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Cuidador também requer cuidados

Profissionais que atendem pessoas com Alzheimer começam a voltar suas atenções também para o familiar que cuida desses pacientes. A experiência nos consultórios, corroborada por pesquisas cientificas, mostram que os cuidadores familiares vivenciam um nível de estresse tão elevado a ponto de, em muitos casos, afetar a sua saúde.
Foi o que constatou o estudo realizado pelo geriatra Alexandre de Mattos na Universidade de Pernambuco (UPE). De acordo com resultados da pesquisa, o cuidador familiar de uma pessoa com Alzheimer tem três vezes mais chances de desenvolver depressão e quatro vezes mais de ficar com ansiedade em comparação com cuidadores de idosos que não têm a doença. “Existem estudos que mostram adoecimento não só psíquico como também aumento de infarto e AVC”, acrescenta Mattos, que é professor da UPE e geriatra do Instituto de Medicina do Idoso.
Esse desgaste acontece independentemente de haver ou não um cuidador profissional e da condição financeira da família. “Um profissional não passa pelo mesmo estresse do familiar, que está envolto com uma relação subjetiva e afetiva com o paciente”, ressalta o médico e psicoterapeuta Dival Cantarelli.
O primeiro estresse é o próprio impacto do diagnóstico, já que a doença paulatinamente vai afetando a memória e a capacidade de realizar tarefas banais do cotidiano, como tomar banho. É como se a pessoa, aos poucos, deixasse de ser ela mesma e, como explica Cantarelli, não mais representasse o mesmo papel na trama familiar a que todos os parentes estavam acostumados.
Foi o que aconteceu com a funcionária pública, Maria Joene Pires, cuja mãe, Quitéria Carolina, hoje com 92 anos, tinha uma participação forte e ativa na família. “Lá em casa era um matriarcado”, resume Joene. Foi muito doloroso para ela e seus irmãos perceberem que a “matriarca” sempre muito “condutora” e presente na vida da casa e dos filhos estava com Alzheimer. “É como se ela começasse a desaparecer. Uma morte em vida”, lamenta. “No início, a gente demora a perceber os sintomas, o que, na verdade, é uma espécie de negação. Depois as coisas vão se esclarecendo, como num processo de decantação”, compara.
Um dos sintomas que causa mais estresse emocional é quando a pessoa perde a memória a tal ponto que não reconhece os próprios parentes. “É uma situação delicada, o familiar poderá sentir como se não houvesse afeto”, analisa Cantarelli. Sofrimento vivenciado por Sheila de Almeida Leite, cuja mãe, já falecida, estava com Alzheimer. “Certa vez, ela ficou meio ausente e, de repente, não me reconhecia, ficou estranha, e eu fiquei louca, só chorava. Mas, graças a Deus, no caso dela esse esquecimento durou pouco tempo”, recorda-se.

 

Carla Núbia ressaltar que é salutar que o familiar tenha tempo para o lazer
Carla Núbia ressaltar que é salutar que o familiar tenha tempo para o lazer/Foto: Alexandre Albuquerque

Além das questões emocionais, há ainda as demandas de cuidar de uma pessoa que não consegue mais realizar ações simples, como trocar de roupa. Mas os sintomas que dão mais impacto, de acordo com Mattos, são os comportamentais. Muitos passam a noite acordados, pode haver agressividade e agitação. Também é comum pacientes perambularem pela rua, sem que os familiares saibam, e se perderem.
“Quanto mais intensos e frequentes os sintomas, maior o impacto na saúde do cuidador”, adverte o geriatra. A doença é progressiva, apresenta muitas fases de mudanças de comportamento e o paciente vai piorando gradativamente. “Cada vez que ele muda é pior para o familiar que está cuidando dele”, salienta a geriatra Carla Núbia Nunes Borges.

SOLITÁRIO
Na maioria dos casos, alguém da família se coloca na função do cuidador, em geral filho ou cônjuge, e carrega sozinho toda a sobrecarga de cuidar do doente. Esse isolamento não acontece, muitas vezes, por simples acomodação dos demais parentes. Alguns enfrentam uma limitação emocional diante da nova realidade. Uma mulher, por exemplo, que durante toda a vida conjugal sentia-se frágil e foi sempre cuidada pelo marido, pode ter dificuldades em perceber que seu forte protetor se encontra numa situação de vulnerabilidade.
Sheila, por exemplo, lembra que cuidou sozinha de sua mãe durante o perído de um ano e meio que ficou hospitalizada. “Não contei com ninguém, apenas com cuidadoras a quem eu pagava. Meu irmão não conseguia ir ao hospital, pois não aguentava vê-la internada”.
O familiar que se dispõe a ser o cuidador tenta abarcar o atendimento de todas as demandas do parente com Alzheimer. Passa a entrar numa situação de estresse, comprometendo a qualidade de vida, o tempo e até a carreira profissional. Cantarelli ressalta que o Alzheimer tem surgido numa faixa etária cada vez mais precoce e, como muitas mulheres passaram a ter filhos numa idade mais avançada, existem muitos jovens cuidando de pais com essa doença.
“Eles, em muitos casos, estão tão imbuídos de salvar seu familiar, que abrem mão dos projetos profissionais, da interação social e da realização amorosa. Às vezes se separam até dos filhos para priorizar aquela ajuda”, relata o psicanalista. “Entram num processo de estresse e podem até ser agressivos com o paciente, sem ter a menor intenção disso”, acrescenta. Não por acaso, muitos acabam doentes, comprometendo sua disposição de cuidar do familiar.

É POSSÍVEL PARTILHAR
Mesmo diante dessa situação problemática, é possível aliviar a sobrecarga do cuidador familiar. O primeiro passo é partilhar o cuidado com outros parentes e tirar um tempo para si próprio e para o lazer. O que nem sempre é fácil. Muitas vezes o cuidador não se permite ter direito a uma folga. “Existem aqueles que acham que só ele entende o doente e só ele sabe cuidar. Mas é salutar que tenham momentos de lazer, para descansar, renovar as energias e todos os familiares têm que participar”, recomenda Carla Núbia, que também é presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAZ-PE), entidade sem fins lucrativos, formada por profissionais de saúde e familiares de portadores da doença.
O objetivo da Abraz é divulgar informações sobre a doença. E, nesse sentido tem ajudado muito os familiares, alertando-os para a importância de partilhar o cuidado com o doente. “Orientamos os familiares sobre o que muda com a doença, como proceder, como reagir, quando interditar. Levamos informações científicas que ajudam no cuidado. Enfatizamos a união da família e a necessidade de o cuidador ter momentos de lazer para se distrair e deixar o dia a dia mais leve. Nosso lema é: você não está sozinho, a Abraz PE está com você”, informa a médica.
Fazer psicoterapia é outra medida que pode ajudar o cuidador e os demais familiares. “O ideal seria ainda por ocasião do diagnóstico os familiares procurassem um psicoterapeuta”, orienta Dival Cantarelli. Joene sabe o quanto as sessões de terapia podem ajudar. Ela já se consultava com um psicoterapeuta quando soube que a mãe era portadora de Alzheimer. Caçula de uma família de cinco filhos (quatro mulheres e um homem) Joene é a típica cuidadora familiar embora não more mais com a mãe. “Entrei em pânico de resolver milhares de coisas ao mesmo tempo. Fiquei estressada, mas a terapia me ajudou muito”, conta, aliviada.
Ela descobriu que precisa ter momentos de descanso para poder enfrentar essa realidade. Por isso, junto com a família está providenciando um cuidador profissional para passar as noites com a mãe. “Do contrário, não terei tempo para mim. Se ficarmos irritados, cansados, impacientes não vamos poder colaborar”, constata.

Alexandre de Mattos diz ser necessário políticas públicas para assistir também o cuidador. foto: Alexandre Albuquerque
Alexandre de Mattos diz ser necessário políticas públicas para assistir também o cuidador. foto: Alexandre Albuquerque

Fundamental para Joene foi também escolher um especialista para sua mãe que levasse em conta as necessidades da família. “No início ficamos com um médico que era mais frio, um mero passador de remédio. Depois mudamos para a Dra. Carla Núbia, e fiquei encantada. Percebi que na relação com o médico faltava mais informação, conversa com familiares, aconchego”, compara.
Essa visão de tratamento que inclui a família também é defendida por Alexandre de Mattos. Ele sugere a adoção de políticas públicas para que o governo comece a olhar para o cuidador familiar e não só para o doente, de forma que haja um grupo multidisciplinar que atenda também os parentes. “Assim, a partir do diagnóstico, poderia-se oferecer ao familiar que estivesse com depressão ou ansiedade, a oportunidade de ser encaminhado para ambulatórios específicos para tratar desses sintomas”, propõe o geriatra. Fica dada então a dica: em casos de Alzheimer, o cuidador familiar também tem que ser cuidado.

 

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