Casa-Grande & Senzala: “Vai ser sempre um livro bastante quente no sentido do debate”

*Por Rafael Dantas

O sociólogo, que dá nome ao Aeroporto Internacional do Recife e recebeu condecorações em várias partes do mundo, era um avô amoroso e que gostava de passear com os netos no jardim ao redor de sua casa. Gilberto Freyre Neto, o filho mais velho de Fernando Freyre (segundo filho do escritor), só veio a perceber todo o mito em torno das obras do avô anos depois de sua partida. “Quando Gilberto faleceu, eu iria completar 14 anos de idade, então, era muito jovem. Eu nunca conheci o escritor Gilberto Freyre em vida, a minha relação era a de avô e neto. Conheci bastante o avô Gilberto Freyre, muito carinhoso, atencioso, muito divertido, sempre tinha tempo para a gente, apesar de estar sempre escrevendo, sempre produzindo, sempre trabalhando, mas quando os netos chegavam na casa grande, isso se transformava num ambiente recreativo para ele e pra gente”, conta Gilberto Freyre Neto.

O convívio mais próximo, das memórias dos passeios pelo sítio onde está a Casa-Museu foi até aproximadamente aos 12 anos. Depois, a saúde do sociólogo, já coms 85 anos, não permitia tantos momentos juntos. Gilberto Freyre Neto conta que o avô pintava com as gerações mais jovens da família. De forma lúdica, aqueles desenhos refletiam trechos marcantes da sua obra. “Imagine que pintar com o neto era uma grande aventura. Ele ia explicando, isso não era apenas um ato isolado.

Quando o Gilberto ia pintar alguma coisa, brincava, dizia antes o que ia pintar. A gente rabiscava até ficar do jeito que ele gostava. Ele contava histórias, fazia pintura e passeava com a gente no sítio, que tem uma mata verde que protege aquela casa grande”. Toda a vegetação no entorno da casa é ao mesmo tempo uma proteção e um grande laboratório de Gilberto sobre a miscigenação no campo cultural. Ele monta aquele jardim com árvores que vêm de mudas de diferentes partes do mundo.

O conhecimento do legado deixado pelo avô ao pensamento sociológico brasileiro veio anos depois. “Eu só vou descobrir Gilberto Freyre escritor um pouco mais velho. Eu já tinha acesso à Casa-Grande & Senzala em Quadrinhos. Mas era uma leitura gratificante e divertida como era a Turma da Mônica ou Mickey Mouse para uma criança de 8, 10 anos. Mas com o passar do tempo, obviamente, pela convivência com meu pai e com a já existência da Fundação Gilberto Freyre, com a universidade abrindo os horizontes para o novo aluno, a gente vai ter acesso a uma quantidade enorme de informações, de pesquisas e vai mergulhando nos temas e vai visualizando Casa-Grande & Senzala e tantos outros livros.”

Além do clássico mais conhecido, estão na lista dos prediletos de Gilberto Freyre Neto as obras Assombrações do Recife Velho, Açúcar, os Guias Prático, Histórico e Sentimental da Cidade do Recife e da cidade de Olinda, além do seu favorito Sobrados e Mucambos. “Foi em cima da obra de Gilberto que eu naveguei pelo acesso e até pela responsabilidade que tive quando me tornei superintendente-geral da Fundação Gilberto Freyre durante muito tempo. Fazia parte do desafio conhecer mais a obra, até para apoiar a sua preservação. Sem dúvida, um dos maiores legados que o brasileiro pode deixar ao seu País, é uma análise, uma referência para as próximas gerações. O olhar de Gilberto sobre o Brasil sempre foi muito positivo e agora a gente precisa pagar o preço dessa análise e transformar no futuro aquilo que Gilberto pensou no passado”.

Sobre Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre Neto considera ser uma obra que não foi construída dentro de uma biblioteca, mas de todas as lições e fontes que o escritor bebeu em suas andanças pelo mundo. Apesar de ter escrito o livro aos 33 anos, o neto lembra que o avô já era um autor com vasta experiência pelos artigos que escrevia para o Diario de Pernambuco desde os 15 anos de idade. É dessa habilidade e do olhar apurado que ele construiu a obra que provoca debates 90 anos depois.

“Vai ser sempre um livro bastante quente no sentido do debate, porque ele tem esses componentes de trazer a riqueza que é a sociedade brasileira, que começa dentro dessa tríade do branco, do preto, do índio — ou do europeu ibérico, do africano da Costa Ocidental Subsaariana e do ameríndio brasileiro. Um mix que justifica uma série de comportamentos dessa sociedade que temos hoje. Eu acho que esse é o desafio de Casa-Grande & Senzala: fazer com que as pessoas reflitam sobre o que elas são hoje a partir de um olhar que foi congelado no tempo há 90 anos. As críticas evoluíram e evoluem cotidianamente e são hoje críticas novas, na sua maioria que explicam, que justificam e que demonstram que a obra não é um livro importante apenas para o Brasil, mas justifica o comportamento do homem em muitas partes do mundo”, avalia Gilberto Freyre Neto.

*Rafael Dantas é jornalista e repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)


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