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Economia compartilhada cresce no Recife

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Você já pegou um Uber para se deslocar pela cidade, assiste a filmes pelo Netflix ou já contribuiu com alguma vaquinha virtual nos crowdfundings? Seja bem-vindo à economia colaborativa ou compartilhada. Um modelo de negócio movido principalmente pela conexão entre as pessoas por meio das novas tecnologias de comunicação.

A partir de plataformas digitais é possível conseguir o financiamento para um projeto social ou para uma startup, que dificilmente viria de uma instituição bancária. Também pode-se acionar um serviço de entrega por bicicletas ou alugar um quarto num apartamento para passar as férias, sem a necessidade de um intermediário. Esse foi substituído por empresas que não possuem bikes para fazer o delivery ou casa para alugar, mas oferecem plataformas para conectar o dono do veículo ou imóvel ao consumidor. Essa é uma nova lógica econômica que começamos apenas a experimentar suas possibilidades.

Um estudo da escola de negócios IE Business School em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Ministério da Economia e Competitividade da Espanha apontou que o Brasil é líder na América Latina em iniciativas da economia colaborativa. Ancorado no potencial de fomento de inovação do Porto Digital, tem nascido em Pernambuco uma série de negócios baseada nesse novo modelo com alta capacidade de redução de custos e inclusão social.

O professor dos cursos de economia e ciências da informação da UFPE e sócio da empresa Creativante, José Carlos Cavalcanti, explica que a economia compartilhada torna mais barato os chamados custos de transação (como os relacionados à comercialização, por exemplo). “Isso acontece porque é um modelo que funciona por meio do uso de ferramentas de tecnologia cada vez mais robustas, confiáveis e acessíveis ao mais humilde cidadão”, explica Cavalcanti.

Um exemplo desse modelo é a empresa pernambucana Find Up, que eliminou a necessidade de até 5 intermediários nos serviços assistência técnica em informática. Através de uma plataforma digital ele conecta usuários (residenciais ou corporativos) que necessitam de reparos em seus aparelhos aos técnicos cadastrados mais próximos com a qualificação necessária para resolver o problema. É como se fosse o Uber dos consertos de equipamentos de informática.

“Desenvolvemos o modelo de negócio com geolocalização do técnico a partir do celular. São 4 mil profissionais que têm o nosso aplicativo instalado no telefone e mais de 100 mil usuários cadastrados”, esclarece o CEO da Find Up, Fábio Freire. “Somos uma interface de conexão do cliente com técnico, só com uma camada de gestão no meio”, garante o gerente de operações, Gustavo Ferreira. A plataforma reduz em até 30% o custo final do serviço e diminui o tempo de espera para a resolução do chamado. Presente em mais de 550 cidades no País, a Find Up começa uma fase de internacionalização e chega em breve à Argentina, Chile, Colômbia, México e República Dominicana.

INCLUSÃO
Inclusão social é outro benefício proporcionado pela economia compartilhada. Além de garantir serviço para técnicos que ficaram desempregados ou para profissionais que querem incrementar a renda, o sistema consegue incluir pessoas com restrições de horários, como estudantes. Um universitário que estuda pela manhã, por exemplo, e não consegue achar um trabalho compatível com sua rotina, poderia se cadastrar e oferecer seus serviços nos horários disponíveis.

Também com DNA pernambucano, a Ecolivery atua no modelo da economia do compartilhamento no segmento de logística sustentável, fazendo entregas com bicicletas. Mais de 500 ciclistas já se cadastraram na plataforma, tendo atualmente em torno de 20 ativos. O diferencial é o fato do serviço agregar um valor socioambiental aos clientes, com uma mobilidade que não emite gases poluentes e contribui para a melhoria do trânsito, evitando mais engarrafamentos.

A partir de um aplicativo, qualquer pessoa ou empresa pode acionar o ciclista mais próximo para buscar uma encomenda ou levar um documento. O app permite também acompanhar em tempo real a posição dos entregadores e visualizar as entregas que já foram feitas e as que faltam fazer. “Temos hoje uma clientela bem diversificada, como escritórios, cartórios, farmácias de manipulação, empórios, restaurantes e lanchonetes com delivery, e entregas locais de e-commerce”, lista Hugo Gomes, fundador e sócio da empresa que está incubada no Porto Digital.

O potencial de desenvolver negócios sociais é outra característica da economia do compartilhamento. Como a peça que move a sua engrenagem é a comunidade, um empreendimento de alto impacto social pode alcançar engajamento de milhares de microfinanciadores com os crowdfundings. “Por meio das vaquinhas online, uma solução social pode ser viabilizada de forma coletiva e compartilhada, trazendo resultados espetaculares de forma rápida e eficiente”, afirma o gerente de empreendedorismo do Porto Digital e head de Aceleração da Jump Brasil, André Araújo.

Ele avalia que as pequenas campanhas que a população começa a se engajar representam o início de uma prática de financiamento social que se tornará comum. “Economia e sociedade não são coisas separadas. Estão surgindo metodologias ágeis para se empreender. Essa é uma das maneiras mais interessantes hoje para que projetos inovadores e de pessoas – que ainda não têm uma marca estabelecida, mas têm conhecimento e capacidade – receberem investimentos pelo próprio público alvo daquele possível produto”, afirma André Araújo.

Um projeto local que se beneficiou do crowdfunding foi o Saladorama, que permite à população feminina da Zona Norte do Recife acesso à alimentação saudável e à renda. Criada no Rio de Janeiro, a startup ganhou uma operação em Nova Descoberta. A lógica de funcionamento é formar mulheres de comunidades pobres para produzir os alimentos e educá-las para levar esse hábito de consumo e preparação para suas casas.

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Saladorama incentiva alimentação saudável e empodera mulheres da periferia do Recife. Foto: Tom Cabral

“Atuamos com cozinhas dentro das comunidades, empregando, capacitando e empoderando mulheres. Alimentos orgânicos e saudáveis são desconhecidos da maioria da população de baixa renda e são inacessíveis em restaurantes que têm essa oferta por causa do alto custo”, afirma Isabela Ribeiro, sócia e responsável pelas operações no Nordeste.
Além da vaquinha digital, o Saladorama beneficiou-se da economia compartilhada ao comercializar os pratos preparados por uma plataforma virtual. Eles são entregues no sistema de delivery. Com os recursos das vendas, as mulheres recebem uma bolsa durante o período de capacitação na startup. Embora a maioria da clientela seja ainda dos bairros de classe média, o Saladorama já tem aproximadamente 40% de público da comunidade consumindo os produtos.

A nova turma que começa a ser preparada pela empresa tem um detalhe a mais: serão capacitadas apenas mulheres negras e transexuais. “Fizemos a opção por ser um público que enfrenta ainda mais dificuldade de acesso à alimentação orgânica e saudável”, justifica. Para formar a nova turma de 25 pessoas, a empresa lançou um crowndfounding para captar R$ 25 mil para custear o projeto, mas conseguiu captar R$ 32 mil. As aulas começam em agosto. Após se espalhar pelo País, a empresa tem um convite para experimentar o modelo de negócios a partir de novembro em Angola.

Seja no mundo dos negócios ou na busca por soluções sociais, os especialistas indicam que a revolução promovida pela lógica da economia colaborativa está apenas no começo. Os embates com os sistemas tradicionais (como no clássico caso do Uber x táxi) é uma mostra de que nem todas as etapas serão realizadas sem resistência. “Onde existem serviços públicos de baixa qualidade ou onde os intermediários cobram muito caro são os ambientes em que esse modelo floresce mais rápido”, alerta André Araújo, que faz previsões ousadas: “Esse mercado colaborativo vai pipocar quando chegar na área financeira, com as criptomoedas. Serão microbancos funcionando sem intervenção, com dinheiro virtual. A gente acha que já viu as mudanças acontecendo, mas talvez não tenha visto ainda”. O case mais famoso das criptomoedas é o da Bitcoins, que já tem operações no Recife.

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André Araújo, do Porto Digital, destaca o potencial de crescimento da economia colaborativa no mundo. Foto: Tom Cabral

Para se preparar para essas mudanças, o executivo afirma que Porto Digital, C.E.S.A.R e a empresa Softex estão desenvolvendo conhecimentos estratégicos e tecnologias necessárias para a operação dos sistemas colaborativos. Dessa forma, abre-se caminho para que novas startups possam surgir em Pernambuco a partir desse modelo de negócios que promete crescer muito no mundo inteiro nos próximos anos.

Previsões internacionais revelam esse futuro próspero. Estudo da PricewaterhouseCoopers (PwC) indica que até 2025 a economia do compartilhamento deve mover mais de US$ 335 bilhões no mundo. Na avaliação de Jeremy Rifkin, teórico econômico e social americano, o próprio capitalismo deixará de ser predominante no mundo, dando lugar ao sistema colaborativo. “Aparentemente, estamos na fase inicial de uma transformação de fundo dos paradigmas econômicos. No crepúsculo da era capitalista, surge um novo modelo econômico mais adequado à organização de uma sociedade em que cada vez mais bens e serviços são praticamente gratuitos”, afirma no livro A Sociedade do Custo Marginal Zero. Se o cenário futurista de Rifkin será uma realidade, só o tempo dirá. Mas a profusão de atividades que já usam a lógica do compartilhamento e alcançam resultados econômicos e sociais indicam que o modelo veio para ficar.

(Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais – rafael@revistaalgomais.com.br)

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