Por Edgard Leonardo Lima
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) tornou-se um símbolo das tensões institucionais e dos dilemas fiscais brasileiros. Ao validar quase todas as elevações de alíquotas propostas pelo governo federal, o ministro Alexandre de Moraes manteve o núcleo da estratégia de reforço de caixa do Executivo, explicitando, ao mesmo tempo, o elevado grau de tensão entre os Poderes e os riscos para a condução da política econômica.
Em decisão de 16 de julho de 2025, Moraes restabeleceu quase integralmente o decreto presidencial que ampliava e aumentava as alíquotas do IOF, revertendo a suspensão determinada pelo Congresso Nacional. Apenas manteve suspensa a incidência do imposto sobre as chamadas “operações de risco sacado”, modalidade vinculada ao adiantamento de recebíveis para pequenas empresas, por considerar que a mudança exigiria respaldo legal específico.
O alcance da decisão é amplo: inclui operações de crédito, câmbio, seguros, abrangendo aplicações como VGBL. A expectativa oficial é de uma arrecadação adicional de aproximadamente R$ 11,5 bilhões com a manutenção da medida, certamente importante para o Governo Federal, no momento atual.
Esse episódio evidenciou, todavia, as fragilidades da articulação entre Executivo e Legislativo, revelando conflitos que ultrapassam o campo jurídico e atingem diretamente a política econômica. Enquanto o Congresso optou por sustar o decreto presidencial que aumentava o imposto, o STF deliberou no sentido oposto, restaurando a maior parte das medidas propostas pelo Executivo. Isso reflete a disputa por protagonismo entre os Poderes, típica de cenários marcados pela ausência de consenso político e instabilidade institucional.
A judicialização da política econômica reforça esse contexto. Temas centrais para a gestão fiscal e tributária, que em tese deveriam ser objeto de debate político, acabam decididos pelo Judiciário. Dessa forma, o Supremo consolida sua função de árbitro em decisões de grande impacto macroeconômico, ampliando a incerteza e a insegurança jurídica para agentes econômicos e investidores.
Do ponto de vista fiscal, a medida proporciona efeitos imediatos ao garantir um reforço temporário de caixa ao governo. Contudo, não enfrenta questões estruturais das contas públicas. A elevação do IOF tende a desestimular a poupança, encarece o crédito e desincentiva o investimento produtivo, contribuindo pouco para a solução dos desequilíbrios fiscais profundos.
Os efeitos práticos recaem de modo mais severo sobre empresas de menor porte, que dependem do crédito para operar e crescer, e sobre famílias de baixa e média renda, já que o imposto incide sobre um vasto leque de operações financeiras, como financiamentos e empréstimos. Para esses grupos, o encarecimento do crédito pressiona orçamentos, pode postergar investimentos e restringir o consumo, com potencial de impacto inflacionário em cadeia.
O IOF, por sua natureza regressiva, incide uniformemente sobre diferentes operações, sem distinção por faixa de renda ou patrimônio. Por isso, pesa proporcionalmente mais sobre aqueles que dependem do crédito para financiar necessidades básicas. Ainda que parte da arrecadação provenha de grandes operações, a incidência recai sobre toda a população economicamente ativa, afetando especialmente os segmentos de menor renda disponível.
A decisão do STF ocorre num contexto em que o próprio governo federal admite uma projeção de déficit primário de R$ 78,1 bilhões para 2025, podendo chegar a R$ 128 bilhões em 2026, segundo o Instituto Fiscal Independente (IFI). O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, divulgado em abril de 2025, alerta que, a partir de 2027, a situação fiscal se agrava de forma inédita, prevendo um “apagão” de recursos para despesas discricionárias como: investimentos, custeio administrativo e políticas públicas não obrigatórias.
Ao optar por validar quase todo o aumento do IOF, o STF endossa uma solução de curto prazo para a crise fiscal, sem, no entanto, superar as divergências políticas e institucionais em torno dos rumos da política econômica. A recorrência desses impasses e o uso frequente de instrumentos arrecadatórios como resposta emergencial ao desequilíbrio das contas públicas ressaltam os limites do atual modelo de governança fiscal, indicando que ajustes mais profundos continuam sendo necessários.
*Edgard Leonardo Lima é economista