Sim, antes de comer os nutrientes, come-se os símbolos, lugares e histórias. São verdadeiros rituais de autofagia das próprias referências sociais, certamente escolhidas e processadas pelas civilizações, pelas culturas durante a formação dos paladares.
Cada ingrediente, cor, textura, processo culinário, quantidade e estética do prato têm significados próprios, e passam a ser referências para legitimar pessoas e sociedades.
Na comida tudo é plural, complexo, diverso e funcional. Nela sempre há importância histórica, econômica, política, religiosa, moral e cultural, porque além de alimentar a barriga também alimenta a identidade e o pertencimento. É a celebração plena do onívoro que se representa nas suas escolhas e simbolizações. E isto é fundamental para a relação do homem com o que ele come, quando come, com quem come, e se come com os outros homens ou com os deuses. Estas são algumas das muitas questões, entre tantas, que fazem da comida e da comensalidade um momento complexo do ritual da alimentação.
Tudo isso se amplia com a crescente glamourização da comida, e da circulação rápida das informações, e tudo que é referente a este universo é fantástico e emocional, e nos faz ficar comovidos diante do alimento.
A economia quer, cada vez mais, neste mercado de abrangência global, ordenar as regras, as modas e as escolhas do que se come com a busca pelos restaurantes “estrelados” ou na padronização extrema das grandes redes e fast food, quando come-se a mesma comida em diferentes lugares do mundo.
As redes sociais fazem ferver este campo aberto que é o da comunicação pela comida. Isto é sensacional, pois mostra as arenas do grande circo midiático que vivemos no cotidiano com a espetacularização da gastronomia. Também há um crescente número de atores sociais que buscam notoriedade, fama, mercado de trabalho, e exposição midiática por meio da comida.
Hoje, com certeza, a glamourização da comida afirma –se cada vez mais no universo da comunicação, e que vai muito além da boca; porque a comida traz antes de tudo um lugar privilegiado dentro das relações de poder e fama. Nas hierarquias dos “chefes” de cozinha que em alguns casos são considerados quase divindades, porque certamente oferecem ao consumo suas assinaturas e suas exclusividades em espaços verdadeiramente mitológicos. Com certeza, nestes contextos destacam-se talentos, estilos e sem dúvida interesses comerciais. .
O mercado da gastronomia é voraz, e, tem fome de fama, de sabores, de memórias, de lugares, de territórios, e de pessoas. Os indivíduos são expostos ao crescente valor simbólico e midiático de onde comer, comer a comida de quem, e que tipo de comida deve comer, para se distinguir dos outros.
As ondas fusion, confort food e fast food são maneiras contemporâneas de fazer e comercializar comida e, com certeza, a globalização impõe rótulos preferencialmente em inglês para informar ou afirmar glamourização.
No caso do fast food, pode-se entender este processo de vender comida preferencialmente na rua, que sempre esteve integrado ao hábito do brasileiro, que geralmente come o tacacá, o acarajé, a tapioca, a pipoca, ou outro alimento de consumo fácil na rua. E não podemos esquecer da conhecida Kombi do cachorro quente que foi repaginada na nova onda do food truck.
Bem, estes mercados tão diversos e dinâmicos mostram uma crescente glamourização da comida, dos chefes, dos restaurantes entre muitos outros lugares e intérpretes que se expõem muito além do alimento.
Muitas vezes nem é comer a comida. É postar a comida nas redes socias, um tipo de alimentação do ego cibernético.
*Raul Lody é antropólogo