Em entrevista, Priscila Seixas fala sobre desafios, aprendizados e o papel estratégico da cultura nas periferias brasileiras
Fundado em 2006, o Instituto Burburinho Cultural surgiu no contexto de fortalecimento das políticas públicas para a cultura e se consolidou como uma referência nacional em projetos voltados para territórios periféricos. Hoje presidido por Priscila Seixas, o instituto aposta na escuta ativa, na formação em rede e em parcerias estratégicas com universidades e órgãos públicos para promover cultura como ferramenta de desenvolvimento social.
Nesta entrevista, Priscila compartilha os desafios de atuar com cultura e educação em diferentes territórios, os aprendizados do livro Método Burburinho de Produzir Cultura, e os avanços do curso Criar Jogos, que já ultrapassou 6 mil alunos e agora inclui temas como desinformação, letramento midiático e inteligência artificial. Uma conversa inspiradora sobre persistência, reinvenção e a potência transformadora da cultura brasileira.
O que te motivou a fundar a Burburinho Cultural?
A Burburinho foi fundada em 2006, logo depois que eu terminei a faculdade, impulsionada por um contexto muito favorável de fortalecimento das políticas públicas para a cultura. Naquele momento, havia uma abertura interessante para editais e para as leis de incentivo fiscal, especialmente a lei federal. Então, a fundação do instituto nasceu desse encontro entre um momento contemporâneo de efervescência cultural e a possibilidade concreta de viabilizar projetos por meio dessas ferramentas. Há quatro anos, assumi a presidência do instituto. Isso também reflete uma virada: passamos a trabalhar com ainda mais foco na cultura como motor de desenvolvimento econômico e transformação social, em diálogo direto com as políticas públicas e com a universidade. Essa possibilidade de atuar de forma estruturada na criação e implementação de políticas públicas por meio da cultura só é viável graças à existência de institutos e organizações sociais. Por isso, assumir a presidência da ONG — que nasceu em Brasília e agora tem sua sede no Rio de Janeiro — foi também um passo estratégico dentro desse movimento de fortalecimento institucional.
Qual o maior desafio ao trabalhar com cultura e educação em territórios periféricos?
Lidar com territórios é trabalhar em conjunto. Os projetos da Burburinho Cultural buscam contratar equipes locais que conheçam sobre o espaço em que será implementado as nossas iniciativas. Para conseguir a capilaridade alcançada através das ações culturais, a escuta é uma das ferramentas mais importantes. A equipe da sede da Burburinho Cultural mantém contato com as produções locais e organiza as ações a partir dos retornos das localidades. Nossos projetos se adaptam às diferentes realidades por conta dessa sensibilidade que é exercida através da escuta e parceria com os locais atendidos.
Quais os principais aprendizados que você extraiu ao escrever o livro “Método Burburinho de Produzir Cultura”?
Acredito que a continuidade em ações culturais, algo que é complexo no setor. É comum que, na cultura, as ações fiquem restritas a poucas edições. Nós estamos investindo em processos de reinvenção de nós mesmos. Por exemplo, o Criar Jogos nasce de uma demanda de um de nossos parceiros e hoje já contou com mais de 6 mil alunos inscritos. O curso vem se aperfeiçoando através da metodologia design thinking, com os pilares de construção de uma ideia, sua execução e sua remodelação através de dados coletados para sua sofisticação. Nesse processo, leva-se em consideração como devemos atuar nos diferentes territórios em que atuamos. Assim, estamos conseguindo novas parcerias, como o termo de cooperação com o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), uma vez que, hoje, o Criar Jogos é um curso de extensão da Escola Nacional de Informação (Enacin).
O que esperar da parceria com o IBICT e a ENACIN?
A parceria estabelecida com o Ibict, por meio do projeto Enacin, levou o Criar Jogos para Ceilândia, cidade satélite localizada na região periférica de Brasília-DF. Além de ser a primeira vez que o Criar Jogos chega, com um laboratório social, no Centro-Oeste, foi uma oportunidade incrível em atuar em um novo local, com suas peculiaridades. Através desse compromisso com o Ibict, desenvolvemos um novo módulo que discute sobre Integridade da Informação, que chamamos de "Quem é você nas redes?". A ideia é trabalhar com temas como desinformação, a utilização de ferramentas de pesquisa, fake news, uso de inteligência artificial, temas que tangenciam a realidade vivida pelos alunos beneficiados. É mais uma avanço no curso que agora se consolida como uma ferramenta que estimula o letramento midiático-informacional, oferecendo a oportunidade de refletirem de maneira crítica através de seus próprios meios.
O que te inspira a continuar empreendendo na área cultural? Que conselho daria para quem está começando?
A inspiração tem uma relação direta com a cultura como esse lugar de solução para os problemas do mundo. Eu entendo que, mesmo com todos os avanços — com a gente operando, trabalhando, produzindo cultura nesses últimos 20 anos — ainda existe, no Brasil, uma visão muito limitada da cultura, como se fosse apenas entretenimento. Muitas vezes, o campo cultural é tratado com um certo olhar vira-lata. A Burburinho, pra mim, entra justamente como uma ferramenta de informação, de compreensão da centralidade da cultura. De como a cultura pode ocupar esse lugar estratégico, potente, capaz de propor saídas para questões complexas. E, pra quem está começando, eu sempre falo sobre a importância da informação e dos filtros que a gente aplica sobre ela. Existe uma ideia de que os recursos para a cultura não existem — mas eles existem. Talvez ainda sejam insuficientes, mas eles estão aí. Só que é preciso estar atualizado: acompanhar o que está sendo proposto pelas secretarias de cultura, tanto estaduais quanto municipais, e pelo Ministério da Cultura. Também é essencial compreender a dimensão transversal da cultura, suas relações com a educação, com a tecnologia — e, principalmente, com as pessoas. Porque a cultura se faz em rede. Não é um caminho solitário, é um trabalho de conexão constante. A gente precisa estar sempre se conectando com pessoas diferentes, o tempo todo, para conseguir operar e realmente atuar nessa área.