Cooperativismo De Crédito Ganha Força E Movimenta R$ 2,5 Bilhões Em Pernambuco - Revista Algomais - A Revista De Pernambuco
Cooperativismo de crédito ganha força e movimenta R$ 2,5 bilhões em Pernambuco

*Por Rafael Dantas

As cooperativas de crédito em Pernambuco estão próximas de ultrapassar a marca dos 100 mil cooperados. As seis organizações que atuam no Estado somaram juntas R$ 2,5 bilhões em ativos em 2024, o que representou um crescimento de 20,2% em relação ao ano anterior. Segundo o último Anuário do Sistema OCB (Organização das Cooperativas do Brasil), foram registradas pelo segmento no ano passado mais de R$ 38 milhões em sobras – resultados financeiros positivos das atividades. Diferentemente do lucro dos bancos tradicionais, essas sobras são distribuídas entre os cooperados, conforme a participação de cada um nas operações.

Mas a relevância desse segmento é maior que os números. Elas atuam diretamente no suporte ao desenvolvimento local e têm um papel de inclusão importante, atingindo cidades menores em que o sistema bancário tradicional não investe. Além disso, um ingrediente que ajuda a explicar o crescimento nos últimos anos, mesmo em períodos turbulentos de mercado, é a humanização do atendimento.

“O cooperativismo de crédito em Pernambuco tem se consolidado como uma alternativa sólida ao sistema financeiro tradicional, promovendo inclusão financeira, desenvolvimento local e fortalecimento da economia regional. Em 2024, o Estado contava com 93.941 cooperados, 481 empregos gerados e um crescimento expressivo nas operações de crédito”, afirmou Valdeci Monteiro dos Santos, economista, sócio-diretor da Ceplan Consultoria e professor da Unicap.

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Valdeci Monteiro ressalta que as cooperativas proporcionam inclusão financeira e fortalecimento da economia regional, além de oferecer diferenciais ao cliente. “Ele participa das decisões e dos resultados, o que não acontece nos bancos tradicionais”.

Dados do Banco Central indicam que 469 municípios do País têm atuação exclusiva das cooperativas de crédito. Esse indicador vem crescendo nos últimos anos, com o fechamento de agências bancárias tradicionais. Segundo pesquisa da PUC-Rio, enquanto bancos tradicionais exigem pelo menos 8 mil habitantes para instalar uma agência, cooperativas de crédito conseguem atuar em municípios com apenas 2,3 mil habitantes e PIBs menores, facilitando o acesso a serviços financeiros em locais onde o sistema bancário convencional não chega.

Em Pernambuco, o cooperativismo de crédito na Região Metropolitana do Recife conta com o Sicredi Recife, a Unicred e o Sicoob Pernambuco. Já nas regiões da Zona da Mata, Agreste e Sertão, destacam-se o Sicredi Centro PE, a Unicred e o Sicoob Pernambuco. No Sertão do São Francisco, o setor é representado pelo Sicredi Vale do São Francisco, pela Cresol e também pela Unicred.

O QUE DIFERE A ATIVIDADE DO COOPERATIVISMO?

O cooperativismo de crédito possui diferenças importantes em relação ao sistema bancário tradicional, não apenas em sua estrutura. Enquanto os bancos convencionais operam como empresas com fins lucrativos, voltadas à geração de retorno para acionistas, as cooperativas de crédito são instituições financeiras sem fins lucrativos, formadas por pessoas que se associam voluntariamente para atender às suas próprias necessidades financeiras. “O cliente da cooperativa é também sócio. Ele participa das decisões e dos resultados, o que não acontece nos bancos tradicionais”, explica o economista Valdeci Monteiro.

Essa diferença de natureza se reflete diretamente nas condições oferecidas e na relação com os cooperados. As cooperativas tendem a praticar taxas de juros mais baixas, menos tarifas e maior flexibilidade, enquanto os bancos costumam seguir políticas padronizadas e priorizar mercados de maior rentabilidade.

Além disso, o cooperativismo de crédito mantém sua gestão descentralizada e participativa, em que cada associado tem voz e voto, promovendo um senso de pertencimento e responsabilidade coletiva. Uma tendência global muito moderna com os crowdfundings, por exemplo, mas que está no DNA do cooperativismo desde o seu nascimento. “O principal diferencial é a gestão democrática. O associado tem o direito de opinar nas assembleias e participa dos resultados – algo que não existe no sistema bancário tradicional. Eu não vendo só por vender. A prioridade é entender a necessidade do associado e oferecer uma consultoria financeira, não uma venda casada”, afirmou Elísio Guerra de Souza, diretor-executivo do Sicredi Recife.

Almir Sicoob

Onde captamos, ali fazemos nossas operações com as arrecadações e depósitos dos associados do local. Isso é diferente dos bancos tradicionais que estão em grandes cidades. O poder de decisão, às vezes não favorece as regiões que precisam daquele recurso". Almir Miranda

Outro ponto que distingue o modelo cooperativo é o impacto no desenvolvimento local. Por atuarem próximas das comunidades, as cooperativas canalizam seus recursos para fortalecer pequenos negócios, produtores rurais e economias municipais, estimulando a geração de emprego e renda. “Onde captamos, ali fazemos nossas operações com as arrecadações e depósitos dos associados do local. Isso é diferente dos bancos tradicionais que estão centralizados em grandes cidades do País. O poder de decisão, às vezes, termina não favorecendo as regiões que precisam daquele recurso”, explica Almir Miranda, representante da Comissão Consultiva do Ramo Crédito da OCB-PE (Organização das Cooperativas Brasileiras de Pernambuco).

APOSTA NO DESENVOLVIMENTO LOCAL

A presença local de cooperativas de crédito acrescenta em média R$ 48,10 por habitante, em arrecadação municipal, segundo um estudo conduzido pelo Sistema OCB e pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Isso é 8,7% acima da média das cidades brasileiras. Além disso, outro indicador relevante é que onde o segmento está presente, a massa salarial por habitante é R$ 115,5 superior, o que representa 23,5% a mais que a média nacional.

Mais do que fortalecer a renda e as finanças municipais, o cooperativismo de crédito gera um efeito multiplicador expressivo na economia. De acordo com estimativas da Fipe, cada R$ 1 aplicado em crédito ou gasto pelo sistema cooperativo impulsiona R$ 2,56 em atividade econômica, ampliando a produção e estimulando cadeias locais. Esse impacto evidencia como o modelo cooperativista transforma a intermediação financeira em um instrumento direto de desenvolvimento regional.

O empresário Marcos André Rocha, de Petrolina, é um exemplo do impacto do segmento na vida de empreendedores locais. Atuando no setor de distribuição de cimento no Vale do São Francisco, ele começou do zero, com apenas o apoio da esposa e muita vontade de crescer. O ponto de virada para a MR Cimentos veio quando conheceu a Cresol, abriu sua conta e teve acesso a R$ 30 mil. “A cooperativa viu potencial na minha empresa. Com o empréstimo ela teve um desenvolvimento bom. Fomos crescendo e hoje sou um dos maiores na cidade”.

A parceria com a Cresol possibilitou uma expansão constante do negócio. Após o crédito inicial, a empresa conseguiu novos empréstimos para investir em caminhões, galpões e estrutura física, além de capital de giro. Rocha destaca que o relacionamento com a cooperativa foi essencial não apenas para o crescimento financeiro, mas também para o amadurecimento como empreendedor. “Foi muito bom na minha vida pessoal e profissional. Sempre estamos acompanhando o desenvolvimento de Petrolina e ajudando também a cidade a crescer”, declarou Marcos.

Hoje, o empresário é dono de uma empresa que atua em Petrolina e Juazeiro, empregando cerca de 30 pessoas e com um faturamento médio mensal entre R$ 2 milhões e R$ 2,5 milhões. A expectativa é de um faturamento anual de R$ 30 milhões.

APOSTA NO EMPREENDEDORISMO

Quem também contou com o apoio do cooperativismo de crédito para recomeçar em Pernambuco foi a empresária Vanessa Diniz. Vinda de Curitiba, ela chegou ao Estado com mais coragem do que recursos, determinada a reconstruir a vida e abrir um negócio que refletisse sua paixão pela beleza e pela autoestima feminina. Mãe e empreendedora por natureza, enfrentou inúmeras recusas de instituições financeiras tradicionais por não ter histórico de crédito ou patrimônio na nova cidade. O cenário começou a mudar quando conheceu a Sicredi Recife, a primeira a enxergar não apenas números, mas o potencial e o propósito por trás de seu sonho.

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Com mais coragem do que recursos, Vanessa Diniz conseguiu realizar o sonho de abrir um salão de beleza graças à Sicredi-Recife. “Eles não olharam apenas para meus números. Acreditaram no meu potencial, mesmo quando eu não tinha nada além da vontade de trabalhar”

“O Sicredi não olhou apenas para meus números. Olhou para mim. Acreditou no meu potencial, mesmo quando eu não tinha nada além da vontade de trabalhar”, conta Vanessa. Com o relacionamento iniciado na cooperativa, ela acessou cartão de crédito e o empréstimo que foi o pontapé para nascer o Universo das Loiras, um salão que começou pequeno, mas logo cresceu na Região Metropolitana do Recife.

Com apenas 5 anos de atuação no segmento, a empresa possui mais de 15 colaboradores e conta com uma estrutura moderna no seu negócio. “Eu não tinha dinheiro, mas tinha um sonho. O Sicredi acreditou – e hoje esse sonho se transformou em uma empresa sólida e reconhecida”, declara com emoção a empresária. “O Sicredi não me emprestou apenas dinheiro. Me emprestou confiança, esperança e a chance de recomeçar.”

Um aspecto em comum em ambas as histórias de empreendedorismo foi o reconhecimento mais particular que as cooperativas viram nos empreendedores. Não eram apenas planilhas e dados, mas a percepção do potencial do negócio e um olhar das pessoas que estão por trás dos projetos. Essa humanização do atendimento é uma das diferenças ressaltadas pelo gerente da Cresol Petrolina, Andrio Sartori.

“O nosso diferencial é tratar cada associado como parte do negócio, e não como mais um cliente”, destaca o gerente. “Buscamos entender a realidade de cada cooperado e oferecer linhas de crédito seguras, que não comprometam o futuro do produtor. Isso tem feito muita gente migrar de bancos tradicionais para as cooperativas.” Segundo ele, muitos dos novos cooperados chegaram insatisfeitos com a burocracia e a demora de outras instituições financeiras.

Andrio Cresol

Buscamos entender a realidade de cada cooperado e oferecer linhas de crédito seguras, que não comprometam o futuro do produtor. Isso tem feito muita gente migrar de bancos tradicionais para as cooperativas." Andrio Sartori

A Cresol Petrolina, por exemplo, vem consolidando sua atuação no cooperativismo de crédito no Sertão pernambucano. Com mais de 1.800 cooperados, a agência tem registrado um crescimento expressivo nas operações, especialmente voltadas ao financiamento da agricultura familiar e do comércio local. Cerca de 60% dos cooperados são produtores rurais de uva, manga, coco, acerola, goiaba, além de criadores de gado, caprinos e ovinos. Os demais associados incluem empreendedores urbanos, como donos de farmácias, postos e pequenos mercados.

Nos últimos meses, a Cresol Petrolina apresentou resultados que chamam atenção no sistema cooperativo nacional. Apenas entre janeiro e setembro deste ano, a carteira agrícola cresceu 40%, com projeção de chegar a 60% até dezembro. O volume de depósitos – incluindo poupança e aplicações – aumentou 333% em nove meses em relação ao ano anterior. Para Sartori, o avanço é reflexo da “agilidade nos processos e do atendimento próximo ao cooperado”.

Esse movimento acompanha a expansão do cooperativismo de crédito em todo o Estado, que registrou R$ 506,5 milhões em novos ingressos de recursos em 2024, contra R$ 187,4 milhões em 2023 – um crescimento de 170,1%. O avanço expressivo reforça a confiança dos associados.

SEGMENTO TEM ESPAÇO PARA CRESCER

Apesar de comemorar os avanços, Almir Miranda – que também é gerente regional do Sicoob PE – ressalta que há muito espaço para crescer, especialmente no Nordeste. Dentro do Brasil, por exemplo, a região responde por apenas 5% da quantidade de cooperados, segundo dados do Banco Central. O Brasil possui 7,6% da sua população associada a alguma cooperativa de crédito. Porém, no Nordeste, apenas 1,4% são cooperados no segmento. No sul, uma a cada quatro pessoas (24,6%) é associada ao cooperativismo de crédito, segundo dados do Banco Central.

“Temos muito espaço para crescer em Pernambuco e no Brasil. O nosso grande desafio é que o cooperativismo de crédito ainda não é conhecido como uma instituição financeira na maioria das cidades. As pessoas conhecem pouco o nosso serviço”, avalia Almir.

Em dezembro de 2024, 58% dos municípios brasileiros possuíam alguma unidade física de cooperativa de crédito. Porém, enquanto 100% das cidades do Sul são atendidas, no Nordeste a cobertura é de apenas 15,2%.

Nascido em São José do Egito, o Sicoob Pernambuco dispõe atualmente de 40 agências e fará a inauguração de mais cinco unidades até o final deste ano. A cooperativa já soma R$ 1 bilhão de ativos, um crescimento de aproximadamente 20% em relação ao ano passado. Além da maior abertura de agências e do avanço da comunicação, Almir também considera que o relacionamento é o fator que tem justificado o crescimento forte. “Também estamos no digital, mas a proximidade e o espírito do cooperativismo é uma das chaves da propagação. Conseguimos agregar esse diferencial e o sistema vai se expandindo a partir da indicação dos próprios cooperados”.

O Sicredi Recife é um dos destaques pernambucanos que vive uma fase de crescimento expressivo. De dezembro de 2024 até setembro de 2025, a cooperativa expandiu sua carteira de crédito em cerca de R$ 70 milhões, atingindo R$ 475 milhões. No mesmo período, ultrapassou a marca de R$ 1 bilhão em ativos, com aumento de aproximadamente 21% em relação ao ano anterior.

Elisio Guerra sicredi

Para Elísio Guerra, o futuro do segmento é promissor. “Na Alemanha, esse modelo está consolidado. Esse é o caminho que o Brasil vem trilhando, com mais pessoas entendendo que as cooperativas são seguras, sólidas e voltadas para o desenvolvimento local."

A exemplo do que acontece em países europeus, onde o sistema já foi disseminado, Elísio Guerra de Souza, diretor executivo do Sicredi Recife, avalia que o futuro do segmento é promissor. “O cooperativismo de crédito é muito forte na Alemanha, onde as cooperativas respondem por uma fatia importante do sistema financeiro. Lá, o modelo está completamente consolidado, e é esse o caminho que o Brasil vem trilhando – com mais pessoas entendendo que as cooperativas são instituições seguras, sólidas e voltadas para o desenvolvimento local”.

Dos quase 100 mil associados ao cooperativismo de crédito em Pernambuco, 21,8 mil são ligados ao Sicredi Recife. A organização está presente no Estado com 7 agências, incluindo cidades como Goiana e Vitória de Santo Antão. O sistema Sicredi, como todo, possui 64 mil associados no Estado. “A Sicredi Recife completou 32 anos e vem numa crescente, como todo o setor de cooperativas no Estado de Pernambuco e no Brasil também. Esse crescimento vem sendo mostrado, mas nossa penetração ainda é muito acanhada. Divulgar mais é o maior desafio. Há um crescimento grande em território nacional para buscar”, destacou Elísio.

APOIO INTERCOOPERATIVO

Além de empreendedores e empresas, o próprio sistema cooperativo também aciona as suas entidades de crédito. A relação da Coaf (Cooperativa dos Fornecedores de Cana de Pernambuco) com a Sicoob PE, por exemplo, tem sido um fator relevante para fortalecer a sua atuação no setor sucroenergético no Estado, com a produção de etanol, açúcar, cachaça e insumos agrícolas.

Segundo o presidente da Coaf, Alexandre Andrade Lima, o acesso a linhas de crédito com condições diferenciadas, especialmente para fluxo de caixa, permitiu que os produtores enfrentassem períodos de safra desafiadores, especialmente em momentos de instabilidade climática ou de oscilação nos preços do açúcar e do etanol. A cooperativa tem 1.938 cooperados, emprega 588 trabalhadores e faturou nos últimos 12 meses em torno de R$ 360 milhões.

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Segundo Alexandre Lima, o acesso a linhas de crédito com condições diferenciadas, permitiu aos produtores da Coaf enfrentarem períodos de safra desafiadores, como os provocados por instabilidade climática ou de oscilação nos preços do açúcar e do etanol.

Alexandre destaca que a principal vantagem está na agilidade e na confiança estabelecida entre as instituições. “A cooperativa de crédito tem sido uma grande parceira nossa. Ela entende a realidade do produtor rural, que nem sempre consegue se enquadrar nas exigências dos bancos tradicionais. Essa proximidade faz toda a diferença na hora de financiar a safra e garantir que o produtor continue investindo”.

O avanço do cooperativismo de crédito em Pernambuco reflete uma mudança cultural que vai além das finanças: é a valorização da proximidade e da participação coletiva. O modelo coletivo, que une propósito econômico e impacto social, mostra-se capaz de transformar pequenas comunidades em polos de prosperidade.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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