Francisco Cunha – Página: 5 – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Francisco Cunha

A cidade tropical dos 5 km por hora (por Francisco Cunha)

Convidado pela antropóloga Fátima Quintas para fazer a palestra do mês de julho de 2019 do Seminário de Tropicologia, na Fundação Joaquim Nabuco, falei sobre a cidade tropical dos 5 km por hora, aquela em que o pedestre deve ser a principal prioridade, já que, como diz o comercial, “na cidade todos somos pedestres”. Comecei fazendo a distinção entre a cidade dos 5 km/h (orientada para o pedestre) e a cidade dos 60 km/h (orientada para o carro). Comentei que, infelizmente, a nossa cidade (o Recife), assim como a grande maioria das cidades ao redor do planeta, terminou, ao longo do Século 20, sendo desenhada pelo e para os veículos individuais motorizados (os automóveis), a despeito do fato desses veículos só terem começado a fazer parte da história das cidades no último minuto de um hipotético relógio (12 horas) de sua existência (100 anos do automóvel x 6.000 anos de história das cidades). Para comprovar isto basta tentar caminhar pelas calçadas das nossas cidades ou, no caso do Recife, tentar atravessar uma rua usando a faixa de pedestre, mesmo com o sinal aberto para si. Vai verificar que praticamente nenhum motorista que estiver virando à direita ou à esquerda na rua perpendicular respeita a preferência legal e absoluta do caminhante. Não raro, acelerando o veículo para dissuadi-lo da travessia antes da passagem do carro, o que constitui falta gravíssima (pela ameaça à vida do pedestre), punível, além da multa, com a suspensão do direito de dirigir… Em se tratando das cidades tropicais, como é o caso do Recife (na verdade, quase equatorial, com o sol a pino), é indispensável também a sombra para o caminhante diurno. E sombra diurna significa arborização farta e frondosa, nunca ojeriza a árvores. Citei também uma frase do prefeito de Bogotá (Colombia), Enrique Peñalosa que, depois de lida, parece absolutamente óbvia: “Devemos pensar em cidades para os mais vulneráveis, para as crianças, os idosos, os que se movimentam em cadeiras de rodas, para os mais pobres; se a cidade for boa para eles, será também para os demais.” Cidade boa para os mais vulneráveis, entre os quais se inclui o pedestre, exige também trânsito acalmado e velocidades reduzidas como está sendo seguido à risca nas cidades mais desenvolvidas do mundo como Londres, Paris, Nova York. O Recife, cidade tropical, precisa aprender com as cidades temperadas civilizadas!

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A grande mudança da mobilidade urbana (por Francisco Cunha)

Outro dia, após um comentário que fiz na coluna CBN Mobilidade, um amigo ouvinte me apontou o que, segundo ele, seria uma “grande contradição”. Eu disse que a mobilidade está, no mundo todo, no início de uma enorme mudança que, à semelhança daquela acontecida na primeira metade do Século 20, responsável pela introdução do automóvel em todas as cidades do planeta, vai promover a completa revolução na nossa locomoção cotidiana. As tendências de peso dessa mudança são as seguintes: (1) os aplicativos de geolocalização e navegação de trânsito tipo Waze, Google Maps e Apple Maps; (2) os aplicativos de locomoção compartilhada tipo Uber, 99, Easy, Cabify; (3) a micromobilidade da “última milha”, aquela feita com bicicletas e patinetes, elétricos ou não; (4) o carro elétrico; (5) o carro autônomo (sem motorista); e (6) o carro “voador” que está sendo desenvolvido pela Uber em parceria com a Embraer. Foi essa minha argumentação que o amigo ouvinte citou como contradição fazendo a seguinte pergunta: como esta mudança pode estar em curso de forma tão intensa se os engarrafamentos e congestionamentos de trânsito estão aumentando no mundo todo? Respondi dizendo que em 1898, quando foi realizada a primeira conferência internacional de planejamento urbano na cidade de Nova York, o principal problema apontado em relação às grandes cidades foi, nada mais nada menos, do que as fezes dos cavalos puxadores de carroças que em Londres atingiam a casa dos 50 mil e em Nova York chegaram a 100 mil. Se cada cavalo era responsável por 10 kg de fezes por dia, Nova York estava tendo de lidar com o destino de 1.000 toneladas de esterco cada dia, sem falar da urina e dos cavalos mortos (cada um pesando em média 600 kg). A título de curiosidade, naquela época o Recife tinha três locais de corrida de cavalos (nos atuais bairros do Hipódromo, do Derby e do Prado). Todavia, já em 1912, o número de carros ultrapassava o número de carroças em Nova York e, a partir daí, tivemos o predomínio absoluto, de mais de um século, dos veículos individuais motorizados em todas as cidades do mundo. Minha hipótese é a de que algo do gênero está sendo gestado e, quando acontecer a virada, os carros, tal qual os conhecemos hoje, serão como os cavalos do passado. Hoje, o pesadelo dos engarrafamentos; no futuro, peças de museu.

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Saturnino, o herói do saneamento nacional (por Francisco Cunha)

A primeira vez que ouvi falar no nome de Saturnino de Brito foi por conta de uma rua que leva o seu nome no Bairro do Cabanga no Recife. Depois, estudando sobre a urbanização na cidade, descobri que ele foi o responsável pelo saneamento praticamente completo da nossa capital no início do Século 20. Aí, visitei a cidade de Santos e fiquei impressionado. Lá, pude ver com clareza o resultado do trabalho pioneiro que Saturnino desenvolveu, fisicamente materializado nos vários canais de drenagem e no inacreditável parque da orla, considerado o maior jardim à beira-mar do mundo. Em Santos, até um museu dedicado ao sanitarista cheguei a visitar. Aprofundando a pesquisa, fiquei sabendo que Saturnino dirigiu e/ou orientou projetos de saneamento em cerca de 50 cidades no Brasil e deixou uma detalhada obra escrita que registra em minúcias a teoria e a prática de sua extensa produção de engenharia sanitária. Inclusive, os volume VIII e IX das Obras Completas de Satunino de Brito são inteiramente dedicados ao saneamento do Recife. Na introdução do volume VIII, diz textualmente o autor: “Está concluída e funcionando, desde dezembro de 1915, a extensa rede de esgotos da capital do Estado de Pernambuco, faltando apenas pequenos trechos de coletores no bairro do Recife, cuja construção depende da abertura de ruas, ou da desobstrução de outras, a cargo da Inspetoria de Portos, Rios e Canais (Obras do Porto)”. Ou seja, em 1915, por conta do trabalho de Saturnino, a cidade do Recife encontrava-se praticamente 100% saneada! E, desde lá até aqui, segundo depreendo do que ouço dos especialistas, os cerca de 30% de rede coletora que a cidade tem hoje, representam praticamente os 100% de 1915! Conclusão que me parece óbvia: em mais de 100 anos quase nada foi feito em termos de saneamento no Recife! Só para comparação: hoje Santos é 100% saneada! O resultado desta involução podemos ver e sentir a toda hora nos rios, riachos e canais, inclusive e principalmente no Capibaribe, para onde corre todo o esgoto não coletado nem tratado da cidade… Vamos, nesses 90 anos na morte de Saturnino de Brito, cobrar que a Parceria Público Privada desenvolvida para a Região Metropolitana do Recife venha, um século depois, resgatar o trabalho feito pelo herói pioneiro na nossa cidade. É o que nos resta!

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A vez da Ilha de Antônio Vaz (por Francisco Cunha)

Era assim (Antônio Vaz) que se chamava a ilha que ficava a oeste da Vila do Arrecife dos Navios, depois do rio que desaguava no porto. Em 1630, data da invasão holandesa, a única construção de vulto da ilha era o Convento de Santo Antônio erguido em 1606. Quando Maurício de Nassau chegou em 1637 para comandar os invasores, logo encomendou um plano urbanístico para transformar a ilha na Cidade Maurícia (Mauritsstad) e nela fez construir palácios, fortes, praças, canais e moradias, unido-a por uma longa ponte (a atual Maurício de Nassau) à Vila do Arrecife (hoje Bairro do Recife). Depois da expulsão do holandeses, na ilha desenvolveram-se os bairros de Santo Antônio e São José e, posteriormente, com o aterramento dos braços de maré e canais que a separavam de outras ilhas menores, os bairros do Cabanga e de Joana Bezerra. Hoje, constitui uma unidade geográfica bem maior do que a original porque “termina” ao sul no chamado Braço Morto do Capibaribe (o antigo Rio dos Afogados), limitada ao norte pela bacia da Rua da Aurora (no encontro do Capibaribe com o Beberibe), a oeste pelo “braço vivo” do Capibaribe que corre ao longo da Rua da Aurora e, a leste, pelo Rio Capibaribe já encontrado com o Beberibe (antes de, naturalmente, juntos “formarem o Oceano Atlântico”). Esta unidade geográfica foi oportunamente renomeada de Ilha de Antônio Vaz pela Prefeitura do Recife quando elaborou o plano urbanístico para as áreas do Cabanga, Cais José Estelita e Cais de Santa Rita em 2015. Pois bem, é esta grande e histórica área da cidade que, hoje, está carecendo de uma atenção especial depois que foi vítima de um processo continuado de esvaziamento e degradação ao longo de décadas. É preciso que sejam articulados todos os esforços dos diversos agentes públicos, privados e do terceiro setor envolvidos direta e indiretamente com esta região. Foi por conta disso que diversas instituições, mobilizadas pela CDL Recife, empreenderam, a partir de 2016, o esforço de esboçar o Projeto Viver Recife Centro – Antônio Vaz, a Ilha de Todos os Tempos. Agora, depois de concluída a proposta de revisão do Plano Diretor, é chegada a hora de retomar o esforço de articulação porque, afinal de contas, nenhuma cidade pode se considerar ou pretender ser desenvolvida sem que o seu centro, no caso de quase 400 anos, seja desenvolvido e dinâmico também.

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Uma rota urbana inclusiva (por Francisco Cunha)

Recentemente tive a satisfação de guiar uma Caminhada Domingueira Olhe Pelo Recife, coisa que faço há já mais de uma década, por uma rota inusitada: da Praça Fleming, na Jaqueira, até a Avenida 17 de Agosto, em Casa Forte, passando pelos Altos da Bela Vista e Santa Terezinha. Foram, no total, quase 12 km percorrendo, na planície, a Estrada Velha de Água Fria e a Avenida Beberibe até Porto da Madeira. De lá, subimos até o Alto da Bela Vista, passando pelo projeto Mais Vida nos Morros da Rua Vitoriana. Em seguida fomos, por cima, até o Alto Santa Terezinha, cerca de 1 km depois, e visitamos o primeiro Compaz (Centro Comunitário da Paz) do Recife, em torno do qual os índices de violência caíram 25,5% desde a sua inauguração (ver reportagem de capa desta edição da Algomais). A partir do Compaz iniciamos a descida, passando pela Bomba do Hemetério até a Avenida Norte, novamente na planície. Da Avenida Norte, seguimos pela Rua da Harmonia até Casa Forte. Das mais de 100 pessoas que foram nessa caminhada, acredito que a grande maioria nunca tenha estado por aquelas bandas nem, muito menos, feito uma travessia do tipo, muito embora a ocupação urbana daqueles altos date da primeira metade do século 20, quando a cidade passou por uma explosão populacional, e seja a mais antiga ocupação dos morros da Zona Norte do Recife. Fiquei com a firme impressão de que a rota percorrida fez bem, tanto para quem “passou por dentro” dos altos, quanto para os moradores da localidade que viram a “outra cidade” passar por dentro da sua. Afinal, embora socialmente separadas uma da outra, a cidade é uma só. Uma parte conhecer e integrar-se fisicamente com a outra é condição de desenvolvimento da cidadania urbana! Achei tão importante essa integração que até me comprometi a estudar e desenvolver, por meio da pesquisa feita com os caminhantes, uma proposta de rota adequadamente sinalizada que, partindo da Avenida Beberibe, mais precisamente da Praça Camilo Simões em Porto da Madeira, seguisse por uma boa parte do roteiro percorrido e terminasse no mirante do Morro da Conceição que já é, por si só, um ponto de atração turística. Com isso, poderíamos ter um roteiro turístico inclusivo e democrático ligando as “duas cidades”, hoje separadas. Vamos nos empenhar para que seja possível. A cidadania agradecerá, com certeza! *Francisco Cunha é consultor e sócio da Algomais

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Não mais rejeitos a montante (por Francisco Cunha)

Minha avó materna, Marina Riedel Montezuma, dentre muitas máximas das quais só muitos anos depois vim entender a profundidade, por baixo de sua aparente obviedade, dizia o seguinte: “Errar é humano mas insistir no erro é burrice!”. A Vale parece que, depois de dois erros trágicos, resolveu seguir o conselho de minha sábia avó e interrompeu o uso das hoje célebres “barragens de contenção de rejeitos a montante”, do tipo das que destruíram Mariana e Brumadinho. Melhor dizendo, vai parar de colocar rejeitos nelas mas a bomba-relógio que representam vai continuar até que a água evapore e os rejeitos se solidifiquem… Mal comparando, é algo do tipo que a sociedade brasileira vem exigindo, pelo menos desde 2013, de sua classe política: que ela pare de colocar rejeitos em barragens de contenção a montante. O que a sociedade parece exigir é que as coisas da política sejam feitas direito e às claras, tendo como objetivo-fim os interesses da sociedade e, não apenas, os dos seus representantes políticos, gerando rejeitos difíceis de conter… No fim de semana seguinte à tragédia de Brumadinho, vimos o fenômeno político se manifestar nas eleições para as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, assim como já havia se manifestado nos rompimentos de barragens de rejeitos políticos ocorridas em 2013, no impeachment e na última eleição presidencial, ainda que com efeitos diferentes: na Câmara, a recondução de Rodrigo Maia à presidência; no Senado, o afastamento de Renan Calheiros da presidência. Em todos os eventos, um mesmo meio de mobilização, as redes sociais, com “campanhas” do tipo: #vemprarua, #foradilma, #elesim, #forarenan… E uma coisa me parece óbvia: entramos definitivamente num novo tempo da mobilização política. Aquele em que pesará sempre sobre a cabeça dos governantes de plantão a espada da Av. Paulista com um milhão de pessoas e uma grande faixa verde-amarela com a hashtag pintada em cima: #foraalguém! Essa é a notícia boa. A ruim é, como disse magistralmente o Conselheiro Nabuco, pai de Joaquim Nabuco, bem antes de minha avó: “Sem os radicais não se faz revolução mas com eles não se governa”. Traduzindo para hoje: as mobilizações pelas redes derrubam ou elegem governos mas não governam. Para isso, só a velha e boa política que não gere resíduos tóxicos a montante.

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21 lições para o século 21 (por Francisco Cunha)

Esse é o título do mais novo e excelente livro de Yuval Harari, autor do também muito bom Sapiens – Uma Breve História da Humanidade. Harari é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. O 21 Lições é o seu terceiro livro. Entre este último (sobre o presente) e Sapiens, o primeiro (sobre o passado), lançou Homo Deus – Uma Breve História do Amanhã (sobre o futuro). Todos três muito instigantes e resultado de uma inteligência viva e provocativa. Quem ainda não leu nenhum, sugiro começar pelo mais recente, o 21 Lições, depois, se gostar, pode passar para o Sapiens e, por fim, Homo Deus. Penso tratar-se de uma leitura obrigatória para quem tem interesse pelo tema e preocupação com as tendências de peso relativas a costumes, tecnologia e negócios, neste momento de profundas transformações e, ao mesmo tempo, de tantas informações desencontradas em que vivemos. A primeira frase de Harari no 21 Lições, logo na introdução, é a seguinte: “Num mundo inundado de informações irrelevantes, clareza é poder”. E é justamente isso que ele provê com seus escritos: clareza. Observando o Século 21, enumera as três principais ameaças globais para o futuro no planeta: (1) a sempre presente possibilidade de guerra nuclear com detonadores acessíveis por ditadores de plantão; (2) o aquecimento global com o seu risco associado de colapso ecológico; e (3) a disrupção digital com a dupla revolução da inteligência artificial e da biotecnologia. Em contraposição, enumera as articulações já existentes (uma ecologia, uma economia e uma ciência globais), faltando uma política global capaz de evitar o pior por meio de uma articulação consequente. No que diz respeito especificamente à ameaça da disrupção tecnológica (biotecnologia + inteligência artificial), diz: “A revolução tecnológica pode em breve excluir bilhões de humanos do mercado de trabalho e criar uma nova e enorme classe sem utilidade, levando a convulsões sociais e políticas com as quais nenhuma ideologia existente está preparada para lidar”. Já serão evidências disto o Brexit, a eleição de Trump, as migrações em massa e as recentes manifestações dos coletes amarelos em Paris? Refletir e especular organizadamente sobre o futuro é, de longe, a melhor maneira de se preparar para enfrentar as ameaças e aproveitar as oportunidades que surgem. Harari ajuda muito nisso.

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Novo governo e breve lua de mel

No lançamento da Agenda 2019, na última segunda-feira de novembro (ver matéria de capa desta edição), tive a oportunidade de destacar que, diferentemente dos seus antecessores (FHC, Lula e Dilma), Bolsonaro terá um período de “lua de mel” (boa vontade) bem mais curto por conta da falta de paciência geral que se ampliou muito desde as chamadas “jornadas de 2013”, quando milhões de pessoas foram às ruas exigir serviços públicos “padrão Fifa”. Apesar de Bolsonaro ser uma espécie de segunda “cria” dessas jornadas (a primeira foi o impeachment), a forma como se deu a reta final da eleição, com a radicalização dos extremos políticos (#elenão! e #eletambémnão!) contribui para reduzir muito o horizonte de tempo que o novo governo terá para dizer a que veio. Afinal, com não um ou não o outro, a maioria dos eleitores terminou votando mais “contra” um dos dois do que “a favor” de alguém… A estimativa que faço, com base nos meus quase 40 anos de “janela”, observando a vida política e econômica nacional, é de seis meses. Se até o final do primeiro semestre o governo não conseguir endereçar o fim do déficit público, vão começar a aparecer, de forma crescente, os problemas e as contradições da coalizão vencedora porque a pauta moral e de costumes com a qual o presidente foi eleito não consegue aglutinar a convergência necessária para permitir um governo duradouro. O único fator que pode criar uma boa vontade geral é a retomada do crescimento sustentado da economia. E isso só será possível com o equacionamento do grave problema fiscal herdado do governo Dilma. Sem sinalizar claramente que está disposto a estancar o déficit público e, com isso, frear o crescimento da dívida pública, os agentes econômicos não se sentirão seguros para consumir e investir. Sem consumo e investimento não há crescimento econômico que se sustente… E a bola da vez para essa sinalização clara do compromisso com o equacionamento da crise fiscal é a Reforma da Previdência, não só em relação à União mas também aos estados e municípios. Sem ela, a sociedade não terá confiança na capacidade do governo revolver o que precisa ser resolvido. Agora, com ela, o governo não só se consolida como por certo se reelege e, provavelmente, faz o sucessor porque, então, devemos ter uma década de crescimento como ocorreu quando Lula assumiu pela primeira vez. As condições estão dadas!

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Por um bairro todo caminhável

O Bairro do Recife hoje é uma ilha, embora tenha começado como um pequeno povoado portuário na ponta do istmo que ia desde o sopé das colinas de Olinda até o estuário dos rios Capibaribe, Beberibe, Jordão, Tejipió e Jiquiá, de frente para a linha dos arrecifes que protege a costa da “fúria do mar” e propiciou à localidade excelentes condições para o aportamento de navios, desde os primórdios da colonização, no início dos anos 1500. A região virou ilha com a abertura de uma passagem do Rio Beberibe direto para o mar, hoje junto ao Terminal de Açúcar, durante os trabalhos inconclusos de construção de uma base naval (que terminou sendo transferida para a cidade de Natal), no final da década de 1940. Uma área importante do bairro ainda é ocupada por atividades portuárias, mas a maior parte é destinada a atividades comerciais e de serviços que tiveram um grande incremento após a instalação do Porto Digital lá no início dos anos 2000. Pois é, justamente, neste território hoje insular que acontece no mês de novembro a segunda versão do festival Rec’n’Play que, dentre outros temas, conforme pode ser visto em matéria desta edição da Algomais, vai tratar de cidades inteligentes. Na versão do ano passado, tive oportunidade de coordenar no próprio festival uma oficina sobre a caminhabilidade no bairro (inclusive com caminhada guiada) e uma das conclusões a que chegamos foi que a cidade inteligente é caminhável ou, então, não é inteligente! Este ano proponho que a discussão se amplie para avançar em direção a uma primeira proposta de caminhabilidade radical da parte que não é porto na ilha do Recife. Um exemplo muito bom que pode servir de referência para isso é o chamado Boulevard Rio Branco cuja pedestrianização a prefeitura inaugurou no final do ano passado. E se todo o bairro fosse daquele jeito ali? A justificativa para isso é que muita gente já circula por lá e as distâncias no bairro são perfeitamente percorríveis a pé, desde que, claro, a condições de caminhabilidade (como regularidade do piso, acessibilidade, sombra, fachadas ativas, etc.) sejam garantidas. Isso, sem excluir os carros como pode ser visto no Boulevard Rio Branco. Parece ousado? Mas para que uma coisa possa vir a ser implantada, algum tipo de de antecipação “sonhática” precisa existir. Como disse o escritor francês Victor Hugo: “Nada como o sonho para construir o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã”.

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Preparados para qualquer cenário (por Francisco Cunha)

O futurista norte-americano Peter Schwartz, especialista em construção de cenários para o planejamento empresarial, fala o seguinte em relação à previsão do futuro: “simplesmente não é possível prever o futuro; um velho provérbio árabe diz que aquele que prevê o futuro mente, mesmo quando acerta”. Corroborando essa ideia, outro futurista, esse holandês, Arie P. de Geus, responsável durante muito tempo pelo planejamento estratégico da Shell, avança no tema ao dizer que, na verdade, além de não ser possível prever, “não importa qual será o futuro pois a única pergunta relevante é: o que faremos se tal cenário acontecer?” Diante do resultado desta eleição presidencial no Brasil, dado o alto grau de incerteza que a caracterizou e, portanto, da rigorosa impossibilidade de antecipar com razoável grau de previsibilidade qual será o futuro do novo governo, a alternativa é seguir a recomendação de P. de Geus e, na prática, preparar-se para qualquer cenário que possa vir a acontecer. Para isso, vale a pena atentar para o que diz o indiano Vijay Govindarajan, que foi consultor chefe de inovação da General Eletric, repetindo o que também disse certa vez Peter Drucker: “não peço que adivinhem o futuro, mas que o imaginem; afinal, a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo”. Para imaginar o futuro, do ponto de vista pessoal e/ou organizacional, a partir do que pode acontecer como resultado da ação do futuro governo eleito, podemos fazer o exercício de tentar caracterizar algumas tendências de peso que podem condicionar a sua atuação. Uma dessas tendências que parece irreversível é a de se tratar de frente a questão do déficit público com medidas efetivas de contenção sob pena de vermos a dívida pública fugir ao controle e tornar arredios os credores, o que certamente produziria fuga de capitais, desacerto das contas públicas e descontrole inflacionário. Um cenário de caos que deve, portanto, ser enfrentado pelo novo governo, independente do que foi dito (ou silenciado) durante a campanha eleitoral, sob pena de, não o fazendo, ver o seu grau de governabilidade se estreitar drasticamente. Afinal, não é descabido dizer que foi a inflação descontrolada que derrubou Dilma Rousseff… Desenhar cenários alternativos para subsidiar o planejamento do próximo ano é, portanto, tarefa inescapável deste final de ano eleitoralmente atribulado. De tédio, com certeza, não padeceremos. *Francisco Cunha é consultor da TGI

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