*Por Geraldo Eugênio
O País se consolidou como um dos mais importantes produtores de alimentos e matérias-primas agrícolas do mundo. Sua agricultura comercial é enaltecida, objeto de admiração e busca de conhecimento e exemplo. Foi um feito louvável de milhares de agricultores que se deslocaram dos estados do Sul, ocuparam o Cerrado e até parte da Amazônia. Hoje, o Brasil aparece como terceiro mais importante parceiro comercial no agronegócio mundial liderando o comércio de algumas commodities como o grão e o farelo de soja, o açúcar, a carne de frango, o milho, o papel e celulose, o suco de laranja, o algodão.
E é óbvio que a estratégia de organização de uma força em que ao redor de 40 mil estabelecimentos dominam o setor é típica de empresas negociando à montante e à jusante de forma coordenada por suas associações, cooperativas e poder de barganha e, de certa forma, facilitando o cumprimento de metas dos agentes financeiros que, normalmente, são avaliados pelo volume de empréstimos executados em uma determinada safra. Obviamente que nem tudo são flores neste ambiente. Recentemente a principal executiva do Banco do Brasil veio a público deixar claro que a inadimplência de um grupo expressivo de clientes do agro estaria colocando em risco a saúde financeira da instituição, uma vez que se insistia em renegociações não honradas e o nascimento de uma organização de incentivo à recuperações judiciais falsas.

Tal como a fábula de que a agricultura familiar é responsável por 75% dos alimentos produzidos no Brasil, o que não é verdade, o agronegócio insiste em dizer que as exportações brasileiras alimentam 1,2 bilhão de pessoas em centenas de países, outro exagero. A participação no comércio exterior é importante, mas entre fazer parte da política de segurança alimentar de um determinador país importador e alimentar a população daquele país é algo pouco cabível.
O fato é que, segregando-se a grande agricultura, com seu papel estratégico, restam milhões de pequenos e médios produtores, a maioria dos quais considerados como parte do contingente da agricultura familiar. Nesse caso, a força negocial não está no empréstimo ou na venda individual, mas na capacidade organizativa e poder de negociação coletiva, seja nas compras ou nas vendas e, até, nas negociações com o ente público.
Um dos maiores sucessos em termos de métrica nas últimas três décadas tem sido o volume de recursos disponíveis para o crédito rural, que hoje alcança um valor superior a R$ 80 bilhões. Destaca-se aqui a importância estratégica de apoio a esse segmento por razões que vão da ocupação do campo, já que facilita a fixação de jovens e em especial dos jovens que concluíram o ensino médio e superior; cria uma classe média rural que não pretende deslocar-se para o ambiente urbano; gera riquezas, atrai investimentos, cria uma demanda qualificada por infraestrutura, serviços tecnológicos, assistência técnica, crédito e comercialização e estabelece a coluna dorsal de uma política nacional de segurança alimentar.
Ao se contemplar o semiárido, por exemplo, não há dúvida de que o pequeno e médio produtor deve ser centro das atenções visando à consolidação da agricultura brasileira como fiel da economia e provedora dos alimentos essenciais à nação e ao mundo. Nesse sentido o papel do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil) e do governo estadual em estimular a discussão por mecanismos facilitados de empréstimos, de capacitação de comércio, de logística e da valorização por políticas de apoio aos jovens e às mulheres, é imprescindível. Por mais que alguém questione a necessidade de se contar com um ministério destinado a esse público, há de se reconhecer que as características e demandas da agricultura comercial e a complexidade da agricultura familiar são de tal monta que dificilmente um único ministério poderia acolher grupos tão distintos em suas aspirações e objetivos.
Exemplos de sucesso nos assentamentos da reforma agrária
Desta feita, é fundamental chamar a atenção para sinais de sucesso do programa de reforma agrária em algumas regiões. Um exemplo claro é a região do Submédio São Francisco, destacando-se os municípios de Santa Maria da Boa Vista, Lagoa Grande e Petrolina. Nas últimas décadas do Século 20, empresários de outras regiões, em busca de incentivos fiscais e de crédito facilitado, estabeleceram-se nesses três municípios. Como em qualquer movimento de desenvolvimento regional, há aqueles que serão bem-sucedidos e aqueles que, principalmente quem não se aculturou à região, não conseguirão persistir e consequentemente se destinam à falência. Esse cenário, típico da última década do século anterior e da primeira do Século 21, resultou em dezenas de imóveis que não se viabilizaram, indo à falência e consequentemente deixando no rastro milhares de trabalhadores que perderam seus empregos.

Nesse contexto, as pressões dos movimentos sociais, que trabalharam a organização dessa massa de trabalhadores abandonados, viram na desapropriação desses imóveis o modelo mais prático de reposicionamento na economia regional. No início a situação não foi fácil. Em alguns casos o que se viu foi o desmonte de sistemas de irrigação de centenas de hectares e a venda pura e simples de canos, conexões, bombas, sistemas de aspersores negociados a preços vis em um mercado paralelo e ilegal. Mas essa fase foi ultrapassada e agora o que se vislumbra é a consolidação das agrovilas como comunidades dinâmicas, contendo escolas, postos de saúde, serviços de internet, mercado, infraestrutura de estradas e uma segurança normalizada. Os assentamentos do São Francisco identificaram vocações próprias e fugindo do binômio uva-manga, outras espécies passaram a fazer parte do cardápio produtivo, como a seriguela, a banana, o melão, a melancia e o coco.
E por incrível que possa parecer a quem não conhece a região, há um deslocamento de trabalhadores e trabalhadoras que preferem estar empregados na colheita da acerola e das frutas em geral, o que os ocupa durante um único expediente, do que estarem comprometidos com empregos que remuneram até menos e exigem a presença durante todo o dia.

