Embora pouco conhecidas do grande público em Pernambuco, as edições cartoneras têm sido uma alternativa para novos escritores publicarem suas obras diante da crise que o mercado editorial enfrenta. Trata-se de um processo artesanal, com tiragens pequenas, de normalmente 50 exemplares, em que os livros são produzidos manualmente com capas de papelão reaproveitado.
O movimento cartonero nasceu em 2003 na Argentina, que na época enfrentava uma grande recessão econômica. A iniciativa partiu do jovem escritor Washington Cucurto e do artista plástico Javier Barilaro. A ideia de unir a arte literária ao reaproveitamento do papelão baseia-se nos preceitos da economia solidária, tornando os livros mais acessíveis e baratos, ao reduzir os custos da sua produção.
Pernambuco é um dos locais no Brasil onde as cartoneras mais prosperaram e hoje existem aproximadamente 15 dessas editoras no Estado. Uma das mais atuantes, a Mariposa Cartonera foi fundada no Recife por Wellington de Melo, cuja obra de estreia nesse sistema artesanal foi O Caçador de Mariposas, lançada em 2013, em homenagem a seu filho Aleph. “Eu tinha esse poema longo e havia conhecido o movimento há um ano. Pensei que seria uma forma legal de fazer o livro, porque queria produzir cada exemplar com as minhas próprias mãos”, revelou o escritor e editor. Em sua 16ª edição, a obra foi até traduzida para o francês pela Cosette Cartonera. Na França, está na sua segunda edição.
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A Mariposa acumula 33 livros publicados de vários autores e mais de cinco mil exemplares concebidos. Além de Wellington, a designer-chefe Patrícia Cruz Lima e os editores Christiano Aguiar e Tatiana Lima Faria compõem a equipe. “A literatura contemporânea é o nosso carro-chefe. Temos muito cuidado em trabalhar apenas com autores e obras em que acreditamos. Por onde nós circulamos temos uma ótima aceitação de nossos livros, tanto do conteúdo estético quanto textual”, afirma Wellington. Cada obra da editora custa em média R$ 20.
A produção artesanal de livros em Pernambuco teve início com a oficina ministrada pela artista plástica Lúcia Rosa, da Dulcineia Catadora, de São Paulo, primeira cartonera do Brasil. A iniciativa foi promovida pela Secretaria Estadual de Cultura no Festival de Inverno de Garanhuns de 2012. Na época Melo coordenava o departamento de literatura daquele órgão estadual. “Estimulamos bastante o intercâmbio de experiências, por meio de oficinas na capital e no interior, o que intensificou a criação de editoras no Estado”, informou Melo.
De fato, outras editoras surgiram graças a oficinas realizadas pela secretaria e também pela Mariposa. É o caso da Lara Cartonera surgida no final de 2013, no IFPE (Instituto Federal de Pernambuco), no campus de Belo Jardim. “Após a oficina, enxerguei no movimento cartonero uma nova saída para a publicação de livros”, afirmou o poeta, editor e produtor cultural David Biriguy. O mesmo caminho foi seguido pela caruaruense Candeeiro Cartonera. “Ficamos espantados com algo que nunca tínhamos visto antes: um livro com capa de papelão. A obra era O Caçador de Mariposas. Decidimos fazer algo parecido”, conta o editor Marcelo Barbosa. Desse movimento também surgiu a Malha Fina, primeira cartonera universitária do País. Sua equipe é formada por professores, alunos e colaboradores.
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Como não estão dentro do sistema editorial de mercado, os livros das cartoneras não são vendidos nas livrarias convencionais. “Nem sempre é fácil encontrá-los porque estão inseridos num contexto alternativo em que a venda direta (feita pelos próprios autores ou editores) é muito mais priorizada. Às vezes, são comercializados durante eventos e até mesmo na internet”, comentou Melo, acrescentando que a exclusão do mercado tradicional permite que as cartoneras não sejam afetadas pela crise. “A liquidez é imediata, uma vez que você trabalha diretamente com o público”.
No entanto, é muito difícil um editor ou autor se sustentar apenas com a produção artesanal. “Ao participar de eventos, tenho percebido que a maioria das editoras ainda atinge um público muito reduzido”, lamenta Biriguy. “Precisamos formar leitores e isso deve ser feito ainda dentro da escola em um trabalho conjunto”, apontou o editor, que afirma ter dificuldades em vender os livros no interior. “A procura é quase que escassa. Em Belo Jardim, por exemplo, as vendas normalmente acontecem apenas em lançamentos. Já durante os eventos literários consigo ter vendas melhores”.
O estímulo ao movimento é escasso no interior, porém, existem exceções. A Macarajá Cartonera iniciou uma parceria com a Secretaria de Educação de Carnaíba, Sertão do Pajeú, para promover a formação de professores e apadrinhar a criação de um selo cartonero na cidade. “Lá é um oásis na realidade cultural", surpreende-se a editora e escritora da Macarajá, Patrícia Vasconcelos.
Apesar das dificuldades, as editoras seguem ampliando suas atuações. Em setembro passado, o Estado sediou o 1º Festival Internacional Cartonera, produzido pela Nós Pós. O evento contou com a participação de 21 editoras: três internacionais (Argentina, Chile e França), duas de São Paulo, quatro do interior de Pernambuco e as 12 restantes da Região Metropolitana do Recife. A feira teve a duração de um mês inteiro recheada de palestras e oficinas, que passaram por São Paulo e nas cidades pernambucanas de Lagoa dos Gatos, Garanhuns, Goiana e na capital. “Nós somos uma referência no País quando se trata do movimento cartonero”, orgulha-se Wellington.
*Por Marcelo Bandeira