Crônica: De volta à escola (por Joca Souza Leão) - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Crônica: De volta à escola (por Joca Souza Leão)

Claudia Santos

Por Joca Souza Leão

Faço muito isso: ligo a televisão pra fazer zuada, enquanto faço outra coisa. E parece que não há nada de original nisso, pois muita gente que mora só faz o mesmo. (Acho que foi Saramago quem disse que a chatice do silêncio é a repetição – vai ver que é por isso que barulho de chuva, porque interrompe o silêncio, é tão apreciado.) Dessa vez, eu tava escrevendo. E o que me chamou à atenção foi o sotaque familiar. Levantei a vista. E reconheci logo o fardamento escolar da menina que estava sendo entrevistada. Aumentei o som e fui ver: um documentário sobre educação pública, boa parte aqui, em Pernambuco.

Estudei o primário (básico, hoje) em escola pública: Governador Barbosa Lima. Minha turma tinha uns 30 alunos, acho. Alguns de classe média, como eu, mas a maioria pobre. Meus pais iam à escola. Participavam das reuniões de avaliação com professores e das festas escolares.

Eu também participei das reuniões e festas das escolas dos meus filhos. Mas eram escolas particulares. Ou seja, não boto (ou botava) os pés numa escola pública desde menino. Eu só, não. Ninguém que não precisa. Fala de ouvir dizer. E do que vê nos noticiários de televisão. Tudo, quase sempre, muito ruim; por vezes, trágico.

No documentário, a adolescente, cujo sotaque familiar me chamou a atenção, falava e falava com eloquência e intimidade sobre arte e literatura: Frida Kahlo, García Márquez, Machado e João Cabral. “Quero me formar e fazer mestrado no México.” (Depois da aula, a câmera a acompanhou no caminho de casa. Jornada longa, quase uma hora a pé. Casa pobre, muito pobre, chão de terra batida. No que deveria ser a sala, três camas, quatro cadeiras e um televisor velho. Na parede, a reprodução de um quadro de Frida Kahlo).

Os outros meninos e meninas entrevistados no documentário também se expressavam com conteúdo e clareza. Falas fluentes, corretas e bom vocabulário. Todos tinham planos para o futuro. E todos falavam bem – e com carinho – da escola. Anotei o nome: Escola de Referência Professor Trajano de Mendonça.

Dia seguinte, descobri o telefone da escola e o nome do diretor: Prof. Carlos Eduardo Gomes da Silva. Liguei. E fui lá, em Jardim São Paulo. A escola não é nova, mas pintadinha e bem conservada. Limpa e arrumada. Organizada. Salas de aula bem mobiliadas, laboratório de informática e quadra esportiva; banheiros limpíssimos, refeitório, cozinha, biblioteca e tudo o mais. Além da merenda, refeição (boa e variada), pois é escola de tempo integral. E o mais importante de tudo: professores e alunos animados e motivados.

O diretor reuniu as duas turmas do último ano numa sala ampla. Eu me apresentei e fui apresentado a cada um deles. Perguntei e fui perguntado. No final, deixei meus livros e propus: “Se toparem ler algumas crônicas, volto daqui a um mês pra gente conversar sobre elas e sobre o ofício de escrever.”
Eles toparam. E eu voltei.

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