“A educação é o ingrediente chave para diminuir a desigualdade brasileira” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco
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Rafael Dantas

“A educação é o ingrediente chave para diminuir a desigualdade brasileira”

Vitor Pereira, Doutor, mestre e bacharel em Economia pela PUC-Rio (2016), com doutorado sanduíche na Universidade de Stanford (2015), é professor do Mestrado Profissional em Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e foi um dos nossos entrevistados na última edição da Revista Algomais, sobre o futuro da educação. Ele também foi diretor do Departamento de Avaliação da SAGI, no antigo Ministério do Desenvolvimento Social e possui experiência na condução de diversas avaliações de impacto, especialmente no campo da economia da educação. Publicamos hoje a entrevista na íntegra em que ele fala nessa relação da qualidade da educação e a competitividade do País, além de apontar cases de referência de países que conseguiram virar o jogo do desenvolvimento econômico a partir de um investimento robusto e acertivos nos seus sistemas de ensino.


Como as dificuldades do nosso sistema de educação colaboram para a desigualdade social do País? Como é possível reverter esse cenário?

A educação é, de longe, o determinante principal da produtividade e dos salário das pessoas. Quanto mais anos de estudos, maior a renda da pessoa. Mas infelizmente, o Brasil é ainda é um pais com pouca mobilidade educação, embora o quadro melhorado recentemente. Um estudo recente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), mostrou que apenas 1 em cada 4 filhos de pais sem instrução alcançam o ensino médio. De cada 6 em 10 brasileiros cujos pais não possuem o ensino médio também pararam de estudar antes de terminar essa etapa. Sem dar oportunidade educacional a essas gerações mais novas, estamos reproduzindo a desigualdade das gerações passadas.

O problema não é simples. Há estudos que mostram que, ao aumentar a escolaridade dos pais, os filhos são beneficiados. Por exemplo, a geração de maio de 68 na França teve os requerimentos para ingressar na universidade e para nela permanecer afrouxados durante um período. Isso facilitou a essa geração nascida entre 1947 e 1950 possuir um curso universitário. Os filhos dessa geração acabaram mais educados do que da geração anterior e da seguinte. Da mesma forma, reformas que expandiram o acesso à educação na Suécia e na Finlândia beneficiaram a geração seguinte.

No entanto, o quadro é um pouco mais complicado. Na Noruega, por exemplo, a maior educação dos pais não beneficiou os filhos, o que é um sinal de outros fatores, como as características da família ou habilidade dos pais deixam um pouco mais complexo esse processo de perpetuação da desigualdade entre gerações. Nos EUA, se tomarmos duas crianças com pais de mesma renda e mesma educação, o fato de crescer em um conjunto habitacional diminui as chances de a criança subir na vida depois, comparada com crianças que passaram os primeiros anos de vida em locais menos violentos ou com melhor acesso à serviços. Pegue esses exemplos e pense em uma criança crescendo em uma favela típica de Recife ou do Rio de Janeiro, que ainda chega no ensino fundamental tendo aulas interromidas por tiroteios. Não é difícil imaginar como essas crianças enfrentam desafios hercúleos para poder completar o ensino médio, eventualmente cursar uma univeridade e subir de vida.
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Como é possível reverter esse cenário?

Esse cenário não significa, porém, que estejamos fadados a reproduzir nossa desigualdade passada. A educação é o ingrediente chave no processo de aumentar a mobilidade social e diminuir a desigualdade brasileira. E a ação mais contundente para podermos aumentar as chances de mobilidade social de uma criança é incluí-la em uma escola de qualidade. Em uma escola de qualidade, as chances de aprendizado sao maiores, as chances de repetir de ano são menores e, consequentemente, as chances de abanonar precocemente os estudos acabam reduzidas.

O desenvolvimento do cérebro começa na gestação. É durante os primeiros mil dias de vida, contando os meses da gravidez, que o cérebro mais se desenvolve. Existem muitos riscos ao bom desenvolvimento durante esses primeiros dias, como a falta de nutrição adequada, o consumo de tabaco e álcool durante a gravidez, a contaminação por doenças infecciosas e o estresse materno. Esses fatores podem resultar em crianças menos saudáveis e com menor peso ao nascer, o que tem consequencias sobre seu desenvolvimento futuro. Nos primeiros anos de vida, a amamentação no peito e os estímulos adequados e positivos são fundamentais para o bom desenvolvimento da crianças, mas nem sempre os pais sabem da importância desses cuidados.
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Então, esse fosso da desigualdade a partir da formação cognitiva começa mesmo antes das crianças entrarem na escola e aumenta nos primeiros anos de ensino?

Há evidencia dos EUA, por exemplo, de que pais de estratos sociais mais baixos conversam menos com as crianças, comunicam um vocabulário mais limitado e pronunciam menos frases positivas para as crianças do que pais de classes mais abastadas. As diferenças de desenvolvimento por classes sociais se inicia ai e vai se ampliando durante a vida. Nesse sentido, programas de visitação domiciliar que encorajem os pais a ter interações mais estimuladoras com os filhos em casa podem se muito promissoras. Na Jamaica, crianças que passaram por um programa desse tipo tiveram ganhos cognitivos expressivos durante a vida e, 20 anos depois, tinham salários 30% mais altos do que as crianças que não haviam sido sorteadas para participar do programa. Essa é a experiencia que inspirou o Programa Criança Feliz , que hoje está presente na maioria dos municípios brasileiros.

A relevância da primeira infância também traz ao primeiro plano a questão da qualidade das creches e pré-escolas brasileiras. O Brasil nos últimos anos universalizou a matrícula na pré-escola, e ainda caminha para chegar na taxa cobertura de creche preconizada pelo Plano Nacional de Educação, de 50%. No entanto, o desenvolvimento da criança nesses centros depende crucialmente da intencionalidade pedagógica do professor e da qualidade das suas interações com a criança. Ainda damos muito pouca atenção à garantia da qualidade da educação nas creches e pré-escolas brasileiras.

Um outro momento crucial do desenvolvimento das capacidades dos indivíduos é durante o processo de alfabetização. Enquanto as crianças da classe média acabam sendo alfabetizadas muitas vezes em casa antes do primeiro ano do ensino fundamental, a alfabetização das crianças mais pobres demora muito mais, principalmente quando frequentam escolas de mais baixa qualidade. Sem saber ler com fluidez, a criança vai ficando para trás, carregando um problema de déficit de conhecimento para as séries seguintes. Embora a repetência hoje seja baixa nos anos iniciais do ensino fundamental, esse deficit irá ter consequências posteriormente na forma de repetência nos anos finais. Alfabetizar na idade correta é crucial.
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No Brasil, há algum case importante de transformação pela educação?

O Brasil possui inúmeros exemplos de iniciativas que deram certo melhorando a qualidade da educação. A cidade de Sobral, no Caerá, talvez seja o caso mais famoso de sucesso na educação brasileira, mas não é o único. Através de sucessivas gestões municipais, o município foi capaz de alfabetizar as crianças na idade correta utilizando metodologias que facilitam a aquisição das habilidades de ler, escrever e compreender um texto. O estado do Ceará, posteriormente, investiu na alfabetização em regime de colaboração com os municípios, expandindo a experiência de Sobral para o restante do estado. Foi um grande sucesso e hoje praticamente todas as crianças do estado estão plenamente alfabetizadas ao final do ano. Outra iniciativa bem sucedida no estado foi o programa Escola Nota 10, que premia as escolas com boa pontução nas avaliações, mas com um componente solidário. Para que uma escola de bom desempenho possa receber a premiação novamente precisa ajudar uma escola de mau desempenho a melhorar, expandindo assim suas boas práticas.

Outro grande caso de sucesso no Brasil é o estado de Pernambuco. Em 2007, o estado ocupava as últimas posições nos rankings das avaliações entre os estados no Nordeste. O estado então implementou uma série de série de inciativas, como o Bônus de Desempenho Educacional (BDE), que fizeram com que pouco a pouco o estado fosse melhorando a qualidade do ensino. Em um dos meus estudos, por exemplo, mostro que as escolas que não alcançam o BDE em uma determinado ano acabam fazendo um esforço extra no ano seguinte com vistas a alcançá-lo. Os professores passam mais exercícios, corrigem mais as lições de casa, dão aulas mais dinâmicas e têm mais chance de cumprir o currículo exigido.

Outra grande iniciativa de sucesso implementada em Pernambuco são as escolas de ensino médio de Referência, com modelo de ensino integral ou semi integral. Essas escolas possuem uma gestão diferenciada, herdada do período em que a iniciativa era um projeto piloto co-gerido por empresários que haviam estudado na escola pública estadual e estavam inconformados com a situação em que sua escola se encontrava. A iniciativa tem o grande diferencial de focar no protagonismo do jovem, incentivando-o a pensar em seu projeto de vida. O sucesso dessas escolas pode ser visto não só pelas baixas taxas de evasão, altas notas no Enem e aprovação nos vestibulares, mas também pelo fato de que quando as escolas tradicionais são convertidas em escolas de referência no interior do estado, as escolas particulares perdem seus alunos para a escola pública. Muitas acabam fechando. É um retorno muito saudável da classe média à escola pública.

Ainda no Nordeste, tanto a cidade de Teresina quanto o estado do Piauí têm melhorado constantemente a qualidade do ensino. Teresina investiu forte na alfabetização, enquanto o estado do Piauí tem melhorado a gestão das escolas, incentivando diretores a monitorarem o progresso dos alunos e a focarem em metas de desempenho. O Piauí também adaptou à sua realidade um programa muito bem sucedido do Rio de Janeiro, o Renda Melhor Jovem. No Piauí o programa recebeu o nome de Poupança Jovem Piauí. O programa paga uma bolsa premiando o aluno por terminar o ensino médio sem repetir de ano ou abandonar a escola. No Rio de Janeiro, o programa foi responsável por reduzir a evasão escolar dos alunos elegiveis em um terço. Já no Piauí o programa também teve resultados expressivos, reduzindo o abandono e evasão.

A aprovação do novo Ideb pelo congresso nacional no ano passado é uma excelente notícia. Teremos mais recursos para a educação, uma distribuição mais equânime dos recursos do fundo entre os municípios brasileiros e mecanismos de incentivos premiando os municípios que apresentarem evolução nos indicadores educacionais.

Enfim, existem inúmeros outros exemplos de sucesso Brasil afora. Poderia passar páginas e páginas dissertando sobre esses casos. O nosso desafio é compreender corretamente quais são os mecanismos que fizeram com que esses casos fossem tão bem sucedidos, e como que tais programas poderiam ser expandidos e adaptados a outros contextos.

A aproximação das empresas ao sistema educacional é um caminho importante para qualificar a educação? Que caminhos devem ser trilhados para que o País possa formar pessoas produtivas e competitivas num mercado de trabalho cada vez mais difícil e exigente?

Com certeza. Um dos papéis da escola é também preparar os alunos para o mercado de trabalho. O Novo Ensino Médio aprovado recentemente abre portas para fortalecer essa aproximação com as empresas. Com a reforma do ensino médio, o aluno poderá montar seus itinerários formativos e escolher cursos que tenham mais a ver com suas necessidades e desejos. O aluno pode agora fazer cursos técnicos e profissionalizantes dentro do ensino médio regular. Pode ainda complementar sua formação com cursos mais curtos de formação inicial e continuada. Além disso, a nova base comum curricular do ensino médio traz boas novidades, como a organização do currículo por áreas do conhecimento, o que permite aulas mais dinâmicas e menos expositivas, como projetos e oficinas. Por último, assim como feito nas escolas de ensino médio de tempo integral de Pernambuco, todos os alunos do ensino médio brasileiro terão a oportunidade de montar um projeto de vida, estimulando o desenvolvimento de competências sócio emocionais como a cooperação, controle emocional, capacidade de planejamento de longo prazo e resiliência. Pesquisas mostram que, com todas as mudanças cada vez mais frequentes no mercado de trabalho, empresas têm tido alta procura por trabalhadores com capacidade de trabalhar cooperativamente, ter controle emocional, evitar negatividade, apresentação pessoal, respeito, entre outras…. São muitas as oportunidades de desenvolver tais habilidades no ensino médio, fazendo uma melhor conexão dos alunos com o mundo do trabalho.

A implementação do novo ensino médio é um enorme desafio para o Brasil nos próximos anos. Há toda uma complexidade na formulação dos itinerários formativos e nos cursos de curta duração, e a presença do setor privado seria muito bem vinda na formulação e até mesmo na implementação desses cursos. Apesar dos avanços do novo Fundeb, a possibilidade de financiamento desses cursos através de implementadores privados foi rejeitada pelo congresso. A capacidade de o setor privado implementar cursos conectados com as demandas do mercado de trabalho é muito maior do que a do setor público. Infelizmente esse debate acabou turvado pela possibilidade de financiamento de escolas religiosas. Precisaremos retomar essa discussão em um futuro próximo, sob a possibilidade de jogar fora as oportunidades trazidas pelo novo ensino médio.

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Você destacaria alguma experiência internacional de um País que conseguiu reverter o cenário da pobreza e desigualdade com formação de mão de obra produtiva e competitiva? Como aconteceu a mudança? É possível seguir esse caminho no Brasil?

Há inúmeros exemplos. O Japão, a Coréia do Sul e os países Nórdicos são os melhores exemplos dessa possibilidade. Até meados dos anos 80, a Coréia do Sul tinha uma renda menor do que a brasileira. Enquanto o Brasil se via às voltas com políticas econômicas equivocadas na segunda metade dos anos 70 e no início dos anos 80, com endividamento crescente, protecionismo, substituição de importações, inflação galopante e baixíssimo investimento em educação, a Coréia do Sul investiu maciçamente na sua educação. O resultado é que ficamos para trás, estagnados, com baixo crescimento, presos em uma armadilha de renda média e alta desigualdade, enquanto a Coréia do Sul deslanchou, se tornando uma potência tecnológica de alta renda. Além dos casos desses países, há evidência de que a educação explica também diferenças de produtividade entre cidades. No estado de São Paulo, por exemplo, municípios que receberam colônias com imigrantes de níveis mais altos de escolaridade no início do século XX tiveram aumentos de escolaridade que persistiram ao longo do tempo. Mais de 100 anos depois, tais municípios possuem maior escolaridade e maior renda per capita.

Infelizmente, não existe uma fórmula mágica para se alcançar esse sucesso. Cada país e cada localidade possui suas particularidades, contextos históricos, sociais e políticos diferentes. Me parece pouco provável que o Brasil possa alcançar um patamar de excelência educacional simplesmente copiando as experiências desses países. É sempre possível olhar para casos de sucesso, seja no nível nacional, ou em nossos estados e municípios, e compreender alguns dos mecanismos que tornaram essas experiências bem sucedidas. Em última instância, porém, permanece sempre o desafio de adaptá-las ao contexto local. A experiência de Sobral não é replicável em todos os municípios brasileiros, por exemplo. A condição necessária, mas longe de ser suficiente, é reconhecer a urgência de agir, focar os esforços na boa gestão escolar e ter a liderança política necessária para gerar consensos mínimos que coloquem no centro do processo o direito do aluno ao aprendizado.

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