Sem nos darmos conta, nosso cotidiano foi invadido por robôs, mecanismos de inteligência artificial que estão presentes nas mais corriqueiras atividades do dia a dia, como quando a plataforma de streaming, na qual escutamos música, nos sugere uma canção, ou usamos uma ferramenta digital que nos ajuda a escolher melhor o caminho para o trabalho. Esses exemplos são só o começo de mais uma etapa de transição que o mundo vivencia para um novo modelo socioeconômico e tecnológico: a Quarta Revolução Industrial.
Assim como ocorreu em outros momentos históricos de mudanças provocadas por um grande desenvolvimento da tecnologia, essa transição traz novas oportunidades mas, também, muitos desafios. Nesta entrevista a Cláudia Santos, o engenheiro de software e consultor do C.E.S.A.R. André Gomes e João Paulo Magalhães, professor da C.E.S.A.R. School e consultor em inteligência artificial no C.E.S.A.R., analisam as consequências da Quarta Revolução Industrial no Brasil e em Pernambuco.
Como o País enfrenta um processo de desindustrialização desde os anos 1980, para recuperar o tempo perdido e avançar rumo a indústria 4.0, segundo os especialistas, é necessário investimentos em educação, pesquisa e desenvolvimento. E para Pernambuco, que tem vantagens competitivas como universidades de relevância e o Porto Digital, a saída seria a união desses setores com o setor industrial para a construção de um projeto de uma indústria de alta performance tecnológica, em sintonia com uma política nacional para o incentivo à indústria 4.0. Confira a seguir a entrevista.
Quais as características da chamada Quarta Revolução Industrial?
André Gomes - Apesar desse termo ser recente (2016), esse conceito foi apresentado pelo governo alemão (2011). A Quarta Revolução Industrial já é uma realidade em construção na nossa geração. Ela se deu graças ao grande avanço tecnológico proporcionado pelas primeira, segunda e terceira revoluções industriais, em que as fronteiras entre os diferentes mundos físico, digital e biológico se tornaram cada vez menores. Hoje, acredita-se que as novas grandes descobertas serão influenciadas pela união desses três mundos, os chamados cyber-physical production systems (sistemas de produção ciberfísicos).
Algumas características que apontam para o início dessa era são: aumento do poder computacional (Big Data, genética, mineração de dados, astronomia); uso de Inteligência artificial e machine learning em biometria digital (reconhecimento de voz e face), predição e percepção do comportamento humano (marketing, política) e melhoria de processos industriais e sistemas de informação; e, por fim, aumento de conectividade permitindo a troca de informação entre dispositivos e máquinas – internet das coisas (IoT) e M2M (Machine to Machine, tecnologias que permitem dispositivos em rede trocar informações e executar ações sem a assistência manual de humanos).
Quais os impactos que terá na economia e no emprego?
João Paulo Magalhães - Os grandes impactos que a Quarta Revolução Industrial causa na economia estão relacionados a ganhos em escala, tanto na produtividade, quanto na velocidade com que os produtos podem ser desenvolvidos, além da quebra de barreiras físicas e temporais. Por exemplo: diferentes pessoas em lugares diversos no mundo podem trabalhar em tempo real, utilizando-se de realidade virtual e simulação. Por outro lado, esta revolução pode causar o aumento da concentração da produção em grandes conglomerados industriais que estão à frente do desenvolvimento tecnológico mundial, visto que a competição é cada vez mais global e automatizada.
Isto pode acarretar em aumento da desigualdade de renda principalmente pela substituição da mão de obra humana pelo uso de máquinas. Esse processo pode causar também o deslocamento de trabalhadores pela tecnologia, resultando em empregos mais estáveis e rentáveis. Contudo, é importante destacar que a sociedade precisará agir de forma que as consequências desta transformação não sejam monopolizadas, de modo a garantir um retorno sustentável, minimizando os impactos no emprego e distribuição de renda global.
A indústria brasileira, salvo exceções, não investe muito em inovação. Como ela poderá ser competitiva num contexto de indústria 4.0?
André Gomes - O Brasil passou por um processo de desindustrialização importante. Entre 1980 e os dias atuais, a participação da indústria de manufatura no PIB diminuiu drasticamente. O que em 1980 representava 32% caiu, em 2020, para apenas 9%. Este fator impediu que o investimento em tecnologia ocorresse no País. Inovação e tecnologia se fazem com investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), porém o Brasil hoje investe pouco quando comparado aos países mais desenvolvidos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Por exemplo, em 2017 o investimento bruto brasileiro em P&D correspondia a 0,8% do PIB, enquanto os Estados Unidos (2,8%), Alemanha (3,0%) e Japão (3,2%) investiram três vezes mais. Para se tornar competitiva, a indústria nacional precisará tomar para si o papel de protagonismo no investimento em pesquisa e desenvolvimento. Além disso, uma coisa precisa ficar clara: não haverá mão de obra qualificada suficiente nesse cenário. O Brasil precisa investir de forma considerável e rápida em capacitação. Seja o setor público, com a educação formal, da infantil à superior, seja o setor privado, com capacitação continuada dos atuais trabalhadores que precisarão se adaptar aos trabalhos do futuro.
Uma política pública voltada para o setor seria necessária, como aconteceu na Alemanha e nos Estados Unidos?
João Paulo Magalhães - Sim. Um projeto nacional de fortalecimento das indústrias nacionais e que promova o investimento não só público em políticas de P&D é crucial para evolução do cenário de inovação tecnológica no Brasil. É necessário estreitar as relações entre o setor privado e as universidades federais (que são as instituições que mais promovem P&D no nosso País) e propor políticas de isenções fiscais de modo que o investimento em P&D seja suficiente para alavancar a produção de tecnologias inovadoras.
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