Vamberto Maia Filho, Especialista em reprodução humana, comenta o livro que acaba de lançar com relatos de pacientes sobre as dores e os desafios de engravidar e no qual conta como ele e sua mulher também passaram por essa situação. O médico faz um alerta para as pessoas planejarem seu futuro reprodutivo.
O ginecologista Vamberto Maia Filho realiza uma média de 15 procedimentos de reprodução por mês, número que tem crescido uma média de 15% ao ano. A maioria dos casais que chega ao seu consultório com o desejo de ter um filho desconhecia que a fertilidade diminui com o passar do tempo. “À medida que a idade da mulher aumenta, há menos reservas ovarianas e, com isso, há infertilidade e cada vez mais casais buscam tratamento”. Uma situação provocada principalmente pelas mudanças de comportamento da população feminina, que posterga a gravidez para se dedicar aos estudos e ao trabalho.
Mas existem soluções. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o especialista orienta que pessoas, principalmente a partir dos 30 anos, avaliem sua fertilidade por meio de dois testes simples: espermograma para os homens e avaliação da reserva ovariana (feito com um exame de sangue) para as mulheres. E que elas pensem na possibilidade do congelamento de óvulos. Vamberto Maia Filho também falou sobre o lançamento do seu livro Filhos – Histórias Inspiradoras, que traz relatos de 11 pacientes suas que contaram as dores e os obstáculos enfrentados até conseguir engravidar.
Uma situação emocional difícil à qual o próprio médico e a mulher, a endocrinologista Maíra Passos, vivenciaram ao serem surpreendidos por um diagnóstico de infertilidade sem causa aparente. Ele relata em um dos capítulos como se sentiu vivendo na pele o desafio de suas pacientes e a felicidade de presenciar o nascimento das filhas trigêmeas Alice, Clara e Júlia. O livro hoje está disponível nas plataformas online e livrarias físicas e o valor das vendas será revertido para casais que não podem pagar pelo tratamento.
A dificuldade para os casais terem filhos tem aumentado?
Sim. Tanto que, ano passado, a Organização Mundial de Saúde fez um memorando trazendo o alerta de que uma em cada seis pessoas deverá ter problemas de fertilidade. É um número bastante expressivo, significa que cerca de 15% da população poderá apresentar essa dificuldade. O memorando, inclusive, sugere que esse assunto seja pauta presente nas organizações, nas estruturas do Ministério da Saúde mundo afora, pois o número só tende a aumentar.
E quais são as principais causas da infertilidade entre os casais?
A principal causa são as mudanças da vida moderna. Com o aumento da renda das mulheres e uma parte expressiva delas entrando no mercado de trabalho, o planejamento familiar muda. Minha avó, por exemplo, teve 10 filhos; minha mãe me teve com 25 anos e teve dois filhos, e a mulher hoje, com 35 anos, não está pensando ainda em engravidar.
Nossa geração cresceu ouvindo que é possível engravidar a hora que quiser. Isso também influencia a natalidade. Em 2019 ou 2020, o IBGE mostrou pela primeira vez que nós chegamos a menos de dois filhos por casal, e a incidência de mulheres engravidando acima de 35 anos nunca foi tão alta. À medida que a idade dela aumenta, há menos reservas ovarianas, menos folículos, os problemas vão se acumulando e, com isso, há infertilidade e cada vez mais casais buscam técnicas de reprodução humana.
Além da questão comportamental, fatores ambientais, como poluição, alimentação, rotina mais intensa, podem contribuir para a infertilidade?
Há muitas pesquisas sobre isso. Estamos tendo mais acesso a agrotóxicos, à comida com hormônios, à alimentação ultraprocessada, então há, sem dúvida, uma mudança. As meninas estão menstruando cada vez mais cedo.
A gente tem que pensar também em hábitos de vida. Antigamente a mulher nascia para ter um casamento, hoje a mulher tem uma liberdade maior, tem muito mais parceiros. A mudança de comportamento feminino teve ônus e bônus, e acho que o principal ônus é essa postergação da gravidez. Por isso é tão importante pensar em congelamento de óvulos porque nos dá a possibilidade de traçar perspectivas de um futuro reprodutivo para a mulher, mesmo que ela não tenha um parceiro.
O senhor acredita que há pouca informação por parte dos casais sobre a idade fértil?
Muitos casais têm a ideia de que conseguem engravidar quando quiserem porque suas gerações anteriores conseguiam. Por isso, muitas vezes, não se informam. Hoje estamos conseguindo mudar isso, conscientizando sobre a importância de buscar um ginecologista para entender o que acontece com o corpo da mulher, avaliar se ela terá ou não dificuldades para engravidar, se teve algum problema como endometriose ou cirurgias que dificultem a gravidez. Essa busca por esclarecimento está melhorando, mas ainda precisamos caminhar muito.
No ano passado, a Agência Nacional de Saúde liberou, através de uma judicialização, que mulheres que tenham câncer de mama consigam, pelo seguro de saúde, o congelamento de óvulos. Mas será que as mulheres sabem disso? Será que os colegas oncologistas estão favorecendo essas mulheres?
E quanto aos ginecologistas? No caso da avaliação sobre a quantidade de óvulos, por exemplo, será que ela é oferecida às mulheres pelos especialistas?
Você tem toda a razão. É preciso que os ginecologistas, durante as consultas, perguntem às suas pacientes, principalmente às que estão com 30 anos ou mais, se pensam em ter filhos para avaliar como está sua reserva de óvulos. A pesquisa de reserva ovariana tem que fazer parte da avaliação das mulheres. Hoje ela é realizada de uma forma muito simples: com exame de sangue em que é feita a dosagem do hormônio antimülleriano, que não fornece a quantidade exata de óvulos que a mulher possui, mas nos dá uma ideia de como está sua reserva ovariana.
Qual o percentual de homens e de mulheres inférteis?
Ele é bem equilibrado. O masculino e o feminino são percentuais muito semelhantes. A diferença é que, nas mulheres, a avaliação deve ser muito mais ampla, porque elas podem ter um problema no útero, na trompa, no ovário, de hormônios e problemas externos. No homem, a avaliação é basicamente nos testículos, onde se investiga a produção de espermatozoides.
O que a medicina dispõe hoje em termos de tratamento para a infertilidade?
Para o homem, muito pouco. Em termos de cirurgia masculina, a correção é basicamente de varicocele, que são varizes do testículo que alteram a qualidade dos espermatozoides. Nas mulheres, há uma gama de possibilidades, por isso é importante um bom diagnóstico para oferecer a melhor abordagem. Se a mulher tem endometriose, é possível ofertar cirurgia. Em caso de miomas uterinos, também podem ser feitas cirurgias.
Além das correções cirúrgicas, há, para as mulheres, as correções hormonais estritamente voltadas à reprodução humana, que são basicamente três: o namoro ou coito programado, quando indicamos o dia e a hora que a mulher está ovulando para que o casal mantenha relações; inseminação intrauterina, em que se coloca o sêmen dentro do útero, e o encontro do espermatozoide com o óvulo acontece dentro da mulher; e temos também a fertilização in vitro, que é quando a união do óvulo com o espermatozoide acontece fora do corpo, ou seja, a gente forma o embrião e depois coloca no útero. Antes desses três procedimentos, normalmente estimulamos a ovulação com hormônios. Algumas mulheres podem não precisar de estimulação.
Quais são as chances de uma mulher engravidar com esses tratamentos?
Estatisticamente, a mulher tem em torno de 18% a 20% de chance de engravidar por mês. Uma mulher que está há um ano mantendo relações heterossexuais desprotegidas e ainda não conseguiu engravidar pode ter tido as chances reduzidas para até 8% ao mês. Com o tratamento do coito programado, conseguimos fazer com que as chances dessa mulher engravidar retornem para 18 a 20%. Com a inseminação, as chances são em torno de 25% e a fertilização in vitro, algo em torno de 45%.
Houve algum avanço da medicina para evitar a gravidez de gêmeos como consequência desses tratamentos?
Não há uma legislação, há recomendações dos nossos órgãos de classe, porque, no passado, quando havia pouca sofisticação na escolha dos embriões, eram colocados muitos deles no útero, resultando em gravidez múltipla, mudando a organização financeira, familiar e matrimonial das pessoas, além de serem gestações mais complicadas. Hoje temos recomendações baseadas na idade: até os 35 anos, se sugere colocar um embrião. De 35 a 40, dois embriões e, acima de 40, até três embriões. A ideia é tentar diminuir, cada vez mais, essa expectativa de gestações gemelares.
Em reprodução humana, é comum a barriga de aluguel. Ainda há preconceito em relação a esse procedimento?
A barriga de aluguel ou útero de substituição é uma situação única dentro da reprodução humana — existe uma série de regras — e que é muito bonita, porque já houve casos em que óvulos eram doados às escondidas. Mas hoje está ficando cada vez mais comum.
No meu consultório, não há um único mês que eu não faça pelo menos um tratamento com óvulo e sêmen doado. Eu estou há 19 anos fazendo isso e vejo uma mudança muito grande, atualmente se conversa com mais naturalidade. Eu acho que hoje são poucas as mulheres e homens que transformam isso em algum bloqueio. Pelo nível de informação que se tem, estamos conseguindo naturalizar e acho que cada vez será mais comum.
Como o avanço do movimento LGBTQIA+ ajudou a impulsionar os tratamentos para estimular a gravidez em casais que não sejam heterossexuais?
Hoje existem vários modelos de casais. Os tratamentos com casais homossexuais femininos são os que mais faço e aí a diversidade de tratamentos é incrível: coito, inseminação, fertilização in vitro ou o ROPA (Reception of Oocytes from Partner), que é quando uma parceira doa o óvulo e a outra engravida.
E os casais homossexuais masculinos estão começando a ter sua vez com outros métodos de substituição que, hoje, já se permite até parente de quarto grau. Então, cada vez mais as famílias estão se formando. Eu acho que isso é muito bom. Eu tenho muitos casais que hoje buscam o tratamento e muita gente engravidando tranquilamente.
O senhor lançou o livro Filhos, Histórias Inspiradoras com relatos de pacientes que fizeram o tratamento para engravidar. Em geral, essa é uma situação muito delicada, provoca muito sofrimento no casal que não consegue ter filhos. O senhor poderia falar um pouquinho desses relatos?
Temos a ideia incutida que somos incrivelmente férteis e que a nossa opção é não engravidar. Quando a gente passa a não mais ter opção, isso é um problema social, matrimonial. Os casais que querem engravidar e não conseguem são muito sofridos, machucados, magoados, ansiosos, agressivos, com raiva, com revolta, com olhar para o passado sem compreensão do porquê eles tomaram aquela decisão. São casais com quem precisamos dialogar e trazer inspiração.
Nós, seres humanos, nos encantamos por histórias. Então o livro é isso, eu queria dar voz para as pacientes, para que elas façam a catarse do que aconteceu. Elas querem fazer com que outras pessoas busquem nelas inspiração. As histórias desse livro foram bem colhidas exatamente para tentar mostrar, o máximo possível, os problemas de reprodução humana. É óbvio que são histórias duras, difíceis, mas que conseguem levar inspiração. O livro foi uma forma de tentar canalizar algo que poderia retransmitir para minhas pacientes.
O senhor e sua mulher são um desses casais. Como foi viver a mesma situação que suas pacientes vivem?
Ser médico e marido ao mesmo tempo é muito difícil, porque você começa a se envolver de uma forma muito mais íntima, pois sua paciente dorme do seu lado e fica o tempo todo fazendo perguntas para as quais nem sempre você tem resposta. Então foi bastante difícil. Estávamos casados há cinco anos, sabíamos que era a hora de engravidar, mas tivemos algo que a medicina não conseguiu explicar, uma infertilidade sem causa aparente. Ainda assim, fizemos todas as etapas: coito, inseminação, fertilização. Cada falha foi difícil.
Conseguimos com fertilização in vitro. Ela engravidou de trigêmeas e, hoje, as meninas já estão com 13 anos. Eu acho que isso me deu a capacidade de entender ainda mais o que passam os pacientes. Muita gente olha para médicos como se eles nunca ficassem doentes e eu passei exatamente o problema das minhas pacientes. A experiência para mim foi enriquecedora, me deixou ainda mais humilde e ainda mais ciente do papel que eu tenho perante minhas pacientes, de quem sou, do que posso fazer de conexão para que elas caminhem de forma mais suave possível.
O tratamento de reprodução humana tem um preço alto? Como está o acesso para a população de baixa renda, por exemplo?
Continua sendo um tratamento caro mas, indubitavelmente, ficou muito mais acessível. Quando eu comecei há 20 anos, a expectativa de gastos era de US$ 30 mil e hoje gasta-se num tratamento em torno de US$ 5 mil. Ou seja, o valor caiu seis vezes e pode cair muito mais. Hoje, se eu pensar em universalização como o SUS, existem poucos procedimentos porque é um tratamento caro com baixo resultado e o SUS tem demandas maiores. Mas eu já consigo fazer tratamentos muito mais baratos. Não tratamos apenas pacientes muito ricos. Apesar de continuar sendo caro, hoje é possível fazer um tratamento com R$ 15 mil. Não é gratuito, mas é acessível à população que tem renda mensal média de R$ 10 mil.
Que conselho o senhor daria para as mulheres que ainda não tem filhos e para os casais que enfrentam dificuldade em tê-los?
Primeiro busque um médico que possa ouvir e avaliar a mulher e o homem como pessoas que têm fertilidades que precisam ser avaliadas. Todo mundo deve fazer essa avaliação, pelo menos, até os 30 anos, salvo algum problema de saúde precoce. Se foi submetido a uma cirurgia, teve um trauma, uma caxumba que desceu para o testículo, uma cirurgia no ovário, um câncer, tem que avaliar mais precocemente, mas até aos 30 anos, todo mundo deve ser avaliado. E estou falando de dois exames muito simples, espermograma e o exame de sangue.
Eu queria dizer que, para mim, filhos são motivadores de tudo, da minha vida, de como eu sou, como era e como serei. Pensar em filhos é pensar em nós mesmos, no futuro, no nosso legado. Não que isso seja uma regra, mas é algo que eu experimento diariamente. Filho me dá dor de cabeça, mas também me dá muita alegria.
Eu queria, com esse livro, fomentar essa conversa, essa ideia sobre fertilidade, sobre ter filhos, sobre pensar no futuro reprodutivo, inspirar mulheres e homens a pensarem em algo que é tão importante, pelo menos pra mim. Então, se eu tivesse que deixar um recado para os leitores seria: pensem no futuro reprodutivo, planejem o amanhã, com filhos ou não. Uma coisa é você querer não ser pai ou mãe, outra é não poder ser, e isso mexe muito com o nosso potencial como gente. Pensar o hoje o futuro para valer pode nos trazer menos problemas lá na frente.