Bebês golfarem após as mamadas sempre foi algo corriqueiro. Porém, ultimamente, os pais se preocupam se a regurgitação seria um sintoma de refluxo gastroesofágico, que poderia comprometer a saúde dos pequenos. Na verdade, segundo a gastroenterologista pediátrica Carolina Toscano, do Real Hospital Português, o refluxo atinge 60% dos recém-nascidos e tem início nas primeiras oito semanas de vida, mas na grande maioria dos casos, não traz grandes consequências para as crianças e desaparece com o tempo.
Para compreender como ele acontece, é preciso entender que existe um músculo entre o estômago e o esôfago chamado esfíncter, que funciona como uma válvula. Ela deve ser aberta apenas quando engolimos para a passagem da comida. Mas, se abre fora de hora, pode deixar passar o conteúdo do estômago de volta para o esôfago. É quando há o refluxo que pode ou não ser acompanhado de regurgitação ou vômito.
Isso acontece com várias pessoas sem causar qualquer tipo de prejuízo. Por isso é chamado de refluxo fisiológico. “É considerado normal e pode atingir indivíduos saudáveis, independentemente da idade, incluindo as crianças durante toda a infância, mas é muito mais comum em recém-nascidos, no período em que chamamos de lactente, devido à imaturidade do esfíncter”, explica Carolina.
Normalmente o refluxo acontece após a amamentação, o que por diversas vezes pode ocasionar a regurgitação. “O alimento ingerido pelo bebê pode ser exteriorizado diversas vezes ao dia e pode acontecer por vários motivos. Um dos mais comuns, é o fato de ter mamado demais, está cheio e não cabe todo aquele conteúdo em seu estômago, então ele exterioriza”. Casos como este são chamados de “regurgitador feliz”. Há também fatores como a dieta que é consistente em líquido.
QUANDO É DOENÇA
Já a doença do refluxo gastroesofágico é um problema que vai além das regurgitações, provocando algumas manifestações clínicas de gravidade variável, como vômitos propulsivos, recusa da alimentação, irritabilidade, ganho ou perda de peso, expressão de dor, arqueamento do tronco e alterações no sono. “Normalmente, o diagnóstico em recém-nascido é difícil, pois é um paciente que não fala”, adverte a pediatra. “Por isso devemos ficar atentos aos sintomas. O mais marcante é o ganho ou a perda inadequada de peso e a constante irritação do lactente”.
Em resumo, é uma criança que está incomodada o tempo todo – até mesmo durante ou após a amamentação. Neste caso, é necessário consultar um médico. A primeira hipótese de diagnóstico é a alergia à proteína ao leite de vaca (APLV). Caso haja a suspeita, é necessário que a mãe faça uma dieta 100% restrita desse alimento e de seus derivados para que não haja a contaminação do leite materno. “É durante esse período que avaliamos se o lactente é ou não alérgico”, apontou Carolina, indicando que existem testes para o diagnóstico. “A phmetria é um exame bem invasivo, mas é o mais indicado”.
Durante 24 horas completas, o recém-nascido faz o uso de uma sonda que vai do nariz até a boca do estômago. “A ferramenta monitora todos os picos de acidez que entrar em contato com a sonda. A partir daí fazemos uma correlação com os sintomas, se a criança chorou, ou ficou irritada, por exemplo”, revelou a especialista.
A administradora Katiury Moura, 33 anos, é mãe de Maria Luiza, que tem 4 meses e há três foi diagnosticada com a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE). A dificuldade da filha em se alimentar chamou a atenção da mãe, que estranhou a quantidade de ocasiões em que a pequena regurgitava diariamente. “O número de vezes era tão alto que eu não consigo mensurar. Na verdade, não era golfo, era vômito mesmo. Ela ficava irritada e chorava muito após a amamentação”, lembrou Katiury.
O problema apenas começou a ser regulado quando ela procurou o apoio de um especialista, que logo realizou o procedimento padrão para descartar a hipótese de alergia à APLV. “Durante um mês não pude comer nenhum derivado do leite de vaca. Foi uma dieta bem restrita, mas, mesmo assim, não houve melhora. Logo foi concluído que Maria Luiza não era alérgica. O problema era mesmo o refluxo”, afirmou.
TRAVESSEIRO
A criança foi medicada. “Geralmente, o tratamento consiste em medicamentos que diminuem a acidez no estômago do bebê. Existe também recomendações que habitualmente os pais aderem, como o uso de travesseiro antirrefluxo”, explicou. Com uma posição levemente inclinada entre 15 e 20 graus, o travesseiro é uma forma de prevenção. “O mais importante de tudo é que haja o acompanhamento médico. É fundamental que os pais enxerguem a importância das consultas de rotina”, alertou Carolina.
Katiury adotou todas essas recomendações no tratamento de Maria Luiz e a cercou de muito cuidado. “Se um bebê já dá trabalho normalmente, com refluxo ele dá trabalho ao triplo. Tem que ter uma atenção redobrada para que a criança não se engasgue. Várias vezes a minha filha já se engasgou e precisamos socorrê-la”, afirma Katiury, que também permanecia com a filha no colo, por cerca de 30 minutos para que ela arrotasse.
Ao completar três meses, Maria Luiza parou com os medicamentos, pois a partir do segundo mês de tratamento a tendência é de melhora. “O sistema digestivo do bebê amadurece, os episódios de refluxo e regurgitação tendem a se tornar mais raros”, esclarece a gastroenterologista pediátrica.
*Por Marcelo Bandeira