“Cidade-esponja é um caminho para o Recife se adaptar a eventos climáticos extremos” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

“Cidade-esponja é um caminho para o Recife se adaptar a eventos climáticos extremos”

Revista algomais

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Mila Montezuma, arquiteta que pesquisa como tornar as cidades resilientes a eventos extremos, fala das medidas factíveis para a capital pernambucana e ressalta a iniciativa do Projeto Recife Cidade Parque. Também informa sobre o NXR, evento em Haia que vai debater como evitar que a capital holandesa seja submersa pela elevação do mar.

A arquiteta recifense Mila Montezuma tem-se dedicado a pesquisar soluções para proteger cidades e seus moradores dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas – como grandes tempestades e o aumento do nível do mar. Ela começou suas pesquisas investigando a situação do Recife e desenvolveu uma proposta para torná-lo resiliente à elevação do oceano, a partir de um sistema de três parques situados entre o mar e a praia, que denominou Membrana Anfíbia.

Hoje ela reside e continua suas pesquisas na Holanda, país que, assim como o Recife, é banhado pelo mar e cortado por canais e rios, portanto vulnerável à transformação do clima. Recentemente tem estudado o tema das cidades-esponjas junto a instituições e pesquisadores da Europa e China. Nesta entrevista a Cláudia Santos, Mila fala das suas pesquisas e das medidas que podem proteger a capital pernambucana das mudanças climática. Também aborda o NXR, evento do qual participa da organização, que será realizado em Haia com o objetivo de encontrar caminhos para proteger a capital política da Holanda de ser inundada com o avanço dos eventos extremos.

O que são cidades-esponja?

Cidades-esponja são projetos urbanos baseados na natureza para gerenciar todo o ciclo da água, abordando precipitação, captação, gestão da água superficial, absorção, infiltração, recarga do lençol freático, filtragem e reutilização da água. Esse conceito visa mitigar eventos climáticos extremos, como enchentes e secas, ao criar mais espaços para as águas: com retenção e infiltração da chuva no solo no local, funcionando como uma esponja que retém água para uso futuro.

O conceito visa mitigar eventos climáticos extremos, ao criar mais espaços para as águas: com retenção e infiltração da chuva no solo, funcionando como uma esponja que retém água para uso futuro (na foto o parque alagável às margens do Rio Yongningantes na cidade chinesa de Taizhou).

Como defende Kongjian Yu, criador das cidades-esponja e consultor do governo chinês – com quem pude colaborar durante minha pesquisa – existem três estratégias principais. Uma delas é reter a água da chuva, quando cai em sistemas hídricos como açudes, lagoas. As áreas próximas devem ser permeáveis e porosas e também são buffers (esponjas), com sistemas de porosidades. Outra estratégia é reduzir a velocidade dos rios, dando tempo para a natureza absorver suas águas (canalizá-los com concreto apenas aumenta a sua velocidade) e a terceira estratégia é adaptar as cidades para que tenham áreas alagáveis, ou seja, grandes estruturas naturais alagáveis, para onde as águas possam escorrer sem causar destruição e depois serem absorvidas pelo lençol freático.

Essas cidades usam infraestruturas verdes e azuis (vegetação e água) de maneira sistêmica, com soluções interconectadas, como canais naturais abertos, corredores ecológicos, tetos verdes e tanques de captação de água. A abordagem é multiescalar, abrangendo desde grandes bacias hidrográficas até segmentos de ruas e lotes individuais. Nessas diferentes escalas, medidas são implementadas para gerenciar as águas.

Parque alagável Yanweizhou, na cidade de Jinhua, na China.

Você poderia detalhar que tipos de medidas poderiam ser adotadas?

Na escala regional (das bacias hidrográficas) são necessárias medidas estruturais, a exemplo de grandes corredores verdes e áreas de mananciais com mata ciliar, pântanos e zonas úmidas restauradas, além de medidas não-estruturais, como políticas de proteção de bacias hidrográficas e programas de reflorestamento. Já na escala urbana são previstas medidas estruturais, tais como redes de parques, praças e cinturões verdes que ajudam a amortecer o excesso de água e gerenciar a drenagem; além de sistemas de lagos e lagoas urbanas. Como medidas não-estruturais estão planos diretores de uso do solo que incentivam a adaptação climática e integração de espaços verdes na infraestrutura da cidade.

Na escala de bairro, podem ser instaladas como medidas estruturais pequenos jardins públicos (rain gardens) e parques de infiltração com sistema de drenagem que permitem a retenção e infiltração da água no solo. Já as medidas não estruturais abrangem iniciativas de jardinagem comunitária, zonas de regulação de construção, incluindo normas que exigem ou incentivam a inclusão de elementos de design sustentável nos novos projetos de construção.

Para as ruas (escala local) a implantação dos chamados bioswales, que são canaletas verdes ao longo das calçadas para absorver a vazão de água, além de pavimentos permeáveis e calçadas verdes são algumas das medidas estruturais e entre as não estruturais estão o tráfego compartilhado com superfícies permeáveis; programas de manutenção e limpeza das infraestruturas de drenagem existentes.

Na escala do lote (das casas) podem ser instalados como medidas estruturais os jardins de infiltração (soakaway gardens), são pequenas áreas de solo escavado e preenchido com material permeável para infiltração da água da chuva. Outras providências seriam tetos verdes, tanques de captação de águas pluviais, jardins e pavimentação permeável. E, como medidas não estruturais, a existência de incentivos fiscais e subsídios para proprietários que adotam práticas de gestão sustentável da água, como tetos verdes, jardins frontais ou sistemas de captação de água e adoção de programas de certificação ambiental, como o LEED (Leadership in Energy and Environmental Design, que busca incentivar e acelerar práticas de construção sustentável).

A implementação de cidades-esponja visa aumentar as áreas permeáveis e os espaços verdes e azuis, contribuindo para a redução das enchentes e promovendo uma gestão hídrica mais integrada ao ambiente urbano e sua geografia original.

A solução da cidade-esponja seria o caminho para o Recife se preparar para eventos extremos das mudanças climáticas, como aconteceu no Rio Grande do Sul?

Com certeza. O conceito de cidades-esponja é um caminho que vem sendo estudado no Recife para se preparar para eventos climáticos extremos, como os observados no Rio Grande do Sul, especialmente considerando suas características geográficas (topografia, geologia, hidrologia e cultura). O Recife é uma planície fluviomarinha estuarina de dimensão metropolitana, costeira e de baixas altitudes, situada em uma planície alagável coroada por morros baixos e cortada por três principais rios: Capibaribe, Beberibe e Tejipió. É um território densamente urbanizado com fragmentos de Mata Atlântica e manguezal.

Especialmente após participar do Conselho Executivo da Cooperação China-Europa em Cidades-Esponja, em missão técnica na China com profissionais como Konjian Yu, entendo que o conceito de cidade-esponja é um caminho viável para o Recife mitigar efeitos de cheias e secas e se adaptar a eventos climáticos extremos, pois utiliza infraestruturas como parques, jardins de chuva, pavimentos permeáveis e bioswales para infiltrar e reter a água da chuva. Isso reduz o risco de enchentes durante fortes chuvas e armazena água para períodos de seca.

O conceito de Recife Cidade-Parque, que integra as bacias dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió com o Parque Marinho sob o conceito de Membrana Anfíbia, utiliza grandes áreas verdes e azuis como sistemas de filtros urbanos: para absorver e gerenciar a água de forma sustentável, protegendo o ambiente e a diversidade cultural e biológica.

Medidas específicas para o Recife incluem um plano estratégico de paisagem holístico, sistêmico, como, por exemplo, a restauração de corredores verdes e zonas úmidas ao longo dos rios principais na escala regional, a criação de redes de parques e praças alagáveis na escala urbana, e a implantação de jardins de chuva e pequenos parques em bairros residenciais.

Para as ruas, a instalação de bioswales e pavimentos permeáveis ajuda na gestão das águas pluviais, enquanto em lotes individuais, a instalação de tetos verdes e sistemas de captação de água da chuva, juntamente com pavimentação permeável, contribuem para uma melhor infiltração e armazenamento de água.

O Projeto Recife Cidade Parque com seu enfoque nos quatro grandes parques articulados, já indica um alinhamento com essas estratégias (o Recife Cidade Parque é um projeto de pesquisa de desenvolvimento e inovação, fruto de convênio entre a Universidade Federal de Pernambuco e a Prefeitura do Recife, que estuda as possibilidades de tornar a cidade mais resiliente às mudanças climáticas, por meio de um sistema de parques públicos nas margens dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió e na área marinha. A primeira iniciativa é o Parque Capibaribe).

Vale ressaltar que as cidades-esponja focam nos alagamentos pluviais e não costeiros, como também é o caso do Recife, especialmente frente ao desafio da elevação do nível do mar. Entretanto, a universalidade desses conceitos e a adoção de medidas estruturais e não estruturais em diferentes escalas pode ajudar o Recife a mitigar os efeitos das mudanças climáticas, proporcionando uma gestão mais eficaz das águas pluviais e criando um ambiente urbano mais resiliente.

A Membrana Anfíbia foi pensada para se desdobrar num sistema de três parques articulados. O primeiro é o Parque Tecnológico-Energético, situado entre 1.000 a 1.500 metros da costa, voltado à geração de energias renováveis maremotriz, eólica e fotovoltaica.

Como seria esse Parque Marinho a partir do conceito da Membrana Anfíbia que seria complementar às medidas da cidade-esponja?

A Membrana Anfíbia é uma estrutura adaptável concebida para proteger áreas costeiras contra inundações para além das chuvas e erosão, melhorando a qualidade da água, promovendo a biodiversidade, gerando energia renovável, limpa. Integrar um Parque Marinho com a Membrana Anfíbia às medidas de uma cidade-esponja ampliaria a proteção e adaptação costeira, funcionando como uma barreira física contra a subida do nível do mar e ondas fortes, além de atuar como um filtro natural que melhora a qualidade da água.

A Membrana Anfíbia foi pensada para se desdobrar num sistema de três parques articulados. O primeiro é o Parque Tecnológico-Energético, situado entre 1.000 a 1.500 metros da costa, voltado à geração de energias renováveis: maremotriz, eólica e fotovoltaica. Um objetivo também dessa primeira “camada” de proteção é contribuir para a viabilidade econômica da iniciativa.

O segundo é um Parque de Ilhas Flutuantes, localizado entre 500 a 1.000 metros da praia, que amorteceria o processo de erosão provocada pelo impacto das ondas marinhas “turbinadas”, inclusive, pela elevação do nível do oceano. É uma região que tem o papel de resguardo e regeneração da vida selvagem, com restabelecimento de restingas e coqueirais.

O terceiro é um Parque de Piscinas Filtrantes, a até 500 metros da costa – raio de influência da mobilidade ativa a pé. Seus principais objetivos são a criação de espaço público de qualidade e a purificação das águas, temperando sua qualidade e controlando o nível das marés. Haverá neste parque o restabelecimento da vegetação de restinga, ecossistema hoje ameaçado na cidade, além de canais e coqueirais. É justamente neste parque que seria locado o indispensável sistema de eclusas (pontos de passagem entre desníveis), válvulas e interfaces sensíveis tecnológicas para controlar a variação das águas em termos de nível, salinidade, e pH, permitindo, inclusive, a circulação de espécies.

O segundo é um Parque de Ilhas Flutuantes (acima), entre 500 a 1.000 metros da praia, que amorteceria o processo de erosão provocada pelo impacto das ondas. O terceiro é um Parque de Piscinas Filtrantes, a até 500 metros da costa, para a criação de espaço público e controle do nível das marés.

Fale um pouco da sua experiência no IHE Delft Institute for Water Education e no Conselho Executivo da Cooperação China-Europa em Cidades-Esponja?

Fiz mestrado em Ciência e Engenharia da Água, com especialização em Gestão Sustentável das Águas Urbanas e Cidades Resilientes ao Clima no maior instituto de educação em águas do planeta, o IHE Delft, uma célula da Unesco. O IHE Delft Institute for Water atua com a perspectiva de um mundo livre de pobreza e injustiça, no qual as pessoas possam gerir os seus recursos hídricos e ambientais de forma sustentável e equitativa.

Como copresidente dos profissionais em águas da Unesco-IHE/ Delft, tive a oportunidade de representar 127 pessoas de mais de 56 países. Como coletivo, representamos múltiplas línguas, religiões, gêneros, raça, identidades sociais, histórias complexas, perspectivas e desafios. Todas as características culturais que normalmente separariam pessoas, tribos e até países estão aqui alinhadas pelo mesmo propósito: as águas. Hoje, como amigos e especialistas em água altamente capacitados, parece ser uma lição para a humanidade. Atualmente, participo de missões técnicas em sistemas de águas urbanas adaptativos como UN-Water Conference (EUA), China, Bangladesh, etc.

Também recebi o convite para desenvolver pesquisa e tese no âmbito do projeto China-Europe Cooperation on Sponge Cities, parte da China-Europe Water Platform. Essa parceria internacional bilateral envolve o IHE Delft, TU Delft, Deltares, com financiamento do Rijkswaterstaat (Ministério de Infraestrutura e Gestão de Água do Reino dos Países Baixos). As lições buscavam aprofundar e otimizar o conceito de cidades-esponja da China. O objetivo era adaptar e otimizar essas metodologias a diversas situações, desde o cotidiano até eventos extremos, criando uma estrutura de ações para a gestão de intervenções hídricas em níveis local, urbano, regional e de bacias hidrográficas.

Como parte da investigação prática, estudamos a cidade-piloto-esponja na China, Zhengzhou, que enfrentou uma inundação extrema em 2021. O objetivo foi analisar o evento de inundação pluvial, aprender com as falhas passadas e adaptar as soluções espacialmente aos níveis de bloco, cidade e bacias hidrográficas dos rios Amarelo e Huaihe. Na China, colaboramos com a instituições como a North China University of Water Resources e a Universidade de Beijing – com Kongjian Yu, criador do conceito de cidade-esponja. Os resultados dessa pesquisa foram apresentados em dois artigos científicos teóricos e práticos. Mais ações estão por vir.

Você participa da organização do evento NXR que será realizado em Haia (Holanda) e contará com a participação do projeto Recife Cidade Parque. Como será o evento?

O Workshop Internacional Dutch Exchange Recife (NXR-2024) “Designing for Extremes: Heritage Strategies to Sea Level Rise Adaptation in The Hague” celebra uma parceria de mais de 10 anos entre a RCE (Agência do Patrimônio Cultural do Reino dos Países Baixos) e a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), em articulação com a ONU-Habitat. Essa colaboração visa desenvolver estratégias patrimoniais para enfrentar os desafios relacionados à água, alinhando-se aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e à Nova Agenda Urbana, e contribuindo de forma transversal para a COP 30 (30ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas da ONU) que será no Brasil em 2025.

O objetivo do NXR é investigar e propor visões estratégicas que ajudem a conscientizar a sociedade sobre os impactos da elevação do nível do mar, ressaltando a importância histórica e cultural das cidades estudadas. Envolve atores sociais estratégicos na busca por soluções inovadoras e urgentes para problemas que afetarão não apenas as cidades analisadas, mas também diversas outras cidades costeiras nos próximos anos.

Nessa parceria entre brasileiros e holandeses, foi realizada, em 2021, a investigação do território do Recife, a capital mais antiga do País e 16º hotspot climático, ameaçado por uma significativa parte do seu território estar em risco de submersão nas próximas décadas. Hipóteses sobre o aumento do nível do mar, incluindo a implementação da Membrana Anfíbia, foram levantadas.

Agora a investigação foca no território de Haia, a capital política holandesa, onde 80% do território está ameaçado pela subida do nível do mar. A coordenação executiva do evento envolve a Agência do Patrimônio Cultural do Ministério da Ciência, Cultura e Educação dos Países Baixos, a Prefeitura da Cidade de Haia, a Delft University of Technology, a PortCityFutures (Universidades de Leiden, Delft e Erasmus), e o Institute for Water Education UNESCO-IHE, em parceria com pesquisadores brasileiros da Universidade Federal de Pernambuco, Prefeitura da Cidade do Recife e a Rede Clima (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil).

O workshop será realizado de 17 a 21 de junho, em formato intensivo, para levantar ideias urbanas de adaptação e proteção de Haia contra o aumento do nível do mar.

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