Coordenadora-executiva do Instituto Conceição Moura, Lorena Tenório conta como a organização investe para transformar Belo Jardim a partir da educação. A meta é colocar a cidade entre as 10 mais bem posicionadas no Ideb estadual, a partir de iniciativas de cunho educacional mas, também, cultural, como sessões gratuitas de cinema e a abertura de um museu.
A educação tem sido um dos caminhos mais eficazes para ofertar novas perspectivas a pessoas em condição de vulnerabilidade social e econômica. E foi pela via da aprendizagem que o Instituto Conceição Moura resolveu investir para contribuir com crianças e jovens da cidade de Belo Jardim, a vislumbrarem um futuro de possibilidades. Trata- -se de um grande desafio para essa organização, mantida pelo Grupo Moura que tem a meta ousada de incluir o município do Agreste pernambucano no ranking dos 10 mais bem colocados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no Estado.
Para atingir o objetivo, o instituto atua desde a primeira infância, com ações para melhorar a qualidade da educação da região, a partir do incentivo às escolas de tempo integral, reforço escolar, formação de jovens e aulas de robótica. Também são oferecidas aulas de teatro e percussão, uma forma lúdica, para a garotada desenvolver a criatividade, a leitura e a escrita. O incentivo cultural, na verdade, é outro ponto forte de atuação do instituto, que ainda mantém um cinema (o único da cidade). Além disso, no início de fevereiro vai inaugurar um museu, que terá como exposição permanente o maquinário da antiga fábrica de Mariola que se transformou na sede do instituto.
Nesta entrevista, Lorena Tenório, coordenadora-executiva da organização, fala das ações do instituto, cuja criação foi inspirada no legado de Conceição Moura que, junto com o marido Edson Mororó, fundou a Baterias Moura.
Como surgiu a ideia da criação do Instituto Conceição Moura?
O instituto teve início a partir de uma grande inspiração: dona Conceição Moura que, junto ao seu marido Edson Mororó Moura, fundou a Baterias Moura. Ela é recifense e foi morar em Belo Jardim. Como tinha um olhar social, queria dar à cidade o que recebeu quando ali chegou. Ela trabalhava o social, capacitando artesãos e catadores de lixo, fez campanha de 5S nas escolas, entre outras iniciativas.
Foi a partir desse legado que a família resolveu fundar o Instituto Conceição Moura. Segundo Mariana Moura, vice-presidente do instituto, ele simboliza a realização de um sonho e a possibilidade de tangibilizar, como família empresária, o propósito de servir a negócios que servem à sociedade. É parte da cultura do grupo e da família contribuir com a cidade, com a comunidade, enquanto agentes de transformação.
Antes do instituto, não havia, em Belo Jardim, nenhuma organização do Grupo Moura nesse sentido. Havia na Acumuladores Moura, que é uma das empresas do Grupo, ações pontuais de responsabilidade social, como um projeto de voluntariado chamado Semear, que ainda existe, mas a estruturação de um braço social veio a partir da criação do Instituto Conceição Moura, 10 anos atrás.
Quais os objetivos e ações realizadas pelo Instituto Conceição Moura?
O instituto tem como missão contribuir com crianças e jovens para que sejam agentes de transformação no mundo. Ou seja, damos oportunidade para a criança ou o jovem entender que pode fazer a diferença na sua realidade, no seu mundo, seja em Belo Jardim, no Recife, em São Paulo ou no exterior. Fazemos isso por meio da educação. Nossa atuação é da primeira infância à vida adulta e cada projeto é voltado para uma faixa etária.
O instituto tem quatro frentes de atuação. Em uma delas, com foco na primeira fase da vida, trabalhamos com educadores e responsáveis pelas crianças de 0 a 6 anos de idade. Em colaboração com o município, capacitamos e orientamos para que a criança, tanto na primeiríssima infância (0 a 3 anos), quanto na primeira infância (até os 6 anos), tenha uma infância bem vivida, com menos estresse, com reduções de situações que possam causar algum dano nessa fase, que é muito importante para o ser humano tornar-se um adulto mais responsivo, mais feliz, com menos traumas. Todo investimento na primeira infância reverbera futuramente na economia do País.
Em outra frente, o instituto trabalha junto ao município de Belo Jardim com as escolas da região, para a construção de uma educação de qualidade. Acreditamos fortemente nas escolas em tempo integral. Mais tempo dentro da escola significa que a criança passa mais tempo aprendendo, em contato com os professores, tendo oportunidade de fazer aulas eletivas e menos tempo ociosa, diminuindo as chances de estar em situações de risco ou em contato com drogas, o que também diminui a violência.
Outra frente em que atuamos é na arte e na cultura. Temos uma escola teatro e de musicalização onde a criança começa a partir dos 8 anos e vai até os 21. Temos um grupo percussivo de maracatu e de coco para trabalhar as raízes pernambucanas, um grupo de teatro, além do cinema, que é o único da cidade, onde fazemos exibições de filmes aos sábados e domingos para a comunidade de forma totalmente gratuita. Na verdade, tudo no instituto é gratuito. O cinema também é utilizado como ferramenta educativa, trazendo filmes com temáticas que possam ser trabalhadas na sala de aula.
![](https://algomais.com/wp-content/uploads/2025/02/Mostra-Ser-de-Teatro--820x547.jpg)
Outra frente do instituto é a formação de jovens que também é voltada para a construção de senso crítico, de empreender, de diminuir a defasagem escolar. É um trabalho em parceria com o Alicerce da Educação para identificar e diminuir o gap no desenvolvimento escolar da criança e/ou jovem. Por exemplo, se um aluno está no 8º ano do ensino fundamental 2, mas sua competência escolar em português e matemática é do 6° ano, trabalhamos esse gap para tentar ajudá-lo.
Além disso, temos a robótica, voltada para os jovens dos ensinos fundamental 2, médio, técnico e superior, em que conseguimos, de certa forma, inspirar, contribuir, influenciar na formação deles. Hoje há muitos jovens em faculdades ou cursos de engenharia e muitos engenheiros que saíram do instituto.
O que as crianças aprendem na aula de robótica?
Nossa formação em robótica não é profissional, é uma experimentação, um básico para despertar o interesse do jovem em saber mais. Trazemos, para a sala de aula, temáticas como fabricação digital, o básico da eletrônica e da programação, e os alunos vão criando projetos como robôs, carrinhos de robôs.
Promovemos um evento de batalhas de robôs, que já vai para a terceira edição. Na primeira edição, tivemos 10 equipes inscritas, na segunda, que foi ano passado, foram 34 equipes e veio gente da Paraíba e de Alagoas, então virou um campeonato regional de robótica. Nossa expectativa para este ano é ter 60 equipes inscritas.
É um evento gigante, em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, em que os alunos colocam em prática tudo que aprendem no instituto. Assim, fazemos com que estejam preparados para trabalho em equipe, liderança, para resolver problemas e desafios. Também tentamos fomentar nos nossos alunos a competência para participar de festivais de robótica nacionais e internacionais.
O trabalho do instituto é desenvolvido no contraturno escolar? Quantas pessoas são impactadas?
Sim. Trabalhamos nos turnos da manhã, tarde e noite. Assim os alunos que estudam de manhã podem vir à tarde, quem estuda à tarde pode vir de manhã e aqueles que não estudam e nem trabalham podem frequentar o instituto nos três turnos. A maioria dos nossos alunos é da rede pública de Belo Jardim. Nossa grande parceria é com a Secretaria de Educação do município, mas nada impede que crianças de escolas particulares também possam participar dos nossos projetos.
Hoje nosso foco é aumentar o número de beneficiados, que são jovens que estão fixos em algum projeto, frequentando dois ou três dias por semana durante três meses a um ano. Nesse perfil, temos atualmente mais de 600 beneficiados. Em relação às pessoas impactadas, o número chega a mais de 30 mil por ano, porque envolve festivais, eventos e oficinas promovidos pelo instituto.
Uma das frentes que você mencionou são as escolas em tempo integral. Em quantas escolas o instituto atua? Há uma metodologia de ensino diferenciada?
![](https://algomais.com/wp-content/uploads/2025/02/Ed-de-qualidade_moura-820x547.jpg)
Em Belo Jardim, há quatro escolas de tempo integral com o apoio do instituto. Apoiamos a prefeitura com essa metodologia de transformar escolas regulares em escolas integrais. Já é o terceiro ano que estamos acompanhando essas escolas e queremos expandir cada vez mais, porque acreditamos que a educação vai transformar, de fato, a realidade de um povo, de uma geração. É muito legal quando conseguimos ter o poder público junto com as iniciativas da sociedade civil sem fins lucrativos para fazer essa diferença na cidade.
Em relação à metodologia que aplicamos nas escolas integrais, ela é diferente das escolas regulares, é uma metodologia nova que, às vezes, requer dos professores uma habilidade ou competência um pouco diferente do que eles estão acostumados ou do que aprenderam na universidade. Então, pode causar estranhamento mas, com muito carinho e muita atenção, vamos explicando, mostrando os benefícios e hoje temos um professor que atua como gestor de uma das escolas. Assim, vemos nos professores a dedicação de abraçar e entender que a metodologia faz sentido.
Em relação à primeira infância, esse tipo de atuação requer atuar também com os pais, que muitas vezes são pessoas com dificuldades financeiras ou fragilidades emocionais. Que mudanças vocês vêm percebendo na relação com os pais?
Percebemos que muitos desses pais querem afago, carinho, atenção. Nós vamos de casa em casa conversando. Então, quando chegamos com informação, querendo ensinar, a receptividade é muito boa. Eles abrem a casa para nós, criamos um vínculo extremamente forte com esses pais que, muitas vezes, estão fragilizados emocionalmente, e conseguimos auxiliá-los, não só no desenvolvimento da criança mas, muitas vezes, também apoiando-os de forma emocional e social. A gente também faz direcionamentos para outras possibilidades dentro da cidade, como o Cras (Centro de Referência da Assistência Social). Dessa forma, também vamos apoiando e mostrando caminhos para as famílias mais necessitadas.
Uma das metas do Instituto Conceição Moura é colocar Belo Jardim entre as 10 melhores cidades no ranking estadual do Ideb. Como está essa preparação?
Todas as nossas frentes trabalham para o desenvolvimento da educação. Temos um conjunto de ações que apelidamos de “Avança Ideb”. Além do apoio para transformar escolas regulares em integrais, fomos mais ousados e estamos construindo uma escola, em um prédio do instituto, que vai pertencer à rede pública de ensino municipal de Belo Jardim. Ou seja, a prefeitura vai utilizá-lo como escola pública. Estamos no início das obras e acreditamos que até o final de 2025 será entregue para iniciar 2026 funcionando. Também será uma escola integral.
Hoje temos, em média, 1.600 crianças dentro do ensino integral e, com a construção dessa escola, vamos atender mais 300 estudantes. Além das escolas integrais, também apoiamos escolas regulares, promovemos formação de professores. Do ano passado para este ano, atendemos 400 crianças de reforço escolar, tanto de português como de matemática. Com as aulas de teatro, também conseguimos desenvolver a criatividade, a leitura, a escrita, a musicalização. Então, todos os projetos do instituto contribuem para que possamos fortalecer a educação e buscar o resultado tão ousado que é colocar Belo Jardim entre as 10 melhores no ranking estadual do Ideb.
Quais os maiores desafios enfrentados nesse trabalho de transformar por meio da educação?
Trabalhar a educação, trabalhar a mudança já é um grande desafio, porque é feito por várias mãos, envolve vários quereres. Então eu preciso querer, a prefeitura precisa querer, o professor e o aluno precisam querer. São muitos stakeholders no mesmo propósito, entendendo essa necessidade. A transformação pela educação é um desafio constante.
Além disso, coloco a nova sede do instituto, não como desafio, mas como grande realização. Então, hoje temos um complexo social que compõe o cinema, a escola de música, a nova sede, salas multifuncionais, um anfiteatro, um museu, um rol de recepção, um laboratório de robótica, o espaço Conceição Moura, mais conhecido como “Praça da Moura”.
Talvez seja um grande desafio fazer com que a população esteja junto, que ela entenda que o espaço é dela, que ela tem acesso à cultura, à robótica, a oportunidades como se estivesse na capital. A gente consegue democratizar, trazer esse acesso também para o Agreste pernambucano.
![](https://algomais.com/wp-content/uploads/2025/02/ICM-Maquinario_-820x547.jpg)
Dentro desse complexo social, você mencionou um museu. Que materiais ou obras estão expostas nele?
A sede do instituto é uma antiga fábrica de mariola (que é um doce de goiaba) onde trabalhou Edson Mororó Moura. Ela pertencia aos tios dele, dona Quitéria e seu Jorge Aleixo. Temos alguns maquinários e resolvemos contar a história desse maquinário criando um museu, que será inaugurado em fevereiro. Além dessa exposição fixa com maquinário, fotos e textos, lançaremos, no final de fevereiro, uma exposição fotográfica temporária chamada Extraordinário Cotidiano. É uma celebração da cidade de Belo Jardim, o retrato de sua gente e de realizações que essa gente é capaz.
É uma reflexão sobre o trabalho e o seu potencial de transformar um lugar, sobre o atravessamento de memórias no presente, a evolução tecnológica que caminha de mãos dadas com a sustentabilidade. É sobre grandes empreendimentos e coisas pequenas que cabem na palma da mão. Por trás de cada realização, existem pessoas cheias de sonhos, esperanças, que compõem a marca essencial do belo-jardinense. A ideia é mostrar a potência de Belo Jardim para além da caricatura que normalmente se tem das cidades do interior do Nordeste como piegas ou sofridas, algo muito distante da capital. É dizer, com essa exposição fotográfica, “olha, nós somos potentes, fazemos transformação, temos tecnologia, temos cultura”.
O Instituto também promove projetos ambientais?
Voltado para essa área ambiental, temos o projeto Abrace o Rio Bitury. Pensando no rio que passa na cidade de Belo Jardim, convidamos as escolas para trabalhar essa temática na sala de aula. Dentro desse projeto, fazemos um game onde as escolas competem de maneira saudável, promovendo ações que vão desde passeatas de conscientização à criação de hortas ou plantação de árvores. Assim, as escolas vão somando pontos e, a partir dessa pontuação, o instituto faz uma premiação com base no que as escolas precisam como a compra de algum equipamento, por exemplo.
![](https://algomais.com/wp-content/uploads/2025/02/fachada-fabrica-moura_-820x613.jpg)
Quais são os planos para o futuro do instituto?
Alcançar o ranking do Ideb, fortalecer esse novo complexo social para que, cada vez mais, a comunidade possa estar junto fazendo essa transformação social por meio da educação. É ter mais “crias” do instituto com acesso à cultura, robótica, educação de qualidade. Seguir proporcionando aos pais e professores melhores formações e informações sobre crianças e jovens para que possam apoiar essa futura geração que já está aqui.
Em Belo Jardim, a população é mais humilde, há muito trabalho informal, mas há também outras grandes empresas além da Moura, como a Natto, a Palmerón, que demandam mão de obra. Então, o compromisso do instituto é também apoiar essas empresas para que tenham uma mão de obra qualificada, para que os jovens tenham a consciência das possibilidades. Ou seja, é mostrar ao jovem que ele pode querer ser motoboy, assim como seu pai, por exemplo, mas que ele tem outras possibilidades e podemos apoiá-lo para conseguir chegar lá.