Otto, Lenine e Juliano Holanda. Sabe o que eles têm em comum? Além de serem cantores e pernambucanos, lançaram seu trabalho em vinil nos últimos anos. Pois é, se até um tempo atrás o long play (LP) era considerado extinto, esses e outros artistas provam o contrário. Na verdade, existe também um público que não abre mão do prazer de ouvir o velho e bom “bolachão” na vitrola.
Na loja Passa Disco, localizada no bairro do Espinheiro, no Recife, existem cerca de 300 vinis à disposição dos clientes, que correspondem a 15% dos produtos vendidos. Fábio Cabral, proprietário do estabelecimento, conta que sempre apreciou o LP, mas quando resolveu abrir a casa de discos, há 15 anos, não o incluiu no seu mix de mercadoria porque achava que não teria demanda. “Era só CD e DVD, até que algumas pessoas começaram a perguntar pelo vinil e resolvi inserir nas opções de produtos”, lembra o lojista.
Entre os mais procurados na loja estão os gêneros samba, música popular brasileira (MPB), forró e rock and roll, sendo este último o estilo que sai com mais frequência. A média de preço dos LPs varia de R$ 5 a R$ 500. “O valor depende da gravadora, do artista e da obra. Álbuns como Africadeus de Naná Vasconcelos, considerado uma raridade, são mais caros”, explica Cabral.
Engana-se quem pensa que os consumidores de vinil são apenas os de meia idade. A juventude também se rendeu ao charme retrô do LP. Os clientes da Passa Disco, por exemplo, estão na faixa dos 20 a 50 anos. “Recebo uma garotada procurando discos de rock”, afirma Cabral, que acredita que a procura se deve à “onda vintage” de recuperar objetos antigos e torná-los atuais e modernos.
Embora parte do consumo de música atualmente seja via streaming (feito pela internet) e download digital, alguns admiradores defendem que a chamada mídia física tem um valor especial. “Gosto do prazer de pegar a agulha e escutá-la arranhar o disco, o cheiro do material, até o tamanho do vinil, que faz a imagem da capa ter um destaque parecendo quadros de paredes”, afirma o advogado e escritor José Maria Marques, 71, um consumidor assíduo de LP. “Álbuns de Zé Ramalho ou de Paulinho da Viola, por exemplo, são uma verdadeiras obras de arte”, completa.
Marques afirma que permaneceu fiel ao vinil, mesmo com a chegada do CD nos anos 90, e hoje tornou-se um colecionar tendo cerca de três mil LPs de artistas como Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Caetano Veloso, Chico Buarque, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, e alguns internacionais, como os Beatles. Além de LPs especiais voltados para literatura de cordel.
Outro que guarda um acervo com 500 vinis, entre nacionais e internacionais, na sua estante é o empresário de topografia Ronald Vieira, 59. Ele consome LP desde adolescência e foi influenciado pelos amigos na época. Hoje, embora recorra a outras plataformas para ouvir seus artistas preferidos, revela que não largou o apreço pelos “bolachões”. “Comecei ouvindo muito rock inglês, depois rock progressivo, hoje escuto de tudo, jazz, bossa nova e alguns artistas pernambucanos, como Ave Sangria. A maioria dos relançamentos acompanho pela internet”, relata.
Um forte incentivador do consumo dos vinis são os artistas da cena musical contemporânea que gravam suas músicas também para o formato long play. Ronald Vieira percebe que muitos artistas também vêm relançando o trabalho que foi gravado há tempos, como Atrás do Porto, de Rita Lee e Pulse, da banda Pink Floyd. “Acredito que seja uma forma de possibilitar aos mais novos conhecerem a obra”, ressalta.
Um dos músicos e compositores pernambucanos que aderiu a este formato foi Juliano Holanda, que lançou um compacto (disco em tamanho menor) em vinil chamado Espaço-Tempo com duas músicas pelo selo Assustados Discos. O músico e compositor explica que gravou o seu trabalho para LP, pelo “fetiche do objeto” e porque cresceu ouvindo neste modelo. “Sei que não dá tanto dinheiro quanto antigamente, mas tenho hábito de ouvir em casa e sempre gostei de compacto. Coincidiu também com o convite da gravadora e, como estava sem muito dinheiro para lançar um disco inteiro, optei por lançá-lo desta maneira”, justifica Holanda.
O artista salienta que o vinil torna-se uma espécie de ritual, em que é necessário dispor de um tempo para ouvir a faixa e depois para virar o disco na vitrola para ouvir o outro lado. “Tem a ver com nostalgia e com o som do grave que o LP emite quando está na vitrola”, observa o cantor.
O resultado do crescimento no consumo dos LPs repercute no varejo, pois até pouco tempo, os apreciadores de vinis recorriam às antigas radiolas para ouvir os bolachões. Equipamentos que muitas vezes dependiam de técnicos para consertá-los, nem sempre fáceis de encontrar. Hoje novos modelos com design retrô − que tocam também CD e com entrada USB − estão disponíveis em sites de compras e lojas físicas.
Na onda da volta do vinil, o artista Juniani Marzani, mais conhecido como DJ 440, resolveu criar o projeto chamado Terça do Vinil. A ideia, na verdade, surgiu há dez anos quando estava num bar de um amigo e resolveu levar uns toca discos e alguns LPs para animar o ambiente. Nesse dia, algumas pessoas que passavam pelo local começaram a curtir as músicas e ficaram no bar, que, em instantes encheu de gente. Por causa do sucesso, ele resolveu fazer essa festa semanalmente. “Num mundo cada dia mais digital nos distanciamos do tato. Então manipular o vinil, ver a capa, colocar a agulha, enfim todo o movimento que envolve a escolha da música ou do disco, tudo isso é mágico. Acredito que na arte alguns rituais são insubstituíveis”, explica o idealizador do projeto.
Apesar de nos eventos não existir uma playlist pré-definida, pois o repertório é montado na hora, a partir do público no local, Juniani Marzani investe nos sons nacionais, música latina, como salsa e cúmbia, entre outros estilos. “Curto afrobeat, funk, soul e jazz, e levo um pouco disso tudo para os meus sets também”, conta o DJ 440.
A festa já chegou a quase duas mil pessoas. Atualmente a festa acontece na Galeria Joana D’arc, no bairro do Pina, Zona Sul do Recife, e mantém um público entre 600 e 800 pessoas. “O LP tem seu lugar na história, tem sua importância enquanto produto e acho que ele continua sendo uma forma de apresentar as músicas e os artistas. Na Terça nós o utilizamos para animar a noite das pessoas, e acredito que seja esse o nosso diferencial”, observa o idealizador.
*Por Paulo Ricardo Mendes