a influência daquele espaço na formação do patrono da educação brasileira. Foi justamente no sobe e desce de ladeiras no Morro da Saúde (onde o imóvel fica localizado) que ele teve o contado com as camadas mais pobres. Menino de classe média, nascido no Recife, ele vai morar nomunicípio vizinho em 1931, quando tinha 10 anos, e por lá permanece por mais 10. “Quando a família de Paulo perdeu tudo, eles decidiram ir para uma cidade mais pobre, em busca de uma vida melhor”, conta Nita. Mas não foi bem isso que aconteceu. Aos 13 anos, ele perdeu o pai e coube a sua mãe a responsabilidade de sustentar todos os 4 filhos. Passagem relevante da trajetória do filósofo e que foi retrata em seu livro Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. Outros momentos de seu percurso em Jaboatão também aparecem na obra Pedagogia da Esperança. Por anos esquecida pelo poder público, a propriedade, enfim, deve começar a ser restaurada no início do próximo ano e deve ter as portas abertas à população em meados de 2016. Um passo que representa não apenas a preservação da memória de um dos principais pensadores da pedagogia, mas também da história da própria educação e do País. Afinal, além de ter revolucionado com seu método de alfabetização e ensino, Freire é o brasileiro com mais títulos de doutor honoris causa. São 41, ao todo Apesar de ser um ícone mundial, Nita acredita que a importância de Paulo Freire ainda é pouco reconhecida em seu Estado de origem. A perspectiva da construção do memorial chega, então, como uma boa notícia. “É uma oportunidade para que as pessoas que admiram Paulo possam ter acesso à obra dele”, afirma Nita. Atualmente a edificação está ocupada, mas a Prefeitura de Jaboatão negocia a aquisição do espaço. “Iniciamos o processo de tombamento municipal da casa e, até que ele seja concluído, ela não pode ser alterada”, afirma o secretário executivo de Cultura domunicípio, Isaac Luna. Um pedido para o tombamento estadual da edificação também foi protocolada na Fundação de Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). O projeto de recuperação do imóvel foi elaborado por professores e alunos do curso de arquitetura da Faculdade Guararapes (FG). “Eles vão ter o cuidado de preservar os elementos da época, trazer os aspectos históricos e acompanhar a execução dos trabalhos de restauro”, explica a diretora acadêmica da instituição, Vanessa Piasson. Em maio, a FG assinou um termo de cooperação com a gestão municipal para desenvolver as coordenadas do memorial. A parceria, no entanto, não se restringe às intervenções arquitetônicas na casa, mas também inclui a transformação do espaço em um lugar de pesquisa e produção de conhecimento. Assim, o imóvel deve abrigar um ambiente memorial (com os objetos de Paulo Freire), uma biblioteca, cursos de formação, além de ter a colaboração de mediadores para contar a história do educador. A ideia é, então, que os estudantes da faculdade colaborem no desenvolvimento das atividades do museu. Assim, as graduações como a de pedagogia, turismo, gestão ambiental estarão envolvidas. Ainda está prevista a participação dos alunos da área de tecnologia, através da elaboração de aplicativos que auxiliem os visitantes. “Nós esperamos que esse seja um espaço de aprendizado para os nossos estudantes e um local de cidadania, onde eles possam ter uma atuação profissional que realmente contribua para o município”, coloca Piasson. Ainda segundo ela, a ideia é que no futuro as tarefas ultrapassem os muros da antiga casa de Paulo Freire, promovendo a interação com a comunidade local. “Pensamos em projetos interdisciplinares em parceria com escolas do entorno.” A proposta da prefeitura é que população tenha acesso a essas atividades gratuitamente. Planos que seguem os ideais de Freire, um pedagogo que propagou uma metodologia de ensino voltada aos mais pobres. Obras e partes do acervo também devem estar disponíveis à população. Para tanto, eles devem contar com a colaboração de Nita. É necessário, no entanto, que a prefeitura garanta a preservação e uso educativo das peças. “A casa deve funcionar como um museu moderno e esses objetos não devem servir apenas de enfeite, mas devem ser debatidos”, espera Nita. A prefeitura ainda pretende buscar outras parcerias para manutenção do espaço. A Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) é uma delas. De acordo com Isaac Luna, representantes da instituição já demonstraram interesse pelo projeto e aguardam o início do funcionamento do memorial para se posicionarem.
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