Trabalhei 43 anos em propaganda. Há 14, tô fora. Agora, posso falar. Taí uma coisa que já se fez melhorzinha no Brasil: propaganda.
Hoje, a questão não é nem se os comerciais de televisão são bons ou ruins. Se fossem apenas medíocres, já estariam no lucro; uma vez que lembrados. Mas nem isso. Passam batidos. Você mesmo, leitor, lembra de algum que viu ontem à noite?
Outro dia, fiz o que fazia com regularidade profissional, mas que há muito tempo não me dava à pachorra de fazer: liguei a TV para ver os intervalos comerciais. Dia seguinte, tentei lembrar do que tinha visto. Necas!
Como lembrava de tudo que havia feito e visto no dia anterior, menos dos comerciais, afastei a presença do alemão, Alzheimer. Tirando o “Passa no Posto Ipiranga”, que tá no ar há muito tempo, não lembrei de nenhum comercial. Nem unzinho sequer. Quer dizer, quando lembrava de alguma coisa, não lembrava do produto. E vice-versa. A geleia é geral.
Testei entre amigos e amigas. E você, leitor, mesmo jovem, também pode testar: pergunte aos que têm mais de 40 anos se lembram disso: “o primeiro a gente nunca esquece” e “tem mil e uma utilidades”. Bordões publicitários que, incorporados à linguagem do dia a dia, eram ditos quando se pretendia expressar uma experiência de vida inesquecível e algo que pudesse ser usado para diversas tarefas. Reais ou metafóricas. Washington Olivetto, criador dos comerciais (para Valisère e Bombril), dizia que as pessoas preferiam “ser seduzidas a serem estupradas”. O que houve, então? Mudaram as preferências?
Um comercial não era criativo e original para ser obra de arte nem para fazer a fama do seu criador. Mas para ser percebido e o produto lembrado. Diferente, para não ser confundido com um concorrente, com atributos semelhantes. Se bem-humorado (alguns, até engraçados), para que o produto anunciado ganhasse a simpatia do mercado. Alguém duvida do poder de sedução do humor?
Aqui no Recife, quem tá na faixa dos 30 e alguma coisa haverá de lembrar: “Quer moleza? Vai no Balaio!” (criado pelo meu amigo Jairo Lima para o Grupo Bompreço) e “Davanira! Tire sua roupa da janela. Toda vez que vejo ela na janela, só me alembro de você sem ela” (do maior jinglista pernambucano de todos os tempos, Carol Fernandes, para Casas José Araújo).
Citei apenas quatro comerciais. Houvesse espaço (e saco do leitor), teria citado dezenas. É provável qu’essa propaganda medíocre que taí hoje em dia seja reflexo da falta de imaginação e burrice que reinam, soberanas, sobre o País.
Ao ver uma mulher descendo o morro com uma trouxa de roupa na cabeça, João Gilberto disse a Moraes Moreira:
“Lá vem o Brasil descendo a ladeira.”
P.S.: Em 1918, impressos em cartazes publicitários, os versos do pernambucano Bastos Tigre faziam sucesso nos bondes de todo o país: Veja, ilustre passageiro, / o belo tipo faceiro / que o senhor tem ao seu lado. / E, no entanto, acredite, / quase morreu de bronquite. / Salvou-o o Rhum Creosotado.