Desafio do Desenvolvimento da RMR é o equilíbrio social e econômico - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Desafio do Desenvolvimento da RMR é o equilíbrio social e econômico

Revista algomais

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais

Os potenciais e desafios da Região Metropolitana do Recife são tão extensos quanto a diversidade de atividades econômicas presentes nos seus 14 municípios. A RMR responde por aproximadamente 57% do PIB pernambucano, abrangendo simultaneamente os investimentos bilionários do Complexo Portuário-Industrial de Suape, o conjunto de fornecedores de referência global da Stellantis, em Igarassu, o parque tecnológico do Porto Digital e o robusto polo médico da capital. Esses são apenas alguns dos protagonistas da dinâmica dessa metrópole que, em contraponto, também apresenta taxas históricas de extrema pobreza, desemprego e indicadores preocupantes de moradia e mobilidade urbana. As tendências high tech e alguns problemas que se mantêm desde o período colonial convivem com poucas ruas de distância no mesmo território.

Agenda TGI

Mesmo surfando em atividades de ponta, que nortearão os avan- ços globais nas próximas décadas, como a tecnologia digital ou a estruturação do polo de hidrogênio verde em Suape e de energias renováveis, o crescimento da RMR acontece em paralelo ao incômodo fenômeno da concentração de renda. “Desemprego, pobreza, miséria, violência urbana são a tatuagem da RMR. A região incha em termos populacionais, cresce economicamente, mas não se desenvolve e muito menos distribui a renda advinda desse crescimento. A concentração de renda, advinda do crescimento econômico da região, é um dos grandes problemas a ser enfrentado pelo novo governo”, aponta o economista Sandro Prado, conselheiro do Corecon-PE (Conselho Regional de Economistas).

A DIFÍCIL FORMAÇÃO DOS TRABALHADORES

Com uma área restrita, o Recife não é um destino recomendado para atividades industriais, mas focadas nos serviços. Um dos esforços públicos e privados para elevar o valor agregado dessas atividades nas últimas décadas foi o investimento no parque tecnológico do Porto Digital. Além de contribuir para criar uma nova dinâmica e recuperação do Centro Histórico do Recife, esse polo conecta a capital pernambucana com a economia do futuro, em um setor intensivo em mão de obra. O gargalo, porém, é que a demanda é por profissionais com uma qualificação elevada.

Romero Maia, gestor de pesquisas do IBGE, traça dois cenários bem distintos para o futuro da RMR. Ele avalia que a região, principalmente o Recife, Olinda e Jaboatão, já estão conectados à economia do futuro e antenados com as principais tendências globais. Porém, ao observar os indicadores sociais, ele constatou que a maioria da população atual estará excluída das oportunidades que serão geradas nessas cidades. “Uma minoria do Recife conseguirá atender as demandas das tendências globais do mercado e participar desse futuro da RMR. Mas, no mínimo, dois terços da população não terão condições de se inserir nisso. O desenvolvimento chegou aqui em uma velocidade que ainda não atingiu as outras regiões do Estado, mas só para quem conseguir aproveitá-lo”.

De acordo com os dados do IBGE, o rendimento médio real dos trabalhadores desses dois terços da população mais pobre da Região Metropolitana do Recife é menor do que o das regiões de Maceió e de João Pessoa. “Se observarmos os que não trabalham, os índices da RMR também são maiores do que os dos nossos vizinhos. Hoje, a taxa de desocupação é de 17,2% (pessoas de 14 anos ou mais de idade, no terceiro trimestre de 2022). Se observarmos os indicadores educacionais, cerca de metade da população só tem até o ensino fundamental completo. Enquanto isso, as oportunidades que estão surgindo no Recife, na área de TI, exigem pelo menos uma formação específica tecnológica. Apenas 18% da população tem hoje ensino superior incompleto ou completo. Não chega a duas para cada 10 pessoas”.

Para minimizar os dramas sociais no curto e médio prazo, Romero Maia defende que o único caminho é um programa de renda mínima, além de seguir investindo forte na educação da população, com formação gratuita e ligadas ao mercado de trabalho do futuro. “O que vai crescer no futuro são oportunidades em inteligência artificial, big data, metaverso. Há uma grande demanda por profissionais de programação. Outro segmento que é a grande aposta da geração de oportunidades é o hub logístico de Suape. Mas a população mais pobre não terá tempo para ter capacitação suficiente para participar desse desenvolvimento. Devido aos indicadores sociais da RMR, no futuro, provavelmente será necessário um programa de renda básica universal. Não tem nada mais atual. A inovação é inevitável, mas nunca gerou desconcentração de renda”.

Diante desse desafio e dessa oportunidade, os esforços do Porto Digital, das organizações empresariais do polo e do poder público têm sido no sentido de acelerar a formação de mão de obra no setor de tecnologia. Mais recentemente, esse foco está voltado, inclusive, para a juventude de baixa renda do Recife, conforme defendeu Pierre Lucena, em recente entrevista à Revista Algomais: “Queremos levar o jovem de periferia para o Porto Digital” . As ações nessa direção estão no Embarque Digital, que é a grande aposta da Prefeitura do Recife para inclusão dessa população.

Frente a esse cenário de distância entre as oportunidades da economia do futuro geradas no Recife e a reduzida qualificação da população que mora na RMR, o gestor do IBGE indica ser fundamental o desenvolvimento das demais regiões pernambucanas para abraçar parte dos profissionais que não conseguirão se inserir no mercado. “O desenvolvimento sustentável da RMR depende das demais regiões. Não só para atender a demanda de consumo no Recife mas, também, para abarcar a sua população que não encontrará trabalho na capital e nas cidades da região”.

Em outras palavras, o gestor de pesquisas observa nas próximas décadas, caso haja um processo de desenvolvimento do Agreste, Zona da Mata e Sertão, haverá uma tendência de que parte das populações de baixa renda e baixa escolaridade migre para regiões do interior, onde a transição tecnológica tende a ser menos veloz.

COMÉRCIO E SERVIÇOS

Com uma intensa atividade comercial, seja nas centenas de lojas de rua ou nos diversos shoppings espalhados pela RMR, o varejo é um setor que requer atenção especial nas discussões sobre o desenvolvimento local. De acordo com Fred Leal, presidente da CDL Recife, os desafios de revitalização do Centro do Recife, o principal polo comercial, demandam uma ação conjunta do poder público municipal e estadual. “É importante e urgente uma parceria entre a Prefeitura do Recife e o Governo do Estado para requalificação do Centro do Recife, que não é algo só da cidade, mas é relevante para o Estado todo”, sugere.

Fred Leal elencou uma série de elementos econômicos e de infraestrutura importantes para garantir a sustentabilidade e o desenvolvimento do setor. Ele propõe, por exemplo, o retorno das secretarias e órgãos estaduais para a região central da cidade, o fomento à moradia no Centro e o reforço na segurança pública. Para o comércio de toda a RMR, defende ser preciso investir em mobilidade urbana, de todos os modais, além de tirar do papel o projeto do Arco Metropolitano.

“A Região Metropolitana do Recife é pequena e está entupida de muitos veículos. O anel viário (Arco Metropolitano) precisa ser resolvido para desafogar o trânsito e melhorar a mobilidade. Outro ponto mais macro e urgente a tratar é o metrô, que não pode continuar do jeito que está. Já deveria ter sido expandido. É um modal fundamental para trazer pessoas da periferia e de outras cidades para o comércio do Centro”, defende Fred Leal.

Os programas de geração de emprego e renda para a população, além de sua importância social, contribuem diretamente para a sustentabilidade econômica do setor de comércio e serviços. De acordo com Leal, um censo parcial realizado pela CDL sobre a quantidade de lojas da RMR contabilizou 6 mil estabelecimentos. O gestor estima que, ao ser concluído, o levantamento registre em torno de 10 a12 mil lojas.

Para além do comércio, o economista Sandro Prado destaca a saúde, a educação e as atividades turísticas no rol de serviços com importante capacidade de empregabilidade na RMR. Todos, porém, com desafios relevantes. “O turismo é um segmento que impacta mais de 50 setores da atividade econômica e poderia ser um polo indutor do desenvolvimento por ter características distributivas dos seus ganhos. O turismo de eventos, de sol e mar, de negócios, de saúde e o histórico-cultural, mesmo subaproveitado, tem relevância para municípios como Ipojuca, Recife e Olinda. A sofrível infraestrutura básica, a altíssima violência urbana e uma mobilidade precária são alguns dos obstáculos para o seu melhor aproveitamento”, afirmou o economista.

DESAFIOS INDUSTRIAIS

Ricardo Essinger, presidente da Fiepe, destaca que os maiores desafios industriais na RMR estão na infraestrutura, pela dependên- cia única do modal rodoviário, e na questão fiscal. Ele destacou também o Arco Metropolitano como fundamental para o desenvolvimento. “Ele é considerado por muitos industriais a solução para destravar a geração de riquezas em Pernambuco, além de ser necessário para o enfrentamento dos desafios de mobilidade na RMR. A BR-101 está sobrecarregada, encarecendo os serviços e os produtos, o que impacta negativamente as cadeias produtivas e ameaça a posição do Estado como um hub logístico do Nordeste. A construção do Arco Metropolitano trará melhorias no deslocamento urbano metropolitano e na eficiência logística entre os polos industriais dos Litorais Norte e Sul”.

Principal centro industrial da RMR, o Complexo de Suape fez importantes anúncios neste semestre — como a retomada da au- tonomia, a estruturação do polo de hidrogênio verde e o investimento da armadora dinamarquesa Maersk, para a construção de um novo terminal de contêineres — e promete seguir como um dos motores do crescimento da região. “O Complexo Industrial de Suape é o destaque na tímida industrialização da RMR. Se não fossem os investimentos e a grande injeção de capital realizada em Suape, a Região Metropolitana estaria em uma situação extrema de precarização tributária e numa crescente desindustrialização. A localização geográfica estratégica do Porto de Suape fez com que o Estado se tornasse um dos mais importantes operadores logísticos através do modal marítimo no Brasil”, destacou o economista Sandro Prado.

Essinger destaca que os recentes anúncios trazem boas perspectivas para a região, ampliando a capacidade de atrair investimentos. “Com a autonomia, Suape readquire a competência para a condução de estudos, a elaboração de editais, a realização dos procedimentos licitatórios e a celebração dos contratos relativos aos arrendamentos portuários com mais agilidade e menos burocracia. Em relação ao impacto socioeconômico, a autonomia vai dar mais celeridade aos processos, tornando Suape um porto ainda mais competitivo para atrair empresas e novas cargas, com impacto direto na economia do Estado e na geração de emprego e renda”, vislumbra Essinger.

Diante da mudança do governo estadual, a Fiepe está elaborando uma proposta de Política Industrial de Estado para ser entregue à nova governadora de Pernambuco, Raquel Lyra, com sugestões para melhorar a competitividade, reduzir o excesso de burocracia e facilitar o acesso a crédito. A capacitação de mão de obra também é um desafio para ao setor industrial, em razão da baixa inserção dos jovens na educação profissionalizante.

QUESTÃO METROPOLITANA

Dois temas apontados como prioridade pelos entrevistados, o Arco Metropolitano, que envolve questões críticas de mobilidade, logística e ambientais da RMR, e o metrô, que corta alguns dos principais municípios da região, são exemplos de demandas que requerem ser tratadas de forma integrada entre diferentes prefeituras e em articulação com o poder estadual e federal. Mas não são apenas essas questões que extrapolam os limites de cada cidade e exigem uma gestão metropolitana. A elevação do nível do mar, o enfrentamento da violência urbana e mesmo a revitalização do Rio Capibaribe (a exemplo do que acontece no Parque Capibaribe no Recife) são problemas enfrentados pela região que, de igual modo, não se resolvem apenas no âmbito municipal.

No entanto, enquanto os desafios urbanos, econômicos, ambientais e sociais se acumulam, o Estado aguarda a aprovação do Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) da RMR, que foi exigido pelo Estatuto da Metrópole. Elaborado pela Condepe-Fidem há praticamente dois anos, ele segue sem força de lei por não ter sido aprovado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco.

A retomada de uma visão de longo prazo e metropolitana da região é um dos desafios para o desenvolvimento na análise de Sheilla Pincovsky, diretora-presidente da Condepe-Fidem (Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco) “É fundamental retomar a leitura e análise sobre a região, do ponto de vista do território metropolitano como um todo. É preciso haver uma solidariedade territorial dos municípios, sobretudo daqueles que são conurbados, que têm dependência econômica ou de prestação de serviços de um lado ou do outro. Ao longo do tempo, o Brasil perdeu esse olhar. É muito importante a complementaridade entre os municípios”.

Há praticamente duas décadas, o Conderm (Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife), órgão deliberativo e consultivo que tratava de assuntos comuns aos municípios, perdeu a força, impactando diretamente o planejamento urbano integrado. Hoje existe um Sistema Gestor Metropolitano que tem a urgência de ser dinamizado para atrair recursos e fomentar o planejamento de forma integrada. “A implementação efetiva do Sistema Gestor Metropolitano e a aprovação do PDUI são bases para buscar projetos para resolver os problemas da metrópole. Muitas dificuldades clássicas permanecem, como a drenagem e a habitabilidade. As melhorias habitacionais são questões estraté- gicas e de dignidade das pessoas, são prioridades para a região”, declarou Sheilla Pincovsky.

A mobilidade urbana, os sistemas de saúde, em especial de maior complexidade, e o tratamento dos resíduos sólidos são algumas das inúmeras agendas das políticas públicas que não funcionam de forma efetiva se não forem realizadas numa abordagem conjunta e com uma orientação unificada. “O PDUI propõe um plano de ações metropolitanas prioritárias, de maneira articulada”, afirma Sônia Calheiros, diretora de planejamento e ordenamento territorial.

“No levantamento do diagnóstico do plano, por exemplo, verificamos que vários municípios expandiram sua área urbana, ampliando a mancha urbana sem infraestrutura. Uma das propostas era que na revisão dos planos diretores, essas áreas fossem reduzidas, a partir do conceito de cidades compactas, otimizando o uso dos recursos e fortalecendo uma rede de centralidades na região. Isso evi- taria que todos precisassem ir ao Centro”, afirmou Sônia Calheiros. Ela destaca também que há orientações no documento para desconcentrar as atividades econômicas no território da RMR. “Um dos desafios que identificamos é promover uma menor concentração e desigualdade intrarregional, com superação da baixa competitividade”, destacou Sônia Calheiros.

As propostas e as discussões para chegarem ao PDUI, que aguarda a aprovação, estão disponíveis pela Agência Condepe-Fidem no link: https://www.pdui-rmr.pe.gov.br

Em diversos setores e aspectos, a RMR tem um forte destaque econômico, quando comparada com as demais regiões metropolitanas do Norte e Nordeste. Transformar essa pujança em desenvolvimento e qualidade de vida para a sua população, com sustentabilidade ambiental, social e econômica, para os dois terços mais pobres é o salto nos horizontes de curto, médio e longo prazo, diante dos problemas históricos que se agravaram nos últimos anos, atingindo especialmente as populações de baixa renda e moradoras das periferias.

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