Para entender os impactos da crise da Rússia na economia brasileira e pernambucana, entrevistamos o economista e consultor Edgard Leonardo, professor e coordenador do curso de administração da Unit-PE. Ele aponta os principais riscos e as ameaças que as sanções econômicas contra o País de Vladimir Putin podem trazer de efeito negativo para o planeta.
Quais os maiores riscos desse conflito para a economia brasileira e Pernambucana?
É preciso compreender que as economias mundiais estão todas interconectadas, notadamente após a segunda Grande Guerra, a mundialização da economia de mercado, compreendida como um processo dinâmico e crescente de integração entre as economias vem avançando.
E certamente, com a queda do muro de Berlim e as transformações no cenário do leste europeu, ocorreram inúmeras mudanças na geopolítica e na economia, decorrentes da fragmentação do território da extinta União Soviética.
É fato que receberemos em nossa economia as ondas de choque causadas pela invasão russa na Ucrânia, as distâncias econômicas são muito menores que as geográficas. Vale ainda lembrar, que os recentes litígios entre as duas nações, de fato começaram em 2014, com a anexação da Criméia, região ucraniana pró-Rússia, pelo governo de Putin e culminaram agora com a recente invasão.
Como reflexo direto deveremos ter a elevação do preço dos combustíveis e um repique na inflação, além do aumento do preço dos alimentos, lembrando que a região conflagrada além de grande produtora de trigo, milho e outros produtos importantes, é fornecedora de grande parte do fertilizante utilizado no Brasil e no mundo.
É esperada uma queda da atividade econômica mundial, com valorização de ativos como: ouro, prata e dólar, com investidores em busca de segurança em um momento de alta incerteza e volatilidade.
Com a alta da Selic ocorreu um aumento dos investimentos estrangeiros no Brasil, o que fez o dólar ficar abaixo de R$ 5,00, o que é importante para o controle da inflação. Todavia, com a atual crise, os investidores podem diminuir a migração de dólares ao Brasil; e caso o real volte a desvalorizar, a inflação será ainda mais alta.
A incerteza quanto à duração do conflito é um dos grandes problemas e quanto mais este se alongar, piores serão os impactos na economia global.
O Brasil pode no curto prazo, desde que o conflito não se alongue, beneficiar-se da elevação do preço das commodities, principalmente agrícolas, gerando maiores lucros para o agronegócio brasileiro, porém repito. Desde que o conflito não se alongue, pois um conflito prolongado reduziria a atividade econômica na Europa (importante consumidor de nossos produtos) e impactaria os custos de produção.
A inflação, que é um dos problemas mais resistentes dos últimos anos, deve ser agravada?
Em um cenário onde a inflação de alimentos já é realidade mundial, a crise gerada pela invasão russa só piora as expectativas, para compreendermos a situação é importantes lembrarmos alguns números.
A Rússia é um importante produtor mundial de fertilizantes, responsável por fornecer ¼ dos fertilizantes consumidos no Brasil, certamente que não apenas o envolvimento na guerra, mas também as sanções internacionais impostas implicaram em redução na oferta dos fertilizantes o que resultará em aumento dos custos de produção de alimentos, no Brasil e no mundo.
A Rússia juntamente com a Ucrânia são grandes produtoras de produtos agrícolas, respondem pela produção de 30% do trigo consumido no mundo e 80% do óleo de girassol ofertado mundialmente. O impacto no mercado mundial de trigo e outras commodities já vem sendo percebido pelos analistas.
A Ucrânia é o quinto país em produção de milho, e a redução deste importante player certamente elevará os custos de produção de uma série de itens, notadamente a produção de laticínios e proteínas de maneira geral.
Outro ponto importante é que a Rússia sozinha produz 12% do petróleo mundial e 40% do gás natural consumido na Europa. E o fato é que a invasão russa provoca uma séria crise de energia na Europa, com reflexos por toda economia mundial, o pior cenário para os analistas se confirmou quando a Rússia invadiu o território Ucraniano.
Além da Rússia ser um importante produtor de petróleo e gás natural, grande fornecedor da Europa, os gasodutos responsáveis por atender a Europa agora estão em um território em guerra, elevando o risco de um corte no fornecimento de um importante insumo.
Uma interrupção no fornecimento de combustíveis poderia forçar a Europa a racionar o produto, com forte impacto nos preços e na dinâmica da economia europeia ainda em recuperação da crise causada pela pandemia de Covid-19.
Por isso, um dos grandes temores é que as sanções econômicas possam não apenas afetar a economia russa, mas contaminar toda economia global em cascata.
Por que essa crise pode afetar o preço dos combustíveis? É possível fazer alguma coisa para evitar uma elevação muito grande do preço dos combustíveis?
Basicamente o preço final dos combustíveis no Brasil, depende do preço do barril do petróleo e da cotação do dólar, infelizmente no cenário atual a expectativa é que o preço do barril continue subindo, e caso o conflito permaneça sem solução, ultrapasse a barreira histórica de 150 dólares (Ocorrida na crise de 2008, após tensões políticas no Irã, Paquistão e Nigéria).
Para minimizar os impactos da redução oferta mundial de petróleo, os USA e outras nações consumidoras de petróleo já estão autorizando o uso das reservas de emergência.
No cenário atual, é importante manter a política de valorização do real frente ao dólar, uma vez que não podemos interferir na tendência de alta do barril, e certamente será importante o papel da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo, para reorganizar a produção global de forma a manter os níveis de oferta de petróleo, o que infelizmente não ocorre rapidamente.
Dos setores econômicos de Pernambuco, algum guarda uma preocupação maior com o conflito? Temos relações comerciais diretas com os russos ou ucranianos?
Embora a Rússia não seja da perspectiva econômica uma superpotência mundial, alguns pontos são importantes de ressaltar quanto a economia russa.
A Rússia fornece ¼ do total dos fertilizantes usados no Brasil e metade dos fertilizantes derivados de potássio, sozinhos os russos produzem 13% do fertilizante utilizado mundialmente.
Os fertilizantes derivados de potássio, oriundos da Rússia são utilizados em praticamente todas os tipos de cultivos, seja para a produção de grãos, frutos, pasto ou outros cultivos, certamente uma crise no fornecimento de fertilizantes tem o poder de nos causar impactos diretos, elevando os custos de nossa produção agrícola: na fruticultura irrigada e na produção de cana de açúcar, além da produção de milho entre outros.
No final da contas, o recente conflito do leste europeu, certamente nos traz uma preocupação com o aumento do custo de vida de nosso cidadão, que mesmo aqui, tão distante, sofrerá os impactos do processo inflacionário .