O dia era de greve dos caminhoneiros. Sem combustível no carro e com um protesto fechando a Rua da Aurora e a Conde da Boa Vista. Foi nesse cenário de imobilidade que experimentei o sistema de bicicletas públicas do Bike PE no Recife pela primeira vez. A decisão veio de um desafio do coordenador do sistema e gerente de ciclomobilidade da Secretaria de Turismo, Esportes e Lazer de Pernambuco, Jáson Torres, após uma entrevista sobre o nascente movimento Bicicleta nos Planos. O trajeto à frente era de cinco quilômetros do Bairro de São José até a redação, no Espinheiro. A cidade parada, com poucos veículos nas ruas me impeliu a subir numa magrela após uns 20 anos sem pedalar.
A breve experiência, que se repetiu em outras oportunidades, com trânsito mais intenso, me fez compreender algumas das bandeiras do movimento dos cicloativistas, como a construção de ciclovias. São reivindicações que têm menos de 300 dias para serem incluídas nos planos de mobilidade urbana brasileiros. Isso porque em abril de 2019 encerra-se o prazo para que todos os municípios com mais de 20 mil habitantes construam esse documento. Um horizonte de tempo que fez surgir a mobilização do Bicicleta nos Planos. O movimento tem por objetivo estimular a inclusão do modal nos novos marcos legais que serão aprovados em todo o País.
“Estamos monitorando e ajudando na construção de diversos planos de mobilidade urbana municipais. Temos a meta de introduzir neles as diretrizes básicas para pensar a inclusão da bike”, afirma o coordenador nacional do Bike nos Planos, João Paulo Amaral, conhecido como JP. Ele esteve em Pernambuco para uma visita a Caruaru, onde aconteceram oficinas com diversos atores do poder público municipal e também foi lançada uma unidade do Bike Anjo (rede de ciclistas que ajuda pessoas a começarem a utilizar o modal).
Entre as diretrizes, JP destaca como básica a priorização do transporte ativo, em detrimento do motorizado. E aponta três eixos específicos para fomentar o ciclismo como alternativa de mobilidade nas cidades. O primeiro é melhorar a infraestrutura cicloviária (abrangendo bicicletários, ciclovias e ciclofaixas). O segundo aspecto é a governança das bikes, que diz respeito ao desenvolvimento de novas leis que orientem uma transformação das cidades. Exemplo disso seria a obrigatoriedade de incluir bicicletários nos projetos de construção de grandes empreendimentos ou que as novas vias sejam projetadas com a faixa para os ciclistas. O terceiro aspecto refere-se a educação e marketing para o estímulo do uso desse modal.
Na minha experiência com a bike nas ruas, a ausência de ciclovias e mesmo o desconhecimento (meu e dos motoristas) sobre o convívio dos diferentes modais no trânsito me colocaram em alguns sufocos. Dificuldades que foram superadas com um pouco de paciência no percurso concluído em 24 minutos.
Para a articuladora estadual do Bike Anjo, Bárbara Barbosa, essa campanha por mais infraestrutura é voltada, principalmente, para novos ciclistas. “Defendemos esses investimentos para estimular mais pessoas a usar bicicletas. Nossa mobilização é para quem se sente inseguro no pedal. Assim teremos um trânsito mais humano e melhor para as cidades”.
O aspecto cultural e educativo é outro entrave a ser superado. Disseminar a prática do uso desse modal em cidades construídas para veículos motorizados individuais e com uma cultura “carrocrata” nas grandes metrópoles, como no Recife, não é tarefa fácil. JP lembra que para além da mobilidade, há outros benefícios que a população deve considerar. “Bicicleta não é interessante apenas para a mobilidade. Mas traz benefícios para a saúde das pessoas e para a preservação ambiental, já que não gera poluentes. Também tem um uso turístico. Mas sabemos que nos grandes centros urbanos um grande desafio é promover a democratização do espaço público”.
O Bike Anjo desenvolve vários projetos de estímulo ao uso do modal. O “De bike ao trabalho” e o “Bike da Escola”, por exemplo, incentivam profissionais e estudantes a se deslocarem com as magrelas até seus destinos. Em Caruaru o grupo fez uma pequena experiência de deslocamento com professores, alunos e representantes da Secretaria de Educação até a escola. Outro destaque é o “Bike na Periferia”, que tem a meta de promover a bicicleta nos bairros mais distantes do Centro. Há também a EBA (Escola Bike Anjo). Nela os ciclistas voluntários dão aula para ensinar os primeiros passos nas pedaladas ou para dar dicas sobre como pedalar nas ruas com segurança.
O Bike Anjo pretende seguir interiorizando suas atividades ao longo de 2018. Hoje a maioria das ações se concentra no Recife. Mas a rede já conta com bases em Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e tem proposta para começar também em Serra Talhada.
E para os que pensam em aderir à “magrela”, a boa notícia é que o sistema de compartilhamento de bicicletas será ampliado. “Faremos a expansão do Bike PE. Hoje temos 80 estações, que foram renovadas recentemente. Nossa meta é ousada, temos condições de chegar a 500 estações e incluir dois novos municípios”, projeta Jáson Torres. As novas cidades que podem ser incluídas são Paulista e Cabo de Santo Agostinho.
*Por Rafael Dantas, repórter da Algomais (rafael@algomais.com)