Da Cepe
Principal voz feminina do modernismo pernambucano, Tereza Costa Rêgo (1929-2020) ganha livro de arte A liberdade em vermelho, editado pela Cepe. A obra é repleta de fotografias de suas criações, além de textos inéditos assinados por artistas, curadores e escritores como Raimundo Carrero, João Câmara, Clarissa Diniz, Marcus Lontra, Bruno Albertim, Denise Mattar, Cida Pedrosa e Ana Mae Barbosa. Além de depoimentos de amigos e da própria Tereza, que permeiam as páginas do livro, cujo projeto editorial é assinado pela jornalista, escritora e neta de Tereza, Joana Rozowykwiat. O lançamento ocorre dia 20 de janeiro, às 19h, no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), no bairro das Graças, Zona Norte do Recife, e é acompanhado de uma exposição no Espaço Cultural Cícero Dias, com curadoria dos jornalistas Bruno Albertim e Marcus Lontra. A mostra é realizada pela Cepe, Secretaria de Cultura de Pernambuco (Secult-PE/ Fundarpe) e Mepe.
Filha da aristocracia açucareira já decadente, Tereza nasceu “para enfeitar o piano da sala”, como ela mesma dizia. “Não hesitou, contudo, em quebrar o piano”, escreve Bruno, escritor e biógrafo de Tereza. Aos 15 anos, ela entrou na Escola de Belas Artes do Recife. Foi lá que conheceu e ficou amiga de artistas como Francisco Brennand, Aloísio Magalhães e Reynaldo Fonseca, e teve como professores Vicente do Rego Monteiro e Lula Cardoso Ayres. Em 1949, ganhou do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco uma viagem a Paris. Nessa época já ficaram conhecidas obras povoadas por sinhazinhas como instituição do patriarcado, como escreve Bruno.
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Depois começou a pintar mulheres despidas, figuras constantes em seu trabalho. Engajada na pintura regionalista, transpassa os limites do modernismo brasileiro. Formada em História pela USP, acompanhou de perto também os acontecimentos políticos da época, quando começou a viver uma história de amor com o dirigente do Partido Coomunista Diógenes de Arruda Sampaio. Com ele, entrou na clandestinidade e passou a se chamar Joanna. Exilou-se no Chile, na Europa e na China. Em 1979, quando o casal voltou ao Brasil, Diógenes morreu de infarto fulminante. Com a perda, a pintora decidiu que não seria mais a companheira do líder revolucionário; seria mulher e pintora.
“A Cepe vê com muita responsabilidade e alegria essa ideia de publicar uma obra sobre a trajetória e a arte de Tereza Costa Rêgo. Focamos na obra de um dos principais nomes da arte moderna pernambucana para apresentá-la nacionalmente”, declara o editor da Cepe, Diogo Guedes.
O curador Marcus Lontra costuma dizer que o Brasil tem não apenas o dever, mas o direito de conhecer Tereza Costa Rêgo, para quem a obra “é fundada em três pilares: o feminino como regência, a história como base e o vermelho como caminho”, resume. Se no início vieram as figuras femininas misteriosas, como diz Lontra, “meninas-bonecas inanimadas e sufocadas por uma estrutura social opressiva que agredia a intimidade corajosa e determinada da artista”, com o exílio ao lado do grande amor, Diógenes de Arruda Sampaio, Tereza trava “conhecimento próximo com as ideias marxistas e com o materialismo histórico”, o que lhe dá “instrumentos necessários para a elaboração de uma pintura comprometida com a história e com o seu tempo”, analisa Lontra.
A arte-educadora Ana Mae Barbosa conclama em seu texto a reescrita da história, reconsiderando as artistas mulheres. “Acho que ainda é tímida a reconstrução da história da participação das mulheres na arte dos países ocidentais. Devíamos começar a escrever a história do machismo nas artes”, defende Ana, lembrando que, no ano 2000, quando aconteceu a exposição dos 500 anos de colonização do Brasil, na Bienal de São Paulo, não havia nenhuma artista mulher na arte do século XIX. “Por isso, pesquisando textos sobre Tereza Costa Rêgo, fico tão feliz em ver que depois de um grande tempo tendo sua obra mal divulgada, no século XXI o sistema das artes acordou para sua importância e são muitos os artigos sobre sua pintura na internet”.
Vencedora do Prêmio Jabuti 2020, a poetisa Cida Pedrosa teve publicado na íntegra seu discurso de homenagem à artista, proferido em 2019, quando era secretária da Mulher da Prefeitura do Recife, e descreve Tereza como a artista que empodera mulheres. “A pintura dela é toda a minha dor já vivida. É toda a tristeza esquecida. É a minha alegria possível. É toda a capacidade que eu tenho de morrer e renascer em um vermelho único, que ela criou como marca para um mundo que nem sempre está pronto para saber quantas Terezas existem no coração de uma mulher”.
Já para o artista João Câmara, Tereza cumpriu com dignidade e beleza uma longa vida de artista e de mulher. “No seu caso, seria difícil separar as duas coisas. Minha melhor e mais feliz lembrança dela é seu belo sorriso, irmão de um olhar de sabedorias e encantos”.
EXPOSIÇÃO
O co-curador, escritor e jornalista Bruno Albertim, amigo íntimo de Tereza, conta que essa exposição está sendo pensada há alguns anos, antes mesmo de a artista falecer, com o objetivo de “nacionalizar” o nome da artista pernambucana. “Ela queria muito ver sua obra exposta em grandes museus do Brasil. Com seu falecimento, surge a necessidade de adicionar um caráter biográfico à mostra”, declara Bruno, autor da biografia Tereza Costa Rêgo: Uma mulher em três tempos (2018, Cepe Editora). O jornalista pretende levar a exposição para vários museus do País. O conceito curatorial ressalta o caráter épico e histórico da produção de um dos grandes nomes femininos da pintura modernista pernambucana, “ainda não devidamente reconhecida pela historiografia oficial do Brasil”.
Para possibilitar o contato com as obras, de acordo com Joana Rozowykwiat, houve um trabalho prévio de pesquisa, que localizou obras de períodos diversos. “Algumas delas muito antigas, da década de 40, quando a artista ainda assinava como Terezinha; outras mais recentes, mas que nunca haviam sido expostas”, revela a jornalista. "A liberdade em vermelho é um convite a conhecer e se aprofundar no trabalho de Tereza Costa Rêgo. É uma forma de ampliar o alcance da sua produção, levando toda a sua beleza, potência e reflexões que ela provoca a outros públicos e lugares”, resume Joana.
O Espaço Cultural Cícero Dias fica localizado no Museu do Estado de Pernambuco. A exposição vai ocupar todo o ambiente, do hall às três galerias do 1º andar. Ao todo, serão 47 obras dispostas por 607 metros quadrados.