A inteligência artificial como nova parceira na arte e na criação, desafiando nossos limites e redefinindo o que entendemos por criatividade.
*Por Rafael Toscano
Por muito tempo, a criatividade foi considerada um dom exclusivamente humano — algo que brota da alma, da experiência e da emoção. Pintar um quadro, compor uma sinfonia, escrever um poema: todas essas expressões pareciam exigir um tipo de sensibilidade que máquinas jamais alcançariam. Mas e se estivermos vivendo um momento em que essa ideia está sendo questionada?
Com o avanço da inteligência artificial, surgiram algoritmos capazes de criar imagens, músicas, histórias e até peças de teatro. Eles não apenas repetem padrões; eles inovam. Pintam no estilo de Van Gogh, compõem no estilo de Beethoven e escrevem como Shakespeare. Mas o que isso significa? A máquina está, de fato, criando? Ou estamos apenas vendo reflexos de nossa própria criatividade?
É aqui que o conceito de criatividade algorítmica entra em cena. Em vez de imaginar a IA como substituta do artista, podemos vê-la como parceira. Um pincel novo. Um instrumento que amplia nossas capacidades, desafia nossas ideias e abre novas portas para a imaginação. Quando usamos o Google Arts & Culture para transformar uma selfie em uma obra de arte barroca, não estamos apenas clicando em um botão. Estamos interagindo com um sistema que aprendeu, com milhões de obras humanas, a reinterpretar o belo.

Esse tipo de colaboração acontece também na música. Compositores já usam IA para sugerir melodias, criar harmonias e até improvisar solos. AIVA, por exemplo, é uma inteligência artificial treinada com milhares de partituras. Ela pode compor trilhas sonoras completas, e muitos ouvintes sequer percebem que estão escutando algo criado por uma máquina. Nesse caso, quem é o artista? O algoritmo? O programador? Ou o humano que escolheu as notas certas?
A literatura também entrou nessa dança. Modelos como o GPT (o mesmo que dá voz a esta conversa) são capazes de escrever contos, poemas e ensaios com fluidez impressionante. Eles aprendem com bilhões de palavras escritas por humanos, absorvendo estilos, estruturas narrativas e referências culturais. Ainda assim, falta-lhes algo essencial: intenção. Eles não têm desejo, nem propósito. Criam porque foram programados para isso, não porque têm algo a dizer.
E isso nos leva a uma pergunta essencial: o que define a verdadeira criatividade? É a originalidade? A emoção? A intenção? Quando uma máquina cria, ela está expressando algo — ou apenas simulando expressão? Talvez a resposta não seja simples. Talvez a IA esteja nos forçando a expandir nossa definição de criatividade, incorporando novas formas de colaboração e inspiração.
Mais do que substituir artistas, a IA está ajudando a criar experiências artísticas inéditas. Em instalações imersivas, algoritmos interagem com o público em tempo real, moldando luzes, sons e movimentos com base nas reações das pessoas. Em ambientes virtuais, espectadores tornam-se protagonistas, moldando narrativas com a ajuda de sistemas inteligentes. O palco da arte está se expandindo — e o público também.
Mas essa revolução traz desafios. Quem assina a obra? Quem é o autor? Quando uma IA cria uma pintura vendida por milhares de dólares, como aconteceu com o retrato gerado por uma GAN (rede adversarial generativa), o que estamos comprando: a arte ou o conceito? O talento ou a tecnologia?
Além disso, há o risco da homogeneização. Se todas as IAs forem treinadas com os mesmos dados, será que elas acabarão criando versões ligeiramente diferentes das mesmas ideias? Como garantir diversidade e autenticidade num cenário onde tudo pode ser replicado em segundos?
Apesar desses dilemas, uma coisa é certa: estamos diante de uma nova era da criatividade. Uma era em que humanos e máquinas podem criar juntos — não como competidores, mas como parceiros. A IA, nesse contexto, não rouba a cena; ela amplia o palco.
Ao final, talvez a pergunta mais importante não seja se a IA pode criar, mas sim como nós, humanos, escolhemos usar essa nova ferramenta criativa. O que queremos expressar com ela? Que histórias queremos contar? Que sentimentos queremos provocar?
A criatividade algorítmica é um espelho — não de quem somos apenas como indivíduos, mas do que podemos ser como espécie quando unimos razão e sensibilidade, tecnologia e arte, máquina e humanidade.

*Rafael Toscano é escritor, pesquisador e professor na CESAR School (PE) e engenheiro na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (DF). Atualmente, ocupa o cargo de Secretário Executivo de Ciência, Tecnologia e Negócios na Secretaria de Transformação Digital, Ciência e Tecnologia (SECTI) na Cidade do Recife e é Diretor de Admnistração, Finanças e Planejamento do Alumni CIn UFPE. Formado em Engenharia da Computação pela UFPE, é Mestre e Doutor pela Universidade de Pernambuco, MBA em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral (MG) e MBA em Economia pela USP (SP). É especialista em Direito Tributário pela Universidade de Ipatinga (MG) e Gerente de Projetos certificado pelo PMI desde 2014.
**Esse Texto integra o livro IA Transformação das Humanidades