Os mesmos personagens circulam de maneiras diferentes por quatro romances do escritor salgueirense Raimundo Carrero, 70 anos. Em comemoração à data redonda que completou em dezembro passado um dos maiores escritores pernambucanos, a Cepe Editora reuniu na tetralogia Condenados à vida o já esgotado Maçã Agreste (1989), O amor não tem bons sentimentos (2007), Somos pedras que se consomem (1995), e Tangolomango (2013).
O primeiro lançamento ocorrerá em Pernambuco, dia 21 de julho, durante a 28ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns, considerado um dos mais importantes da América Latina, e no qual Carrero será homenageado. Em seguida, dia 27 de julho, a edição definitiva da tetralogia de Carrero será apresentada na 16ª Feira Literária Internacional de Paraty (Flip), dentro da programação da Casa do Desejo, onde a Cepe Editora estará com estande de livros, ao lado de outras editoras do País.
Foi a partir de Maçã Agreste que Carrero começou a narrar as histórias da família Cavalcanti do Rêgo - Dolores, Ernesto, Leonardo, Raquel, Guilhermina, Jeremias, Matheus, Ísis e Biba. Parentes que se relacionam e se destróem sexualmente, tendo a cronologia da decadência da elite nordestina da cana de açúcar diante da industrialização como pano de fundo. E que, ao praticarem relações incestuosas, mostram o desejo de não se misturarem com classes ‘inferiores’. “Na nossa família não precisamos nem de outros beijos, nem de outros abraços”, diz trecho do livro. O declínio moral e econômico combina com a decrepitude visual do centro e dos subúrbios do Recife, cidade-cenário da narrativa.
“A crítica corrosiva ao falso moralismo, à instituição familiar, à religião e à sociedade vai permeando as psicoses, taras e idiossincrasias dos personagens, que vão se revelando, cada um à sua maneira, em um ambiente de assassinato, estupro e luxúria ”, resume Carrero.
O autor confessa que esses perfis foram criados com inspiração na realidade. A experiência de 40 anos como jornalista deu a Carrero o repertório para construir quadros aparentemente absurdos de família, mas que se encontram nos jornais diariamente. “Reuni recortes e transformei em episódios literários”.
Na obra, destaque para o prefácio inédito do também escritor, jornalista e crítico literário carioca José Castello, que anteriormente resenhou quase todos os livros dessa tetralogia, com exceção de Maçã Agreste, considerado por Carrero sua obra mais importante e, no entanto, menos conhecida. “A leitura desses quatro grandes romances de Carrero dilacera. Rasga a proteção íntima que costumamos usar para nos defender do mundo. A verdade é: eles nos atordoam. Enquanto relia os quatro livros, senti, muitas vezes, uma mistura desconfortável de espanto e horror”, descreve Castello em seu prefácio.
Membro da Academia Pernambucana de Letras, Raimundo Carrero é um dos escritores mais premiados do País. Já ganhou o Prêmio Jabuti, mais importante prêmio literário do Brasil; dois troféus da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA); e dois prêmios Machado de Assis da Biblioteca Nacional. Em Pernambuco é vencedor dos prêmios José Condé e Lucilo Varejão. Seus livros já foram traduzidos para o francês, português, espanhol, romeno e búlgaro.
CEPE NA FLIP
Pela primeira vez a Cepe Editora, através do selo do Suplemento Pernambuco, leva dois autores para a programação principal da Flip. A paulista Eliane Robert Moraes lança o seu inédito O Corpo Descoberto: Contos eróticos brasileiros de 1852 a 1922; e o pernambucano José Luiz Passos leva o seu Antologia fantástica da República brasileira (2017).
Além de Carrero, Eliane e Luiz participam das três mesas literárias comandadas pelo editor do Suplemento Pernambuco, Schneider Carpeggiani, durante a programação da Casa do Desejo.
De acordo com o editor da Cepe, Wellington Melo, participar da Flip é prova de reconhecimento do trabalho realizado. “Demonstra a visibilidade a nível nacional das publicações da editora, cujas publicações não deixam nada a desejar se comparadas a outras editoras brasileiras”, ressalta.
Para Schneider, a escolha dos três nomes representa bem diversidade da literatura contemporânea. “São três nomes de ponta que estão pensando e fazendo literatura atual em facções diversas”, resume.
ERÓTICO
Em O Corpo Descoberto…, Eliane faz uma cuidadosa coletânea de vários contos publicados no país, buscando uma divisão mais temática - como fetichismo e necrofilia - do que cronológica. No período analisado estética e sociologicamente, a autora revela muitos escritores que escreveram contos eróticos sob pseudônimo, como Olavo Bilac, Monteiro Lobato e Coelho Neto. “Ela acaba por revelar uma faceta pouco conhecida desses escritores”, relata Wellington.
FANTÁSTICO
Mistura de conto e ensaio, Antologia fantástica… passeia pelo dia a dia das pessoas tendo como sutil pano de fundo a política - da Revolução de 1817, passando pelo golpe militar, até os dias de hoje. Entre ficção e memória histórica, o autor utiliza de metáforas e ironias para inserir os fatos na rotina aparentemente banal.