*Por Rafael Dantas
Desde que começou a pandemia, a preocupação maior do sistema de saúde esteve focada nos idosos e pessoas com comorbidades. Menos vulneráveis ao vírus, as crianças estiveram como coadjuvantes neste triste drama da crise sanitária. Em 2022, finalmente, elas ganharam mais atenção com o começo da vacinação infantil. Muitas estão ansiosas para ser imunizadas. Mas, muito antes disso, a maioria delas ficou sem escolas, perdeu muito do tempo de lazer que teriam fora de casa, sem contar aquelas que sofreram com a partida de pais, avós ou amigos das suas famílias. Mais do que a vacina, há uma série de outras preocupações de saúde emocional dos pequenos a que os pais e a sociedade devem estar atentos.
Mesmo mais protegidas e não compreendendo completamente o momento que o mundo atravessa, as crianças perceberam parte da gravidade da pandemia. Bernardo Tashiro, 6 anos, disse as razões porque acha que esse período não foi nada bom. “A pandemia foi um desastre, porque eu não fui para a escola, porque muita gente morreu. Por causa disso. É ruim porque faz todo mundo ficar doente. O coronavírus é muito mau. Antes ele era pequeno e depois evoluiu. Ficou do mal”.
Enquanto muitos adultos parecem não ter compreendido a gravidade da pandemia, as crianças entrevistadas sempre associaram o coronavírus à enfermidade e a mortes. E o que foi recorrente nas reclamações foi o fato de terem ficado longe da escola e dos amigos e perdido os passeios que faziam em família. Bernardo, por exemplo, reclamou que com as aulas remotas no primeiro ano da pandemia, ficou sem o recreio da escola, que ele gostava muito.
No artigo científico A percepção de crianças cariocas sobre a pandemia de Covid19, SARS-CoV-2 e os vírus em geral, publicada no Caderno de Saúde Pública (CSP), uma revista da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, o coronavírus foi descrito pelas crianças como “um vírus, parecido com a gripe, só que é capaz de causar morte, seu nariz escorre, você não consegue respirar direito…”, ou como “uma doença que mata pessoas!”.
Maria Clara Almeida, 8 anos, também mencionou o risco de morte quando explicou o que era o coronavírus. “Coronavírus é um vírus que gosta de muita bagunça e gosta de matar. Todas as pessoas devem usar máscaras e lavar as mãos direitinho, passarem muito álcool. Mas não adianta. Ninguém lava as mãos direito. Eu tenho medo porque muita gente não está usando máscaras”.
Essa descrição dos cuidados básicos de prevenção da pandemia foi percebida também na maioria das crianças pesquisadas no artigo publicado pela CSP. “Notamos que as crianças participantes do estudo se mostraram conscientes dos riscos envolvidos e dos cuidados que devem ser tomados para a prevenção e a contenção do novo coronavírus, como o uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social. Portanto, estão cientes das principais recomendações dadas pela OMS. Diante desse contexto, enfatizamos a importância de as estratégias e decisões que envolvam e impactem diretamente a vida das crianças, como o retorno às aulas presenciais, levem em consideração seus sentimentos, preocupações e percepções do risco”, afirmaram as autoras do artigo Carolina Folino, Marcela Alvaro, Luisa Massarani e Catarina Chagas.
De acordo com a médica psiquiatra da infância e adolescência, Helena Cerqueira, o medo gerado pela pandemia (de contrair a doença ou transmiti-la para familiares) é um possível agente desencadeador de adoecimento mental a que os pais devem estar atentos. “Além disso, as medidas restritivas e lockdowns se traduziram em uma perda da rotina da escola, esportes, recreação, contato com amigos e oportunidades de desenvolvimento social e emocional. É de se esperar, portanto, um prejuízo emocional nessas faixas etárias”.
A psiquiatra conta que um estudo sobre o impacto da pandemia na saúde mental em crianças e adolescentes publicado no JAMA Pediatrics, em 2021, com 80 mil crianças e adolescentes menores de 18 anos, apontou que chegaram a dobrar os índices de ansiedade significativa e até de depressão nesse público. “O estudo também observou que crianças mais velhas e adolescentes tinham taxas maiores de depressão. Entre outros fatores, este último achado pode refletir o impacto do isolamento social em uma faixa etária que depende fortemente do convívio com os pares”.
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