Marcelo Carneiro Leão defende a articulação entre ciência, tecnologia e inovação como motor de crescimento econômico e social de Pernambuco
*Por Rafael Dantas
Do paper ao PIB. Das pesquisas acadêmicas e do desenvolvimento científico para a vida real e para o desenvolvimento econômico e social. Esse foi o desafio projetado pelo presidente do Cetene (Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste), Marcelo Carneiro Leão, na edição de abril do projeto Pernambuco em Perspectiva – Estratégia de Longo Prazo, que é realizado pela Revista Algomais e pela Rede Gestão, com patrocínio do Banco do Nordeste e do Governo Federal. O encontro destacou a necessidade de se investir estrategicamente em tecnologia e inovação no novo ciclo de desenvolvimento do Estado.
Após uma abrupta queda de investimentos em pesquisa e desenvolvimento a partir de 2014, o País vive uma recuperação dos aportes nesse setor desde 2023. Mesmo assim, o pesquisador apontou que o Brasil ainda não está nem perto dos líderes mundiais em inovação, como a Coreia do Sul e Israel.
Para Pernambuco, que enfrenta ainda graves desafios socioeconômicos e tem uma ampla faixa do seu território no semiárido, a aposta na educação e no desenvolvimento tecnológico se torna uma peça-chave. "Não existe nenhum país na história da humanidade que tenha se desenvolvido sem investir pesado em educação, ciência e tecnologia. Ou a gente aposta de verdade em ciência e tecnologia, ou vamos continuar andando em círculos”, destacou Marcelo Carneiro Leão.

"Não existe nenhum país na história da humanidade que tenha se desenvolvido sem investir pesado em educação, ciência e tecnologia. Ou a gente aposta de verdade em ciência e tecnologia, ou vamos continuar andando em círculos” - Marcelo Carneiro Leão
O diretor do Cetene, que é ex-reitor da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), destacou que a participação dos recursos públicos é fundamental para a inovação. Isso não é uma realidade brasileira mas global. Mesmo em países com forte desenvolvimento empresarial e tecnológico, como os Estados Unidos e a Coreia do Sul, a presença do estado no financiamento da inovação é uma peça-chave.
Esse ecossistema é formado principalmente por universidades, agências de fomento, deep techs (empresas que objetivam fornecer soluções tecnológicas baseadas em conhecimentos científicos), centros de tecnologia, como o Cetene, e também por estruturas privadas de diversas naturezas. Embora muitos recursos aportados nesse ciclo sejam federais, no Estado foi criado o programa Inova PE, que prevê aportar até R$ 1,04 bilhão nos próximos anos em formação de novos talentos, P&D (pesquisa e desenvolvimento), melhorias das infraestruturas de inovação, entre outros.
Uma região estratégica em Pernambuco tem-se destacado como um polo dinâmico de inovação, que Marcelo tem chamado de “Várzea Fértile”. Em um raio de poucos quilômetros, concentram-se importantes instituições e centros de pesquisa e desenvolvimento, como a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), UFRPE, o Cetene, o Parqtel (Parque Tecnológico de Eletrônicos e Tecnologias Associadas de Pernambuco), o ParqueTec e o Instituto de Tecnologia de Pernambuco, formando um ecossistema fértil para a ciência, a tecnologia e o empreendedorismo.
“A gente precisa criar nessa região um parque tecnológico, um parque de desenvolvimento, um pouco diferente do Porto Digital, que tem uma pegada mais na tecnologia da informação, olhando o que é que se pode contribuir nas cadeias produtivas do Estado de Pernambuco”, destacou Carneiro Leão.
No Cetene, por exemplo, ele apresentou a biofábrica para a pesquisa e produção de lúpulos, um insumo estratégico para o setor de bebidas, que tem uma atuação forte no Estado. A instituição possui também trabalhos aplicados no desenvolvimento de soluções relacionadas à cana-de-açúcar, outro protagonista da economia pernambucana.
REDESENHO DAS UNIVERSIDADES
Além de promover uma sinergia dessas instituições, Marcelo Carneiro Leão tem repetido três questões em seus pronunciamentos que são referentes às universidades. A primeira é a necessidade dessas instituições levarem suas metas da produção de artigos científicos e de registros de patentes para o desenvolvimento de soluções que gerem efeitos reais na sociedade. Esse é o pensamento que ele resume na expressão “do paper ao PIB”.
“Fazer uma pesquisa, publicar um artigo em um periódico foi o mote das universidades por um longo tempo. O que se avançou nos últimos anos foi o registro de patentes. E se achava que isso era inovação. Isso não é inovação, isso é invenção. A inovação só vai acontecer se isso chegar na ponta. É a transformação de invenção em inovação. Esse é o processo que a gente precisa construir”, afirmou Marcelo Carneiro Leão.
A outra mudança é no formato dos cursos acadêmicos. Diante das transformações sociais e tecnológicas, essas formações longas se tornaram menos atrativas para a população mais jovem. O terceiro destaque apontado pelo docente é a necessidade de incentivo ao empreendedorismo junto aos universitários.
De forma objetiva, ele apresentou iniciativas implementadas durante sua gestão na UFRPE como exemplos práticos de fomento à inovação. Uma delas foi a criação do Programa de Formação em Empreendedorismo Científico que, mesmo com orçamento reduzido, contribuiu para o surgimento de startups capazes de captar recursos e desenvolver novos negócios em curto prazo. Outra iniciativa de destaque foi a fundação do IPÊ (Instituto de Inovação, Pesquisa e Empreendedorismo), concebido para estimular parcerias nacionais e internacionais, promover a transferência de conhecimento científico e tecnológico, fortalecer a cultura de inovação e empreendedorismo e viabilizar a captação de recursos para projetos acadêmicos.
PROPOSTAS PARA PERNAMBUCO
Ao abordar a concepção de um novo ciclo de desenvolvimento para Pernambuco, Marcelo Carneiro Leão apresentou propostas que reforçam o papel da ciência, tecnologia e inovação como eixos estratégicos para impulsionar a competitividade, a geração de conhecimento e a sustentabilidade do Estado. Ele defende que uma das prioridades é promover o fortalecimento dos núcleos de inovação tecnológica já presentes em Pernambuco.
O diretor do Cetene também defende a melhoria da proteção das patentes geradas no Estado. Disse ainda ser necessário promover a transferência de tecnologia para empresas, mas garantindo o retorno financeiro para as instituições que produzem conhecimento.
“Isso já existe aqui em Pernambuco, mas a gente precisa fortalecer esses núcleos, proteger as patentes de produção intelectual do que é realizado aqui no Estado, fazer licenciamento de royalties. A gente tem que criar essa cultura de não somente vender a patente, mas que ela possa deixar uma parte do seu faturamento para as instituições e esse dinheiro ser revertido para novos investimentos nos laboratórios e pesquisas”, afirmou. Para ilustrar, citou dois exemplos emblemáticos: o Vonal, medicamento usado para prevenir náuseas e vômitos, que gera royalties para a USP (Universidade de São Paulo); e o Gatorade, cuja comercialização ainda hoje rende uma porcentagem do seu rendimento à Universidade da Flórida.
Outra proposta prática apresentada no evento é a criação de um Observatório de Dados e Inteligência Artificial como instrumento estratégico para subsidiar uma gestão pública baseada em evidências. A ideia é reunir repositórios e agregadores de informações econômicas e sociais de Pernambuco e aplicar técnicas de inteligência artificial para minerar e tratar esses dados de forma qualificada.
Com visualizações gráficas e análises robustas, a iniciativa permitiria fornecer insumos confiáveis à tomada de decisão nas políticas públicas, rompendo com práticas empíricas ou baseadas apenas na percepção dos gestores. Ele defende ser preciso ir além da simples coleta de informações: sugeriu que é hora de integrar inteligência artificial “individual e coletiva”, ou seja, unir tecnologia e conhecimento especializado para produzir soluções efetivas para o Estado.
Segundo Marcelo, o Governo do Estado precisa funcionar como uma plataforma, não apenas prestando serviços, mas articulando e facilitando o diálogo entre poder público, empresas e sociedade civil. Essa atuação ampliada deve incentivar a mentalidade empreendedora, apoiar o desenvolvimento de habilidades transversais e promover um ambiente propício à inovação e ao crescimento sustentável.
Nas reflexões finais, Marcelo Carneiro Leão enfatizou a importância da inovação aplicada tanto às indústrias tradicionais – como a agroindustrial, têxtil e de bebidas – quanto à diversificação da matriz produtiva, com destaque para setores como biotecnologia, nanotecnologia, energias renováveis e o complexo industrial da saúde. Ele também chamou a atenção para temas centrais como a gestão hídrica integrada à agricultura de precisão, o uso de tecnologias avançadas na reciclagem e reaproveitamento de resíduos, e a modernização da gestão pública por meio de cidades inteligentes e plataformas digitais de governo.
INOVAÇÃO QUE TRANSFORMA A CIDADE
O consultor Francisco Cunha apresentou a experiência do Parque Capibaribe e do Recife Cidade Parque – dois projetos desenvolvidos a partir de parcerias entre o poder público municipal e a UFPE – como cases em que a pesquisa gerou resultados reais para o município. As iniciativas geraram novos modelos de concepção do planejamento da cidade, que já interferem de forma positiva para a reorganização do território e para o direcionamento dos recursos públicos. “Uma pesquisa bem-feita, baseada em ciência, tecnologia e inovação, muda o conceito de planejamento da cidade.”

Ao construir o desenho, quase uma utopia, do atual território desintegrado do Recife vir a se tornar no futuro uma cidade-parque, articulando suas bacias urbanas, o projeto influenciou a construção do Parque das Graças, do Jardim do Baobá, do Parque da Tamarineira, entre tantos outros. Um esforço que se articula com conceitos modernos, como o do "urbanismo-lego", do urbanismo social e das cidades-esponjas.
“Foi um processo analítico que envolveu 12 grupos de pesquisa, 54 pesquisadores e 8 pesquisas empíricas. Produziu algo institucionalizado dentro do sistema de planejamento da prefeitura, como o Parque Capibaribe. O resultado da pesquisa de sete anos foi uma espécie de ‘Ovo de Colombo’ urbanístico: capaz de reconstituir o quebra-cabeça desmontado em que se transformou o território do Recife”, destacou Francisco Cunha.
O conjunto de formulações já desenvolvidas nesse esforço de refletir os desafios da capital pernambucana junto à universidade criou pontes com institutos internacionais, especialmente holandeses, para desenvolver soluções relacionadas à resiliência às mudanças climáticas e à elevação do nível do mar.
Banco do Nordeste na construção do desenvolvimento regional
Durante sua fala no evento sobre ciência, inovação e tecnologia, o gerente do Escritório da Superintendência de Pernambuco do Banco do Nordeste, Antenógenes Simões, ressaltou o compromisso da instituição com o desenvolvimento regional. Ele afirmou que o BNB segue cumprindo o papel idealizado por seus fundadores, há mais de sete décadas: reduzir as desigualdades entre o Nordeste e outras regiões do País. “Somos apenas um tijolinho nessa construção, mas temos contribuído para transformar essa realidade”, afirmou.

Simões destacou que o Banco do Nordeste atua em diversas frentes, desde o microcrédito para pequenos produtores rurais até o financiamento de grandes projetos industriais e de energia. A inovação tem sido uma prioridade para manter os jovens no campo e fortalecer setores produtivos no interior. “Ou a gente muda a forma de fazer, ou continuamos aumentando o déficit entre as regiões”, disse, citando ações como o estímulo à mecanização da agricultura no semiárido e a oferta de crédito com juros diferenciados para projetos inovadores.
O gerente também informou que, em 2024, o banco contratou cerca de R$ 5,5 bilhões em financiamentos para os estados nordestinos e conseguiu desembolsar efetivamente cerca de R$ 6 bilhões. Para ele, mais do que assinar contratos, é fundamental que o dinheiro chegue às empresas, gerando renda e empregos.
LOGÍSTICA NA PAUTA DO PERNAMBUCO
EM PERSPECTIVA
O próximo encontro do Projeto Pernambuco em Perspectiva acontece no dia 19 de maio, às 19h. O convidado será o ministro dos Portos e Aeroportos do Governo Federal, Silvio Costa Filho. Diante do desafio de ligação do Porto de Suape com a Transnordestina – o único empreendimento traçado pelo Padre Joseph Lebret não realizado no Estado – e dos vários investimentos em andamento no próprio complexo portuário, o gestor discutirá o papel do setor logístico para a competitividade do novo ciclo de desenvolvimento em formulação. As inscrições podem ser feitas no site pernambuco.algomais.com
*Rafael Dantas é repórter da Revista Algomais e assina as colunas Pernambuco Antigamente e Gente & Negócios (rafael@algomais.com | rafaeldantas.jornalista@gmail.com)