Desafios para o Desenvolvimento do Sertão - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Desafios para o Desenvolvimento do Sertão

Revista algomais

*Por Rafael Dantas

Em comemoração à edição 200 da Algomais, ao longo deste mês publicaremos a Série Desafios do Desenvolvimento em Pernambuco, discutindo semanalmente cada uma das regiões do Estado, iniciando pelo território sertanejo.

Agenda TGI

O crescimento econômico nem sempre é acompanhado por melhorias de vida da população. No entanto, políticas públicas efetivas e o planejamento de longo prazo sustentável (nos âmbitos social, ambiental e econômico) são importantes motores para transformar a atração de grandes investimentos e os avanços estatísticos do PIB em desenvolvimento inclusivo. Os desafios muitas vezes são ambientais, como a seca, ou carecem de aspectos como infraestrutura ou educação para transformar vocações locais em negócios sólidos, geração de empregos e renda. Oportunidades e ameaças são distintas de cada região e até mesmo cidade.

A presidente da Agência Condepe/Fidem, Sheilla Pincovsky, aponta que existem algumas tendências impossíveis de serem revertidas no cenário global que representam grandes desafios para o planejamento do Estado. “Temos algumas tendências irreversíveis que não podemos perder de vista. A primeira são as mudanças climáticas, que têm trazido eventos extremos. Isso nos leva ao desafio de conviver com elas, que não é simplesmente plantar árvores, mas um conjunto de ações. Outros destaques são para o baixo crescimento da população, o avanço das novas tecnologias da informação e inovação, além do crescimento das parcerias público- privadas na forma de gestão. São norteadores para o Estado e podemos dizer para o mundo todo”.

A mais extensa região pernambucana, com dois terços do território, o Sertão apresenta dificuldades e potenciais bem diversificados. Ao mesmo tempo em que participa da cadeia global da exportação de frutas, no Vale do São Francisco, enfrenta a escassez de água e a falta de perspectivas para a juventude em outras microrregiões que maltratam muitas famílias.

INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA

Três pontos essenciais apontados pelo economista e professor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), em Serra Talhada, Kleyton Siqueira, para o desenvolvimento e crescimento econômico são o investimento físico, investimento em capital humano e em tecnologia. “O Sertão ficou muito tempo sendo deixado de lado em termos de investimento produtivo. Mesmo tendo vocação agrícola, pela grande população rural que ainda existe, ainda que tenha baixa disponibilidade de água, recebeu historicamente poucos recursos. Isso criou uma tendência de crescimento menor do que nas regiões metropolitanas. Para acontecer uma mudança é preciso investir na industrialização ou mesmo em novas formas produtivas para a agricultura, como com a irrigação, o que aconteceu em Petrolina e que mudou o patamar de produção e produtividade que aquela atividade poderia resultar”.

Dois dos principais investimentos aguardados na região são os avanços das obras de infraestrutura hídrica (transposição do São Francisco, instalação de adutoras, etc.) e a ferrovia Transertaneja que conectará o Sertão ao Porto de Suape. Ambas geram emprego e renda durante os anos de construção civil, que são intensivos em contratação de mão de obra. Além disso, os sistemas de abastecimento de água para a região atacam o problema da escassez desse recurso natural, que é um dos maiores entraves para a manutenção da população na região e para o crescimento de atividades produtivas. Já a ferrovia será o grande canal logístico para escoar de forma mais econômica para os grandes centros consumidores a produção do Sertão.

“A infraestrutura logística importa bastante, pois permite que o Sertão explore melhor o seu potencial produtivo. Como se trata de uma região de baixa densidade populacional, o aumento da produção deve ser absorvido por outras regiões. Com a ferrovia será possível produzir em Serra Talhada e transportar para qualquer lugar. A chegada dos aeroportos na região também foi importante, pois melhora o trânsito de técnicos especializados que podem dar suporte às indústrias, para manutenção de máquinas e equipamentos”, analisa o economista.

Além de obras hídricas, outro investimento relevante realizado pelo Governo de Pernambuco foi a estruturação de uma malha aérea em várias cidades do interior de Estado e de mais investimentos no consolidado Aeroporto de Petrolina, que teve a gestão transferida para a iniciativa privada. Entraram em operação no Sertão os aeroportos de Araripina, neste trimestre, e de Serra Talhada, há dois anos.

Sobre a ferrovia, a grande expectativa da região fica com o anúncio da Transertaneja, que é uma alternativa à Transnordestina, cuja conclusão se arrasta, há anos, sem avanço. Neste ano, a Planalto Piauí Participações e Empreendimentos, integrante do grupo Bemisa Brasil, empresa que recebeu autorização para construção da linha entre Curral Novo (PI) até Suape, anunciou também o investimento de R$ 1,5 bilhão em um Terminal de Minérios, na Ilha de Cocaia. “Com a malha ferroviária, o porto poderá movimentar desde os grãos de soja de Matopiba (região entre Tocantins, Bahia, Piauí e Maranhão), até as frutas do Vale do São Francisco e a gipsita do Sertão do Araripe, além de interiorizar cargas como combustíveis, gás de cozinha, cargas conteinerizadas, veículos, entre outras mercadorias, consolidando sua integração à rede logística da região”, afirmou Roberto Gusmão, diretor-presidente do Porto de Suape.

No campo da infraestrutura hídrica, além de grandes obras, como os canais e a Transposição do São Francisco, Romero Maia, gestor de pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), ressalta a importância da construção de cisternas. O programa, que atingiu há alguns anos a marca de um milhão de unidades construídas, foi uma das principais iniciativas para a manutenção da população no interior e também para a dessedentação animal, isto é, ofertar água aos animais para que não padeçam de sede.

APOSTA NO CAPITAL HUMANO

O gestor de pesquisa do IBGE avalia que a falta de investimento em capital humano é um entrave histórico tanto para o crescimento industrial na região, como para o surgimento de qualquer outra atividade econômica. Para Maia, um dos grandes desafios do Sertão é justamente o fortalecimento ou a descoberta de vocações econômicas que demandam menos água, devido à escassez hídrica do território. A instalação das universidades no interior é apontada por todos os especialistas, inclusive, como um dos grandes investimentos para a indução do desenvolvimento regional.

“A Transposição do São Francisco é ótima. Mas esse não pode ser o único pensamento para o Sertão. Não precisamos de plantação de soja e a região não deve ser vista apenas como uma propriedade rural. É preciso pensar com outra cabeça, outros tipos de atividades, mais ligadas à indústria e à tecnologia”, sugere Maia.

Em Belém do São Francisco, que fica a 500 quilômetros do Recife, uma experiência de destaque é da Agrodan. A empresa, produtora de manga principalmente para exportação, tem investido na educação das crianças e adolescentes do município, com a perspectiva de prepará-los para as atividades do futuro.

A empresa construiu e mantém a Escola Professora Olindina Roriz Dantas, que atende atualmente 324 alunos, do maternal ao 9º ano do Ensino Fundamental. No próximo ano, a escola terá sua primeira turma de ensino médio, que oferecerá a qualificação em ciências de dados, em parceria com a Cesar School. Os planos do empresário Paulo Dantas são de iniciar uma faculdade, com o curso superior na área de tecnologia da informação, em 2026.

“Até lá teremos 600 alunos na escola. Estamos formando essa juventude com essa oportunidade nas ciências de dados e quem desejar seguir poderá abrir uma startup e prestar serviços ao mundo inteiro do meio do mato, sem precisar deixar a cidade”, afirmou o empresário, destacando que os estudantes recebem formação também de inglês e empreendedorismo.

Paulo Dantas acredita que em Belém do São Francisco, a capacitação e o despertar para o empreendedorismo são fatores fundamentais para a população criar negócios, mesmo na área rural. “Temos todas as condições. Solo, água e sol o ano inteiro. As pessoas não empreendem porque não sabem que podem. O Sebrae, as prefeituras e bancos têm um papel importante de dar mínimas condições para estimular o potencial imenso para desenvolver atividades como a fruticultura, caprinocultura, piscicultura e a apicultura. Há muita coisa a ser incentivada. Muita gente em condições de produzir está dependendo de bolsas para sobreviver e quase passando fome. É preciso desenvolver a região também com o turismo, que tem um potencial grande.”

Kleyton Siqueira lembra que nas regiões desérticas dos Estados Unidos, por exemplo, cresceu o segmento de cassinos, que não precisam de água. “Porque o Brasil não pode explorar essas regiões onde chove pouco ou não chove com outros serviços que não dependam desse recurso? Além dos cassinos, os parques tecnológicos ou mesmo a educação são alternativas fortes, que podem produzir novas ideias e criar novas patentes”.

ANTIGOS POTENCIAIS E NOVAS VOCAÇÕES

Rafael Coelho, vice-presidente da Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco) e empresário na cidade de Petrolina, sugere ser necessário inicialmente refletir sobre o potencial dos produtos nativos da caatinga que podem ser utilizados para diversos fins, como na indústria alimentícia ou mesmo na farmacêutica. “Essa é uma porta que se abre com a pesquisa que devemos explorar, tanto a universidade, quanto os órgãos de pesquisa e mesmo as empresas devem se interessar por essa nova fronteira. Outra fronteira são os nossos já conhecidos produtos regionais que podem ser industrializados aqui mesmo, gerando riqueza na sua origem. De certa forma as peles caprinas e ovinas seguem esse perfil, bem como a indústria gesseira, que pode se especializar em produtos diferenciados”.

Ele defende que é preciso atender as demandas das áreas irrigadas. “Elas serão cada vez maiores e mais complexas, no sentido tanto de dar suporte, como de processar e industrializar o que for produzido. O volume e a diversidade dos produtos será uma realidade que demandará a parceria da indústria para escoar das mais diversas formas essa produção”, projeta o empresário.

Para além do investimento em agregar valor nas atividades já típicas da região, o vice-presidente da Fiepe destaca outros setores que já estão atraindo investimentos importantes. “Há um grande potencial que começa a ser explorado de energias alternativas, que já trazem um impulso econômico, principalmente por meio das contribuições fiscais ou da renda pelo uso do solo. Essa revolução energética é uma grande oportunidade atual para o semiárido. Devemos também ter coragem para debater a possibilidade da instalação de centrais nucleares.

Esse é um ponto sensível, mas que está sendo revisto na Europa e aqui também precisamos analisar com muita acuracidade e sem paixões”. Esse potencial energético, em especial das matrizes renováveis, está no campo das tendências irreversíveis para o mundo, apontado pela Condepe-Fidem. “É preciso agir na mudança da matriz energética, em razão das mudanças climáticas. Pernambuco está bem desenvolvido e tem oportunidades importantes para serem aproveitadas, como energia solar, eólica e hidrogênio verde. E isso já está acontecendo no Estado, que tem um plano de descarbonização, com muitas medidas em foco e algumas experiências exitosas”, afirmou Sônia Calheiros, diretora de Planejamento e Ordenamento Territorial da Condepe-Fidem.

A formação de um ‘Vale do Silício’ no Sertão e a plantação de cannabis para uso medicinal, além de uma ampla diversidade de arranjos produtivos locais, como a meliponicultura, foram outras das atividades com potencial de crescer na região mencionadas pelos especialistas entrevistados.

Seja com as atividades tradicionais ou com as novas vocações, Rafael Coelho afirma que elevar a renda média da população sertaneja é um dos grandes desafios a serem enfrentados na promoção do desenvolvimento do Sertão. “O primeiro desafio é a baixa renda per capita, com uma população esparsa, fazendo os níveis de consumo serem limitados. Algumas áreas ainda sofrem limitações de oferta de água. Esse conjunto de coisas por si só já faz ser difícil desenvolver a indústria, seja pelo isolamento de outras indústrias que se suportam, pela dificuldade na contratação de mão de obra especializada, ou para conseguir serviços de suporte à implantação das atividades econômicas. Regiões como a nossa precisam receber incentivos, para que o processo de desenvolvimento seja acelerado e beneficie a todos”.

O economista Kleyton Siqueira afirma que, em relação à pobreza e à desigualdade social, durante a crise sanitária houve um retrocesso de duas a três décadas. “A pandemia gerou um grande impacto nos empregos, com o fechamento de muitas empresas por um tempo razoável. Com os trabalhadores desempregados, observamos o movimento de mais pessoas nos semáforos, pedindo dinheiro, vendendo água mineral. Atribuiria isso à falha do governo, principalmente na esfera federal, em ter sido muito lento no processo de socorrer as pessoas. A falta de políticas públicas rápidas e eficazes causou problema socioeconômico que estamos vendo”.

COMBATE À POBREZA

De acordo com dados da FGV Social, a proporção de população em situação de pobreza no Estado passou de 42,37% em 2020 para 50,32% em apenas um ano. O estudo classifica pobreza como o contingente de pessoas com renda domiciliar per capita até R$ 497 mensais. Especialmente no Sertão, a pobreza atingiu o patamar de 54,89% da população. Um ano antes, o indicador era de 44,98%.

O enfrentamento imediato dos problemas da baixa renda na região deve ser feito com projetos de transferência direta, como o Bolsa Família, disponibilização de microcréditos e investimentos de bancos de desenvolvimento na região, segundo Romero Maia. “Bancos de Desenvolvimento, como o BNDES e o Banco do Nordeste, precisam entrar com linhas não reembolsáveis para a região. Em investimento não reembolsável, o ‘reembolso’ são métricas de melhoria dos indicadores de desenvolvimento. É diferente de recursos a fundo perdido, que não dão em nada”.

Embora alguns desses desafios sejam novos ou foram intensificados com a pandemia, muitos deles já estavam presentes nos livros Pernambuco Desafiado (2014) e no Pernambuco Competitivo (2009), que integram a série da pesquisa Empresas & Empresários, realizada pela TGI. Com a falta de avanço de alguns projetos estruturadores, além das crises econômicas e sanitárias, atingir a meta de um Estado plenamente desenvolvido em 2035 demandará da geração atual um esforço ainda maior.

*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais. Jornalista, com especialização em gestão pública e mestrado em Extensão Rural e Desenvolvimento Local, assina as colunas Gente & Negócios e Pernambuco Antigamente (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)

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