Pedro Sena, Coordenador técnico do Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste). fala sobre a iniciativa que vai criar seis novas unidades de conservação na Chapada do Araripe no Estado. A ideia é preservar até as áreas habitadas e capacitar moradores com atividades econômicas sustentáveis.
Estudo realizado pela Fundação Holandesa IDH, com o apoio do Instituto WRI, identificou que há no mínimo meio milhão de hectares de Caatinga com potencial de restauração em três territórios: Sertão do Pajeú (PE), Cariri Ocidental (PB) e Sertão do Apodi (RN). Mas, de acordo com o Mapbiomas, apenas 9,1% está sob proteção de unidades de conservação. Diante da ameaça de desertificação do bioma frente às mudanças climáticas, várias instituições se unem para criar seis novas unidades de conservação (UCs) na Caatinga em Pernambuco. Isso representa mais nove mil hectares de áreas protegidas no bioma, e aumentaria de 28 para 34 o número de UCs existentes na região de Caatinga no Estado.
Para tornar a proposta realidade, o Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste), uma organização do terceiro setor, realiza uma série de estudos e conta com a parceria da Semas (Secretaria Estadual do Meio Ambiente e de Fernando de Noronha) da CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente), e com apoio do GEF Terrestre, gerido pelo Funbio (Fundo Brasileiro da Biodiversidade) e pelo Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima. Nesta entrevista concedida a Cláudia Santos, o coordenador Técnico do Cepan Pedro Sena detalha as ações para concretizar a instalação dessas unidades de conservação que incluem formas de conservar a Caatinga com presença dos moradores sertanejos que serão capacitados para exercerem atividades de gestão participativa dessas unidades.
Para iniciar a nossa conversa, gostaria que você explicasse o que é o Cepan (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste)?
É uma instituição do terceiro setor especializada em soluções baseadas na natureza, no entendimento do capital natural e em políticas públicas. Criada há 24 anos, por um grupo de pesquisadores na UFPE, foi aumentando sua atuação até o momento em que desacoplou das pesquisas mas manteve essa raiz.
Quanto às soluções baseadas na natureza, boa parte das ações do Cepan se concentra em restauração de florestas, plantio, recuperação de áreas degradadas e conservação. Hoje, atuamos no Brasil todo mas, basicamente, na Chapada do Araripe no Ceará, Pernambuco e Piauí. Temos muitos hectares de Mata Atlântica restaurados na Paraíba e de áreas indígenas no Espírito Santo. Também temos o projeto que abrange toda a região da Caatinga de Pernambuco, onde o que preservamos nesse bioma é adicionado à meta de conservação da Caatinga do Brasil.
Em que consiste esse estudo sobre a restauração da Caatinga?
Esse estudo não é de autoria do Cepan. É da fundação IDH junto com o Instituto WRI Brasil, que são parceiros nossos. Eles utilizam a metodologia Roam, idealizada pelo WRI, e o Cepan já a aplicou, em Pernambuco, em 2019. Nesse método, é feita uma avaliação multidisciplinar que envolve o mapeamento físico dos locais degradados, identificação de atores sociais, validação de números e diálogo com a sociedade em oficinas participativas. Então, visitam-se esses hectares avaliados como importantes para restauração, identificando formas de conservar e de restaurar, sobretudo, englobando as pessoas, pois a Caatinga é um sistema socioecológico, não há como desacoplar o ser humano desse bioma.
Por isso, esse estudo promove a restauração ecológica: plantar árvores onde é necessário, colocando pessoas e animais nessa área a ser restaurada. Inclusive o bode, um animal que pode ser ruim para restauração do bioma, mas eles encontraram um jeito de incluí-lo. Além disso, usam-se sistemas agroflorestais que são meios de “ganhar dinheiro” com a floresta, deixando-a crescer de forma sustentável. A produção de mel é um exemplo. Hoje, há cerca de 10% da Caatinga no País protegida em unidades de conservação. Desses, apenas 2% são de proteção integral, uma categoria mais restritiva que garante que aquela floresta não vai ser derrubada, vai se manter ao longo da vida. Mas, essa porcentagem é muito pequena.
Se essa situação se perpetuar, o que pode acontecer com o bioma?
Se não aumentarem as áreas de conservação, não há como garantir a biodiversidade da Caatinga, que é única. Ela tem muitas espécies exclusivas, chamadas endêmicas, como certos tipos de peixes. Ou seja, há açudes, reservatórios de água, com peixes que só ocorrem na Caatinga. Se esses locais não forem protegidos, essas espécies podem se perder para sempre. Para além da biodiversidade, é preciso considerar também as pessoas. Se não conservarmos a Caatinga, que possui muitas áreas de serra, não teremos, por exemplo, a recarga hídrica, o reabastecimento dos lençóis freáticos tão importantes para quem vive na área e precisa de água.
Além disso, há vários outros serviços ambientais, como o carbono que essas florestas retiram da atmosfera. Se essas áreas forem perdidas, haverá um débito nesse sentido. Assim, há muitas justificativas ecológicas e sociais para preservação desse bioma, inclusive a conexão psicológica e sentimental do povo sertanejo com a Caatinga. Por isso, ações de conservação são importantes. Nossa proposta é aumentar a conservação em cerca de nove mil hectares a mais de áreas protegidas da Caatinga em Pernambuco.
E como essa proposta vem sendo colocada em prática? Quais instituições estão envolvidas?
O Cepan é apenas o executor da proposta. Há outros atores: o Ministério do Meio Ambiente; a Semas (Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e de Fernando de Noronha de Pernambuco); a CPRH (Agência Estadual de Meio Ambiente), que é o órgão que vai cuidar dessas áreas de conservação quando forem criadas; o Global Environment Facility, em português, Fundo Global para o Meio Ambiente, que envia recursos para o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade que, por sua vez, repassa esses recursos para o terceiro setor.
Essa é a cadeia de governança da nossa proposta, que começa pela etapa de divulgação e apresentação do projeto para a sociedade, tanto de forma ampla, quanto específica nas áreas que vamos criar. Nesta etapa, conversamos com as prefeituras e com as pessoas nos municípios em que as áreas estão localizadas. São seis unidades de conservação ao longo de praticamente metade de Pernambuco. Oito municípios estão envolvidos: Carnaíba, Triunfo, São José do Belmonte, Serra Talhada, Orocó, Santa Maria da Boa Vista, Santa Cruz, Parnamirim. É basicamente metade do Estado de Pernambuco.
Todas essas áreas são de serras, áreas de conservação mais altas, naturalmente difíceis de trabalhar na agricultura ou pecuária que foram deixadas de lado ao longo do tempo, o que foi bom, porque hoje ainda há algumas dessas serras para conservar. São áreas como a Serra da Matinha, em Carnaíba, que é uma área mais úmida, com presença de cachoeiras e nascentes, assim como Carro Quebrado, em Triunfo, que também tem muitos recursos hídricos. Estamos no processo de entender o desenho dessas localidades, a delimitação, os ativos biológicos, se há alguma espécie específica que merece proteção mais forte, ou um ativo em que é possível ter uma proteção mais flexível.
Iniciamos diagnósticos técnicos, estudos e mapeamentos dessas áreas. Nosso esforço é difundir amplamente com os atores locais mostrando quais áreas serão protegidas e convidando-os a participar. Depois teremos oficinas participativas com os interessados e eles poderão transferir seu conhecimento para o compor o processo técnico. Muitas dessas pessoas conhecem as áreas mais do que qualquer biólogo. Uniremos esses dois tipos de conhecimento para elaborar as propostas do processo, agrupar em documentos e realizar consultas públicas por meio da Semas e da CPRH.
O que eu posso garantir é que o Cepan entende desse processo, que vão acontecer os estudos técnicos, as oficinas, as consultas públicas. Vamos fazer de tudo para isso se traduzir na unidade de conservação criada e efetiva. Mas isso vai depender do Governo do Estado criar e levar esse processo, o Estado só precisa colocá-lo na ordem de prioridade da CPRH para fazer uma análise técnica e dar um parecer. De produto prático, após a finalização completa do projeto, teremos um grande compilado da biodiversidade da Caatinga, muitos dados sobre essas áreas, bacias hidrográficas, trilhas, áreas de recarga de fonte de nascentes, das áreas degradadas, de desertificação.
Quanto tempo vai durar o projeto? Quando será possível enxergar resultados?
A duração do projeto é de 18 meses. Iniciou há cerca de cinco meses, então será finalizado entre agosto e setembro de 2025. Ele vai gerar muitos dados técnicos importantes também para outros estudos e iniciativas. Além disso, vai deixar um legado importante em educação ambiental. A gente já sente o Sertão do Pajeú absorvendo o projeto. É uma região muito rica, com pessoas muito mobilizadas. Tivemos um evento lá onde esperávamos 50 pessoas e compareceram 90.
Por fim, vamos selecionar algumas pessoas para capacitar tecnicamente sobre como gerir uma unidade de conservação. Mostraremos o caminho porque, mesmo que o projeto só envolva a criação e não a gestão das unidades de conservação, quisemos ir além e fazer a capacitação. Mas é responsabilidade do Governo de Pernambuco cuidar dessas áreas depois que elas forem criadas. Estamos animados, colocando nossas energias para mostrar serviço à população sertaneja, muito calejada de iniciativas inacabadas por falta de recursos.
Você mencionou a relação das pessoas com a Caatinga para além da biodiversidade. Como é esse processo de restauração do bioma junto aos habitantes?
A restauração da Caatinga com as pessoas geralmente envolve os SAFs (sistemas agroflorestais). Nesses sistemas, há vários grupos de plantas agricultáveis como hortaliças que as pessoas vão extrair, mas preservando a cobertura vegetal que tem estrutura de floresta, ou seja, árvores maiores, menores, frutíferas e todas idealmente nativas. A cadeia produtiva da restauração é como com qualquer cadeia produtiva, como a do leite, da cana-de-açúcar, da soja, que precisa de insumos e matéria-prima. Então, as pessoas também se beneficiam da Caatinga nos nossos projetos da restauração, produzindo insumos, como mudas e principalmente sementes, pois há mercado em todo Brasil e com remuneração que tende a ser justa. Ou seja, nós recomendamos que as famílias tirem apenas uma parte dessas sementes da natureza para serem vendidas a fim de restaurar a própria Caatinga. É também uma renda que essas famílias não tinham anteriormente. Além do viés dos SAFs, outra boa possibilidade de restauração produtiva é a ILPF (Integração da Lavoura, Pecuária e Floresta), que é quando se leva o gado ou o bode, como mencionei, para manejar junto com árvores nativas e com a parte agrícola de plantio, como milho e outras culturas.
Em relação aos bioinsumos, especialistas afirmam que, devido ao clima seco, produtos do Sertão, como o mel, concentram mais nutrientes comparados a outras regiões. Isso também pode ser um valor?
Sim, entre outros valores. Há muito potencial de bioativos na Caatinga. As plantas desse bioma concentram não só nutrientes mas, também, compostos secundários com muito cheiro. A partir das cascas das árvores, da cera, é possível produzir óleo essencial e outros produtos. O Cepan não trabalha com isso, mas repassamos essa informação para os proprietários de terra que querem conservar a Caatinga e podem tirar algum recurso financeiro se isso for regulado de forma sustentável. Não dá para derrubar tudo para fazer óleo essencial mas, de forma sustentável, é possível gerar renda.
Quais as perspectivas para o Sertão daqui a 10 anos, caso esse projeto das unidades de conservação dê certo?
Essas áreas já estão conservadas. Nesse projeto, não está previsto reunir áreas degradadas para restaurar. O que vamos fazer é delimitar legalmente, e dizer: “nessas áreas, a sociedade precisa desenvolver apenas atividades sustentáveis ou não deve alterar a área, seguindo a legislação”. Mas, as previsões geográficas e sociais para a Caatinga daqui a 10 anos não são positivas. Há áreas de desertificação que tendem a se expandir devido a questões climáticas. Provavelmente, teremos poucos anos com muita chuva e muitos anos de seca. Essa irregularidade pode aumentar áreas de desertificação e áreas degradadas, por meio de queimadas, pastos, em que o solo tende a ficar paupérrimo. Se temos florestas, é possível fazer uma barreira para segurar essa expansão de áreas degradadas.
Além disso, depois de exaurirem muitas áreas do Brasil, os setores produtivos estão descobrindo que a Caatinga não é somente solo rachado, seca e pobreza, e grandes iniciativas que podem gerar pressão estão se voltando para esse bioma. Se tudo se encaminhar para o que está acontecendo hoje, haverá uma redução da área de floresta da Caatinga. Então, se há essas áreas protegidas, será mais difícil derrubá-las. Por isso, daqui a 10, 20 anos, me imagino triste olhando para os locais degradados da Caatinga mas quero ver essas serras protegidas.
Esse trabalho precisa ser feito de forma certa hoje, para conservar legalmente essas áreas diante de pressões referentes à energia solar e eólica, por exemplo. A Caatinga é o paraíso para energia solar.
Dados recentes analisados pelo MapBiomas mostraram que a área de São José do Belmonte, uma das que estamos trabalhando, foi a mais degradada de todo o Brasil para destinação para energias sustentáveis, com 4 mil hectares destinados a energia solar. Será que esses 4 mil não vão virar 8 ou 10 mil hectares? Sabemos que a energia solar é importante para a Caatinga, mas não se pode instalar em cima de floresta porque, dessa forma, não é mais sustentável.
Como que se dá o processo de degradação por essas fontes de energia?
Há um processo legal aplicado pelas empresas que têm interesse numa determinada área. São várias licenças, normas e estágios diferentes para cada município. A lei não é clara nesse sentido e os empreendimentos, sobretudo esses de energia eólica e solar, tendem a aumentar. Como é estratégico para o Brasil ampliar essas energias, têm havido, nos últimos tempos, subsídios, flexibilização na legislação, incentivos para acelerar esse processo. Em muitos casos, essas energias são colocadas em áreas degradadas, o que é excelente pois é uma área não produtiva.
Mas, em alguns casos, essas empresas avançam para as áreas preservadas. E as serras, sobretudo, são mais propícias, porque é onde venta. Pernambuco ainda é um Estado com muita rigidez de legislação para área eólica e solar. Vale ressaltar que essas fontes energéticas não degradam o ambiente pela atividade em si. A energia solar é 100% sustentável. O vento também. O problema é a instalação e operação nessas áreas que são grandes empreendimentos e precisam degradar o ambiente, “limpar” o local para instalar o parque eólico ou solar, abrindo estradas maiores para dar passagem a caminhões e viabilizar o transporte de cabos, de técnicos.
Como evitar a desertificação na Caatinga? Há algum projeto do Cepan para as áreas já degradadas?
As unidades de conservação são áreas com potencial para prevenir a desertificação na Caatinga. Então, toda ação nesse bioma, seja de conservação de uma área, restauração, plantio de árvores, educação ambiental, tem que visar conter a área desertificada. Caso contrário, todo mundo sai perdendo. Em relação à restauração, já temos projetos para as áreas degradadas na Chapada do Araripe onde, em um ano e meio, vamos restaurar 500 hectares, que é uma grande operação para o nível do Cepan. No Sertão de Pernambuco ainda não temos ação prevista, mas a ideia é expandir para dentro do Estado.