Por Sidnei Aranha* e José Bertotti** Ainda que a questão ambiental seja importante e transversal como política pública no planejamento das cidades, precisamos entender que a participação dos municípios é compartilhada com os Estados e a União nos processos de licenciamento, proteção e fiscalização ambiental. No entanto, o fato de o município ser o último Poder consultado em relação às alterações na legislação ambiental gera um paradoxo extremamente desfavorável às cidades, já que a materialização do dano ambiental ocorre no espaço territorial do município. Embora a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída em 1981 e confirmada na Constituição de 1988, seja um forte conjunto de metas e mecanismos que visam reduzir os impactos negativos da ação antrópica, aqueles resultantes da ação humana sobre o meio ambiente, ela carece de atualização no sentido de propiciar voz mais ativa aos municípios, principalmente no que se refere à sua capacidade de promover uma reforma urbana. Afinal, na perspectiva do desenvolvimento sustentável, no qual o tripé econômico, social e ambiental é diametralmente oposto ao consumismo tóxico naturalizado pela sociedade capitalista, as cidades devem ser protagonistas na resistência ao forte apelo do mercado e do sistema financeiro de maneira a assegurar um ordenamento urbano que indique o rumo de um novo modelo de desenvolvimento, ambientalmente sustentável, economicamente solidário e socialmente inclusivo. Mundialmente, organismos multilaterais capitaneados pela ONU têm envidado esforços para apresentar caminhos que ajudem a resolver essa equação da nova agenda urbana ou, ao menos, mitigar os impactos de um crescimento desordenado. É verdade que todo país sofre enormes dificuldades para construir o seu modelo de desenvolvimento e precisa enfrentar essa realidade. Mas o desenvolvimento desigual proporcionado por séculos de aplicação de um regime capitalista excludente, que permitiu a exploração desenfreada da natureza, criou diferenças abissais entre os países. Enquanto em países europeus há iniciativas como o Selo Verde, que visa destacar atividades econômicas ambientalmente sustentáveis, aqui no Brasil não há sequer fiscalização efetiva em relação às empresas para que se cumpram as leis já existentes do setor. Na contramão da História, no Brasil é o próprio Presidente da República, secundado pelo Ministro do Meio Ambiente, quem legitima o discurso predatório do livre mercado e desobriga empresários, grandes industriais e latifundiários da responsabilidade pelo desenvolvimento sustentável. Essa postura já causa danos econômicos à nossa pauta de exportações e fissuras nas principais associações empresariais do Brasil, que começam a criticar essa política. Existem, inclusive, manifestações recentes de grandes empresários brasileiros sobre possíveis perdas financeiras devido à política ambiental atualmente praticada pelo governo federal. Vejamos o setor de saneamento básico. Os municípios correm o risco de um grande retrocesso com a aprovação no Congresso Nacional do PL 4.162 de 2019, de autoria do Poder Executivo, que avança rumo ao processo de privatização. Esse PL causará grande desestruturação ao ameaçar o subsídio cruzado, no qual os municípios com maior arrecadação contribuem com ações de saneamento básico em municípios mais pobres. Sem essa compensação, os municípios que não geram lucro serão preteridos pelas empresas prestadoras do serviço, caminhando na contramão da universalização ao seu acesso. Basta lembrar que dos 5.570 municípios brasileiros, 79,1% são menores do que 30 mil habitantes. As companhias estaduais também correm risco de desmonte, uma vez que o projeto aprovado privilegia recursos federais para os municípios que entregarem a gestão à iniciativa privada. Os empresários podem se tornar, assim, proprietários de um dos nossos mais valiosos recursos naturais, a água, retirando, infelizmente, o seu princípio de universalidade e fazendo com que o acesso à água e ao esgotamento sanitário deixe de ser visto como um direito humano fundamental. Nesta quadra, torna-se ainda mais importante a conscientização dos prefeitos em relação à existência do controle social. A maioria das cidades começa a criar os Conselhos Municipais de Saneamento Básico, com o objetivo de formular, avaliar e revisar políticas públicas para o setor. Outra ferramenta de gestão ambiental que nos possibilita maior conhecimento e controle hídrico regional é o Plano Municipal de Recursos Hídricos. Na impossibilidade de barrar agora mais uma desastrosa medida do governo Bolsonaro, a partir dessas iniciativas nos fortaleceremos para que, no futuro, exista a possibilidade de um sistema alternativo, no qual a garantia de água para toda a população, principalmente a mais vulnerável, esteja assegurada da sanha privatista. Os resíduos sólidos são mais um desafio para os gestores ambientais nos municípios. Apesar do governo federal ter abandonado a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), de promessas de verbas estratosféricas que até agora não se efetivaram e do desconhecimento notório do atual Ministro Ricardo Salles, que nega avanços na área, o estudo “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil” mostra um aumento de 32% na coleta, na última década e, atualmente, 92% dos resíduos sólidos gerados nos municípios são coletados. Mas, a gestão adequada custa caro. Depois da educação e saúde, o contrato de coleta e destinação final de resíduos sólidos representa o maior dispêndio de custeio aos cofres públicos das pequenas e médias cidades. A hierarquização legal da gestão dos resíduos sólidos, prevista no PNRS, estabelece a não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento e disposição final dos resíduos, com responsabilidades compartilhadas entre todos os entes sociais. As empresas (comerciantes, distribuidores, fabricantes e importadores) são responsáveis pela coleta e pelo destino final dos resíduos pós-consumo, perigosos, de construção civil, de serviços de saúde e principalmente das embalagens, que respondem por 40% de todo resíduo sólido produzido no país. Além disso, a legislação vigente permite a cobrança de taxas e tarifas à população no intuito de garantir a melhoria e a sustentabilidade do serviço. Mas, como nem sempre a responsabilidade privada é efetivamente assumida, a Prefeitura arca com mais essa despesa sobrecarregando o orçamento que deveria ser destinado a investimentos em tantas outras necessidades. Hoje, através do Fórum de Gestores de Resíduos Sólidos do Brasil e da Frente Nacional dos Prefeitos, a Logística Reversa começa a ser discutida para que finalmente todos, Prefeitura, Estado, União, sociedade e empresas, assumam cada um a responsabilidade devida, e para que o município, mais uma vez, não