No evento do Projeto Pernambuco em Perspectiva, Raul Henry fez um diagnóstico preocupante da educação no País e em Pernambuco. Ele propõe a priorização da primeira infância e da alfabetização; o investimento no ensino em tempo integral e na educação tecnológica, além da valorização da carreira docente.
*Por Rafael Dantas
A educação de qualidade abre os caminhos para o acesso à cidadania, para o aumento da renda individual e impacta diretamente o desenvolvimento econômico do País. Além disso, fortalece a mentalidade democrática da sociedade e contribui para a redução das desigualdades. A ausência ou as falhas dos sistemas de ensino impactam em todos esses pilares, segundo disse Raul Henry, durante o encontro de novembro do projeto Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo, coordenado pela Rede Gestão e Revista Algomais.
O ex-deputado federal e ex-vice-governador apresentou um diagnóstico das fragilidades do sistema educacional do Brasil com muitos pontos críticos. A trajetória do País nas últimas décadas apresentou avanços na universalização do acesso às vagas, na criação dos fundos de financiamento à educação, bem como nos sistemas de avaliação. Todos esses eixos, porém, carecem de aperfeiçoamentos, mas o próximo salto a ser dado é na qualidade da aprendizagem.
No ano passado, 43% dos alunos do segundo ano do ensino fundamental não estavam alfabetizados ainda. O número é quase o mesmo de antes da pandemia (44%). Um estudo sobre a habilidade da leitura das crianças, publicado em 2023 pela Associação Internacional para a Avaliação de Conquistas Educacionais, apontou que o Brasil ficou apenas na 52ª posição, entre 57 países. Ficaram à frente países como Kosovo e Uzbequistão.
Quando observados indicadores sobre conhecimentos matemáticos e lógicos, o vexame é ainda maior. De acordo com a Prova Brasil, apenas 5,2% dos estudantes de escolas públicas do ensino médio brasileiro têm um percentual de conhecimento adequado em matemática. No ensino fundamental é de 18,5%.
Apesar de ter indicadores melhores, mesmo na rede privada o desempenho é baixo. Apenas 41,3% têm conhecimentos adequados em matemática no ensino médio e 55,8% no ensino fundamental. Com poucas exceções, nas análises locais e internacionais a qualidade da educação brasileira foi reprovada.
CRISE NA CARREIRA DOCENTE
Um quadro trágico pintado com cores da falta de investimentos e de gestão. Como resultado, há não apenas notas baixas dos alunos como uma fuga da carreira de professor, profissional fundamental para o sucesso da escola. De acordo com uma pesquisa do Instituto Península e do Movimento Profissão Docente, apenas 5% dos jovens brasileiros no ensino médio consideram seguir a carreira de docente.
A desvalorização da profissão, associada às baixas remunerações e à falta de uma perspectiva de carreira, explicam a rejeição da área. O Brasil tem desempenho ruim na maioria dos indicadores sobre a educação, porém nada se compara quando analisados os proventos do professor. “É preciso investir na carreira docente. Está provado por inúmeras pesquisas que o elemento intraescolar mais importante para a aprendizagem dos alunos é o professor”.
O salário médio do ensino básico no início, no meio e no final da carreira no Brasil é o pior do mundo. O estudo, elaborado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), comparou os rendimentos dos profissionais da área de 41 países. Nesse recorte, o País ficou atrás da Hungria e até da Costa Rica.
Além da remuneração, o ex-vice-governador destacou que há um gargalo na formação dos professores no Brasil. Seja nas licenciaturas ou nos cursos de pedagogia, ele ressalta que há uma distância entre os processos formativos e as necessidades práticas da vida escolar como, por exemplo, a capacitação para a alfabetização.
A EXPERIÊNCIA DE SOBRAL E OS CAMINHOS PARA O FUTURO
Os dados da tragédia da educação brasileira não são apenas de Pernambuco, são nacionais. O Estado, no entanto, possui destaque em avaliações no nível médio, especialmente pelo avanço da oferta de vagas nas escolas em tempo integral.Um dos motivos que impedem um progresso maior no desempenho dos estudantes pernambucanos são as deficiências na educação básica, área em que o grande case nacional é a cidade de Sobral. Raul Henry destacou que os municípios que seguiram a trilha da cidade cearense também estão avançando de forma acelerada, como é o caso dos alagoanos Teotônio Vilela e Coruripe.
No Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), a nota de Teotônio Vilela nos anos iniciais do Ensino Fundamental em 2013 era 2,7. Naquele mesmo ano, Pernambuco tinha desempenho avaliado em 3,4 e a média nacional era de 3,8. Dez anos depois, em 2023, enquanto o Brasil avançou para 5,8 e o Estado foi a 5,3, a cidade alagoana saltou para 9,0. Em Coruripe, que em 2013 tinha uma nota acima da média nacional (5,1), chegou no ano passado a 9,7.
“O que está dando certo nas cidades que avançaram no Ideb no Brasil é a coerência pedagógica. O exemplo inspirador é Sobral, outras cidades acompanharam esse exemplo. Hoje, 26 das 50 cidades do País com maior Ideb são cearenses ou alagoanas, que copiaram o exemplo de Sobral”, afirmou Raul Henry.
Ao considerar a experiência de Sobral, das cidades que seguiram a sua trilha e o que apontam também as evidências internacionais, Raul Henry destacou ser fundamental roteirizar o currículo. Um plano objetivo e semanal em que os docentes tenham não apenas uma definição dos conteúdos a serem trabalhados, mas uma orientação pedagógica e acesso a recursos que os inspirem a desenvolver cada aula.
“O currículo é o documento mais importante do sistema educacional”, defendeu Raul Henry. Ao compartilhar a experiência educacional da Austrália, ele disse que cada item do currículo indica a competência que a criança vai usar em sua vida, qual o melhor material didático recomendado e quais os suportes digitais disponíveis.
PARCERIA ENTRE GOVERNO FEDERAL E REDES MUNICIPAIS
Parte do problema remuneratório da carreira docente poderia ser resolvido a partir de uma parceria entre o Governo Federal e os municípios. Diferente de Cristovam Buarque, que defendeu de forma clara um plano para federalização das redes de ensino fundamental, hoje divididas entre os poderes municipais e federais, Raul Henry propôs um outro caminho. O ex-deputado defende que o Governo Federal contribua na remuneração dos docentes, de forma a que esses profissionais tenham um salário municipal e um segundo contracheque federal. “Pode-se fazer uma carreira suplementar de professores que aumente o salário com uma remuneração adicional, melhorando o recrutamento. Isso porque o jovem que vai fazer o vestibular para a carreira saberá que terá um contracheque do município e um federal”, exemplificou.
Com essa medida, o problema dos baixos salários da classe, que afugenta o jovem dessa carreira, seria enfrentado. Hoje, dependendo principalmente dos cofres municipais, não há uma perspectiva de resolver esse gargalo central que é a desvalorização do professor, peça central em qualquer avanço no aprendizado.
A partir disso, Raul considera que o Governo Federal ganha também força para promover um grande programa de requalificação dos professores, para que esses profissionais só tenham acesso à nova carreira se conseguirem ter conhecimento pedagógico do conteúdo das disciplinas. Nessa direção, ele avalia que o Governo Federal pode ter muitos instrumentos de coordenação da política educacional, sem federalizar as escolas.
Raul Henry lembra que chegou a fazer um projeto de lei com essa proposta na Câmara Federal e que o próprio Cristovam Buarque tinha encaminhado um semelhante no Senado, mas ambos não avançaram. A instituição de uma Lei de Responsabilidade Educacional foi outra movimentação do ex-parlamentar para instituir critérios mínimos para o avanço dos diversos sistemas de aprendizado do Brasil. O projeto estipula padrões mínimos de qualidade para as escolas públicas. Uma das propostas mais polêmicas do projeto entre a classe política ficava para a punição: o texto previa que os prefeitos e governadores que registrassem retrocessos no Ideb durante suas gestões ficariam inelegíveis por cinco anos.
A discussão da federalização das redes de ensino básico foi um dos assuntos que surgiu durante o debate após a palestra, a partir de uma provocação do sociólogo e presidente do Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro, José Arlindo Soares. Ele considera que um caminho para promover realmente uma revolução educacional passaria por levar essas escolas para a responsabilidade do ente federal que concentra a maior parte dos recursos públicos.
“Algumas propostas que estão sendo feitas são incrementais. Acrescentam o que já existe. O que Cristovam Buarque propõe, com o que estou convencido, é que é preciso dar um salto qualitativo. A federalização não pode ser feita de uma vez só, mas é preciso um processo. Se deixar apenas o incrementalismo, vamos levar séculos para uma transformação”, afirmou José Arlindo Soares.
“O Governo Federal pode assumir um percentual a cada ano de eleições municipais. Por que as escolas técnicas são boas? Se elas fossem administradas pelos municípios seriam um desastre”. O sociólogo considera, dessa forma, uma dificuldade grande que as redes municipais teriam de desenvolver o ensino técnico, que hoje é predominantemente conduzido pelo Governo Federal (com os Institutos Federais) e pelos governos estaduais.
PRIORIZAÇÃO NA PRIMEIRA INFÂNCIA
Outra questão chave na reversão da crise da educação brasileira é priorizar a primeira infância. Enquanto os melhores indicadores do Brasil estão no ensino superior, onde o Governo Federal é responsável pela maioria das instituições, vários estudos internacionais dão conta de que é fundamental a atenção aos 6 primeiros anos de vida da população.
“Quanto mais o Estado investe na primeira infância, maior é o retorno econômico para o próprio Estado. Para cada US$ 1 investido na primeira infância, há uma economia de US$ 7 até os 35 anos dessa pessoa. Isso porque os indivíduos têm mais saúde, são menos propensos à violência e aos vícios. Apesar disso, 98% dos recursos investidos em educação são feitos após a primeira infância”, alertou Raul Henry.
Ele denuncia que o País ainda não criou uma política nacional que dê suporte às necessidades e desafios da primeira infância. Além disso, esse é um serviço que está longe de ser universalizado mesmo nas capitais e que fica sob a responsabilidade dos municípios. De acordo com dados do IBGE, 2,3 milhões de crianças de 0 a 3 anos não frequentam creches por dificuldade de acesso ao serviço. Quando se faz o recorte das famílias mais pobres, o percentual daquelas que não conseguem vagas é quatro vezes maior.
AUSÊNCIA DE MOBILIZAÇÃO POPULAR
Um dos grandes entraves para reverter a situação da educação brasileira, na avaliação de Raul Henry, é a ausência de um engajamento da população pela pauta. “Educação no Brasil não dá nem tira voto. O descompromisso das lideranças públicas com a educação vem daí. Se não tem prioridade política, não tem atenção ou compromisso do líder político, permaneceremos na escassez no setor”.
O debate acerca do futuro da educação pernambucana se situa como uma das agendas essenciais do projeto Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo. A iniciativa parte de uma hipótese de que o ciclo de desenvolvimento do Estado, gestado na década de 1950, esgotou-se e que é necessário formular um novo horizonte, tendo amplo engajamento da sociedade.
“Conseguimos identificar, no âmbito de um pesquisa de mais de três décadas sobre o desenvolvimento do Estado, incluindo o projeto Pernambuco em Perspectiva, que é integrado não só pelas palestras, mas também por outros estudos complementares e contribuições técnicas, de que aquele modelo esboçado pelo Padre Joseph Lebret para Pernambuco precisa ser atualizado e redesenhado para as novas exigências do Século 21. Uma das questões absolutamente essenciais de um modelo de desenvolvimento competitivo é justamente a educação de excelente qualidade em todos os níveis”, afirmou Francisco Cunha, sócio e consultor da TGI. “Esse modelo precisa ser discutido pela sociedade, não é uma tarefa só de governo”.
A fórmula proposta por Raul Henry durante o encontro deste mês de novembro passa, portanto, por sete pilares. A priorização da primeira infância e da alfabetização; o investimento no ensino em tempo integral e na educação tecnológica; a maior eficiência da equação entre financiamento e gestão educacional, além da valorização da carreira docente e da implementação de uma coerência pedagógica nas redes de ensino. O salto a ser dado por Pernambuco na educação é muito grande, do tamanho dos desafios de ser competitivo no Século 21.
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)