Não faz sentido discutir a redução da jornada de trabalho de 6x1 para 4x3 sem olhar em perspectiva para uma questão mais complexa: o fim do bônus demográfico no Brasil. Nessa direção, atualizei um artigo sobre o tema que escrevi em dezembro de 2023 aqui na Algomais para trazer mais profundidade ao tema.
O bônus demográfico ocorre quando a População Economicamente Ativa de um país, representada por trabalhadores entre 15 e 64 anos, tende a ser maior do que a soma da população de crianças (0 a 14) e idosos (acima de 65). Esse fenômeno é verificado pelo crescimento contínuo da relação entre a população ocupada sobre a população total, que pode durar entre 50 a 70 anos.
No Brasil, o bônus demográfico começou na década de 1970, quando a relação entre a população ocupada e a população total era de 31,7%. Nas décadas de 2000/2010, a relação alcançou 54%, registrando o seu melhor momento entre os anos de 2004 e 2013. Nesse período, o PIB cresceu 50% e a renda per capita dos brasileiros aumentou 33%.
O final do bônus demográfico deve acontecer em 2034, de acordo com estimativas do IBGE. Uma das causas é o envelhecimento da população, que se acelerou na última década. Os idosos, que representavam 5,9% das pessoas em 2010, alcançaram uma participação de 10,9% em 2022. Outra causa é a taxa de natalidade que caiu de 4,12 filhos por mulher na década de 80 para apenas 1,57 em 2023, menor do que o mínimo de 2,1 para manter o crescimento populacional.
Mas o que o final do bônus demográfico tem a ver com a jornada de trabalho 6x1 ou 4x3? Estão diretamente relacionados. Isso porque a combinação da diminuição da População Economicamente Ativa, que já está em curso, e da redução de jornada de trabalho, ocasionada pela possível aprovação da jornada 4x3, vai acelerar o processo de escassez de força de trabalho.
O cenário que se apresenta é a insuficiência de trabalhadores para dar conta da demanda do mercado nas próximas décadas. Portanto, a discussão sobre a jornada é lateral diante de uma questão mais complexa, que impacta negativamente o crescimento da economia e a capacidade do País de competir no mundo globalizado no médio prazo.
Este é o debate que deveria estar na pauta do Congresso, envolvendo também representantes dos trabalhadores e dos setores produtivos. Aí entram dois temas que patinam há muito tempo: política de longo prazo para educação profissional e para a inteligência artificial. E com alinhamento entre elas, pois precisa haver uma complementação para evitar que a IA desequilibre o jogo.
Sobre educação profissional, a primeira ação é promover a qualificação contínua da força de trabalho atual para atender às exigências da transformação tecnológica. A segunda é apoiar idosos — não apenas tecnicamente, mas também com instrumentos sociais e financeiros — para que eles permaneçam no mercado de trabalho por mais tempo ou, até mesmo, retornem da aposentadoria para ocupar os espaços que surgirão.
A terceira e mais importante medida é reformular a formação dos integrantes da Geração Alpha (aqueles nascidos em 2010), que vão entrar no mercado nos próximos anos. Esses jovens trabalhadores precisam estar alinhados com as necessidades do futuro, que exigirão conhecimentos e habilidades que não estão sendo ensinados atualmente nas escolas fundamentais, no ensino técnico e no ensino superior.
Sobre a Inteligência Artificial, antes vista como inimiga do emprego, ela pode se transformar em uma grande aliada nessa trajetória. Isso porque a IA melhora a produtividade onde se instala. Então, pode promover, em algum grau, uma compensação à diminuição da força e da jornada de trabalho, minimizando os riscos de uma possível estagnação econômica por falta de trabalhadores.
Contudo, é preciso ser estratégico com a inteligência artificial. Não basta promover o seu desenvolvimento com foco voltado para o ganho de produtividade, minimizando, assim, os efeitos da escassez de trabalhadores no ciclo final do bônus demográfico. A política de IA precisa também ser sustentável para não causar desequilíbrio social durante o processo de adaptação do mercado de trabalho.
Pelo que vimos, o debate precisa ser ampliado das horas da jornada de trabalho para as consequências do final do bônus demográfico. Olhar mais para frente é urgente. Caso contrário, o Brasil pode enfrentar um cenário contraditório, à primeira vista, mas altamente provável: grande demanda por trabalhadores e, ao mesmo tempo, alto índice de desemprego por falta de coordenação estratégica de políticas públicas.