Entrevista a Camila Moura e Rafael Dantas
Embaixadora de Bangladesh fala da carreira e da experiência de vivenciar outras culturas
Única pernambucana a ocupar o cargo de embaixadora, Wanja Campos, foi morar em Brasília quando ainda era criança, mas os laços com a terra natal nunca desapareceram. Desde que foi aprovada no concurso do Instituto Rio Branco, já passou por 10 países. A mudança mais recente ocorreu, em 2013, quando assumiu, em Bangladesh, o tão almejado posto de chefia das missões diplomáticas. De passagem no Recife, falou a Algomais, fez um balanço de sua carreira e revelou as curiosidades dos bastidores da vida dedicada à diplomacia.
Qual sua relação com o Recife?
Minhas origens são recifenses. Nasci no Recife e as recordações daqui estão presentes na minha memória. As minhas primeiras lembranças de infância são da casa da minha avó, no Espinheiro, com quintal, mangueira, carambola, pular cerca para brincar na casa dos vizinhos.
Como foi a mudança para Brasília?
Meu pai era engenheiro e, em 1963, logo no início de Brasília, quando começaram a importar profissionais para construir a cidade, meu pai foi para lá. Eu era pequenininha, deveria ter uns 4 anos. Então, toda a minha vida escolar foi em Brasília.
Você manteve contato com Pernambuco?
Todos os anos, eu, meus pais e meus irmãos passávamos as férias aqui. Conheci as melhores praias daqui, numa época, em que só havia casas de pescadores. Apesar, de termos ido morar em Brasília, sempre mantivemos os laços.
Você também teve referências do Sertão na infância?
Minha mãe é de Triunfo e meu pai, do interior da Paraíba. Naquela época, quando vínhamos de Brasília, muitas vezes, fazíamos a viagem de carro para que pudéssemos ir para o interior. Conheci o Sertão inteiro quando ainda era criança. Fui conhecendo o Brasil. Talvez, por isso, eu tenha tomado gosto em sair pelo mundo.
Há referência do cangaço na sua família?
O meu avô paterno, Chico Pinheiro, foi um cangaceiro paraibano e, com minha avó, Jarda, participou de muitas lutas e foi, por diversas vezes, perseguido, até ser assassinado. Minha avó, com medo que os filhos pudessem entrar numa vida de vingança, criou meu pai e meus tios de uma forma muito pacífica. Mas o cangaço sempre foi uma realidade muito presente nas nossas vidas. Temos uma visão distinta das pessoas das outras partes dos Brasil, que enxergam de uma maneira folclórica, sem entender as raízes e o que leva uma pessoa do bem, como era meu avô, a uma vida de fuga, de luta.
Como surgiu o interesse pela carreira diplomática?
Acho que a mosca me mordeu nessas viagens que fazia pelo Nordeste quando era criança. Da oportunidade de conhecer culturas diferentes e ter a sensação de descobrir algo novo. Na minha adolescência fiz intercâmbio para os Estados Unidos. Na época, eu achava que queria ser arquiteta, mas, quando eu voltei de viagem, decidi que queria fazer relações internacionais. Eram os primeiros cursos de nível superior na Universidade de Brasília. Fiz o curso, no entanto, ainda não pensava em diplomacia. Quando me formei, continuei estudando direito e comecei a ver que os principais postos com os quais eu imaginava que era trabalhar com relações internacionais estavam ocupados justamente por diplomatas. Então, fiz o concurso público para o Instituto Rio Branco e passei. Desde então, já são mais de 30 anos.
Como foram os primeiros passos da carreira diplomática?
Não é uma vida glamourosa, como as pessoas pensam. As mudanças exigem capacidade de adaptação trmenda. Os filhos e cônjuges sofrem com isso. O lado profissional para o diplomata é também uma estrada longa e que exige muita dedicação. Dizemos que estamos disponíveis 7 dias por semana, 365 dias por ano e 24 horas por dia. Não importa onde você esteja, se precisam, seja por causa de uma tragédia ou por simples fatos que acontecem em Bangladesh, onde estou agora, você precisa comparecer. Por exemplo, muitas vezes, os brasileiros chegam ao aeroporto e são informados que precisam de visto. Então, eles nos ligam de madrugada. Logo, é necessário você ter a noção que presta um serviço público, que exige um nível mais elaborado de preparo e atualização constante. E assim é a nossa carreira, a qual tem seis estágios: terceiro secretário, segundo secretário, primeiro, conselheiro, ministro e o último ponto embaixador. É uma longa carreira de sacrifício, mas da qual eu não me arrependo nenhum minuto.
Mas há também o lado positivo?
Sim, claro. Eu acho fascinante a possibilidade de morar em outro lugar e vivenciar o dia a dia. O que mais me encanta é a possibilidade de você conhecer e perceber outras formas de ver o mundo. Em Bangladesh, por exemplo, eu tenho aproveitado para conhecer os países da região. Fui a Myanmar. Viajei só e contratei uma guia. Conversando, ela me perguntou qual o dia eu tinha nascido. Respondi, mas, na verdade, ela queria saber o dia exato da semana. Lá, isso é tão importante que o dia da semana é incorporado ao nome próprio. Em Myanmar, o calendário da semana tem 8 dias e toda lua cheia é feriado! Isso para mim foi a coisa mais fascinante que eu ouvi nos últimos 30 anos. Então, você é obrigado a pensar de forma diferente.
Quais os países onde morou?
Logo após a formatura no Instituto Rio Branco, fazemos um estágio em alguma embaixada, normalmente, na América do Sul. O meu foi na Bolívia. Em seguida, fui para a Austrália, onde fiquei quase 6 meses. Depois, minha primeira missão permanente foi no Suriname, onde ocupei o posto de terceira secretária por mais de dois anos. Na sequência fui para Paris, Argel, Roma, Cidade do Cabo, Washington e Toronto e de lá fui para Bangladesh, em 2013. Em alguns momentos, também voltei para Brasília.
Como fica a família nessa rotina?
Atualmente, a minha família está completamente pulverizada mundo afora (risos). Meu marido também é diplomata e está em Brasília, em outra função. Temos duas filhas. Uma ficou em Toronto, no Canadá, porque quando nos mudamos, ela estava iniciando um mestrado. A segunda recebeu uma bolsa para jogar tênis e estudar em universidade na Carolina do Sul (EUA). No meio do percurso, ainda tem Recife, com meus tios.
Como está sendo a experiência em Bangladesh?
É um grande desafio, por todas as razões: distância, fuso horário, mas sobretudo por uma cultura, que é milenar, mas completamente diferente da nossa. Bangladesh é um país com um território pequeno, com 160 milhões de habitantes. Há uma pressão populacional tremenda, num dos países mais pobres do mundo. O trânsito é caótico. Tudo isso torna sua vida diária mais complicada. Apesar das dificuldades, é fascinante, sobretudo, por ser meu primeiro posto como embaixadora. Ser a chefe de uma missão diplomática é um desafio delicioso, porque você pode inventar. Por exemplo, lá eles são loucos pelo futebol brasileiro. Bangladesh é o segundo maior produtor de vestuário no mundo. Fui convidada uma vez para conhecer uma fábrica de camisetas, que fazia a da seleção brasileira. Perguntei se me davam uma. Eu a enviei para o presidente da Bangladesh. Ele ficou alucinado, foi uma “festa”, saiu no jornal. É essa presença diplomática diária que estreita a relação entre os países. Quer dizer: amanhã a gente vai lançar uma candidatura internacional, haverá uma simpatia muito maior de Bangladesh pelo Brasil do que um país que não tem representação diplomática lá.
Num país mulçumano, o fato de ser mulher gerou alguma dificuldade?
Nenhuma. É interessante isso, porque, em Bangladesh, 93% da população é muçulmana e, nem por isso, eles têm preconceito ou rejeição à mulher. Pelo contrário, a primeira-ministra, a principal chefe de oposição política, a atual presidente do parlamento são mulheres. As mulheres ocupam cargos bem altos no país.
Nessas suas viagens você sempre procura uma referência pernambucana?
Sim, claro. Uma das fotos mais emblemáticas da minha “pernambucanidade” foi registrada quando eu estava na Antártica. Quando eu trabalhei na área de meio ambiente, fui convidada para representar o Brasil em uma missão científica lá. Passei 15 dias navegando. Já quando estávamos em terra, vi um homem chegando com uma sacolinha com uma bandeira de Pernambuco. Eu não sabia, mas o navio havia uns 50 pernambucanos. Então, nos juntamos todos para tirar uma foto e brincamos que iriamos montar uma embaixada de Pernambuco na Antártica (risos). Também levo as referências para onde moro. Na residência oficial, coloquei uma roupa de maracatu, uma roupa de frevo, o leão de Tracunhaém e várias carrancas.
Nesses anos todos fora, quais as situações interessantes que vivenciou?
O dia a dia é curioso. Por exemplo, no meio do trânsito caótico de Bangladesh, você pega um tuquetuque (veículo de três rodas), aí, sua adrenalina vai lá em cima (risos). Em Bangladesh, as mulheres usam sari. Quando fui cumprimentar a primeira vez a primeira-ministra, eu usei um sari e todo mundo se encantou. Eu falo que eu inventei a diplomacia do sari (risos). Em matéria de Pernambuco, um dos momentos mais queridos que eu guardo, ocorreu quando eu estava em Toronto. No período em que eu chefiava o setor comercial, recebi a nobre designação de acompanhar a delegação do governo de Pernambuco em visita ao Canadá. Tive o enorme prazer pessoal e profissional de acompanhar o então, governador Eduardo Campos e sua equipe.
E momentos difíceis?
Os momentos mais dramáticos na minha carreira ocorreram quando estava em Argel. Servi lá em anos terríveis, de 92 a 94, quando a facção islâmica radical decretou morte aos estrangeiros e aos argelinos que tinham algum envolvimento com o mundo ocidental, iniciando uma série de degolas. Inclusive, o pediatra da minha filha foi degolado. Nós andávamos na rua de carro e, de repente, via uma equipe com fuzis.
Pretende continuar a carreira até quando?
Funcionário público é aposentado compulsoriamente aos 70 anos. Eu tenho 56, portanto, se eu resolver me aposentar na idade máxima, ainda tenho mais 14 anos pela frente. A gente vê a carreira diplomática em duas fases: até chegar a ser embaixador e depois de ser embaixador. Como eu estou iniciando essa segunda fase, naturalmente, eu gostaria de chefiar outras embaixadas ou consulados.
Encerrada a carreira, volta para Pernambuco?
Ah, se Deus quiser! Pelo menos, uma parte do tempo em uma boa praia. Eu queria estimular os pernambucanos a fazerem o concurso do Rio Branco, porque Pernambuco sempre teve uma presença muito forte e não queria que se perdesse. Atualmente, sou a única embaixadora pernambucana. Então, queria estimular as pernambucanas a pensarem na diplomacia como uma carreira.