Nos últimos 15 anos o crescimento das universidades brasileiras passou a atender também estudantes do exterior. Os intercâmbios na educação superior aumentaram, em especial entre os países lusófonos, atraindo muitos estudantes africanos para o Brasil. Daí, algumas centenas de histórias de jovens universitários cruzaram os oceanos e a cultura brasileira e retornaram para seus países. Uma política que envolve educação e diplomacia que deu seus frutos na formação de mão de obra para outras nações.
Braima Mané, 33 anos, nasceu numa família humilde em Guiné Bissau. Com muito sacrifício seus pais fizeram sua matrícula na Universidade Amílcar Cabral, uma nova instituição de ensino do seu país. Apesar de pública, os estudantes precisam pagar mensalidades. Depois de um ano do curso de sociologia, ele teve que parar de estudar por falta de meios financeiros.
O jovem africano conseguiu estágio na universidade, para voltar a estudar. Quando soube da possibilidade de fazer intercâmbio no Brasil com bolsa de estudo, ele se candidatou e conseguiu a vaga. “Fui estudar, graças à ajuda de um grande amigo, que inclusive assinou o termo de responsabilidade financeira. Mas meus pais também contribuíram com meus estudos, apesar das suas dificuldades”, conta. Seu pai era técnico em contabilidade e sua mãe vendedora de peixe no país africano.
Braima estudou ciências sociais na UFPE, entre 2008 e 2013. “As minhas motivações foram apenas para estudar, me formar e voltar ao meu país para contribuir no processo de desenvolvimento. Fui para o Brasil, por meio de uma cooperação bilateral entre os dois Estados, denominado de PEC-G (Programa de Estudante-Convênio de Graduação) que constitui um dos instrumentos de cooperação que o governo brasileiro oferece para outros países em vias de desenvolvimento, especialmente da África e da América Latina”.
Apesar das dificuldades e privações no Brasil para atravessar os cinco anos, ele concluiu o curso e retornou para Guiné Bissau. Hoje ele é profissional liberal e contribui para o desenvolvimento do seu país. Braima coordenou um projeto social dentro de uma ONG especializada na defesa, na promoção e proteção dos direitos das crianças e mulheres, que tem como foco dois fenômenos: Crianças Talibés (mendicidade, abuso e exploração) e Violência Baseada em Gênero, na província Leste do país.
Hoje, o cientista social coordenao um projeto de reintegração dos migrantes guineenses retornados. Uma iniciativa que tem o financiamento conjunto da União Europeia e Comissão Econômica dos Estados da África Ocidental, que visa à reintegração socioeconômica e profissional daqueles que experimentaram a migração irregular através do mediterrâneo. “Hoje, com os conhecimentos adquiridos no Brasil, estou exercendo livremente a minha profissão e contribuindo, na medida do possível, para o processo de desenvolvimento do meu país, Guiné-Bissau. O Brasil me fez ser um homem novo, versado ao profissionalismo e pragmatismo. Devo muito a este país, que considero minha segunda pátria. Como sou formado em ciências sociais, procurei sempre focar as minhas atuações profissionais no campo social”, relata Braima.
No Brasil, ele conheceu também Yama Camara, uma jovem do seu País que estudava turismo na mesma universidade, também em um intercâmbio. Ela hoje trabalha como gerente de um hotel na Guiné Bissau. Os dois se casaram e têm uma filha.
DIPLOMACIA
Em torno de 9 mil estudantes estrangeiros entraram no Brasil desde o ano 2000 por meio do mesmo programa em que Braima teve acesso ao intercâmbio. Entre 2015 e 2017 passaram pelo programa 1479 alunos vindos da África, América Latina e Caribe, sendo 969 africanos.
Para o presidente do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia (IPERID) e cônsul da Eslovênia em Pernambuco, Rainier Michael, a abertura de canais diplomáticos entre países e regiões é estratégica, inclusive para alavancar negócios. “Quem abre esse tipo de canal educativo e cultural, sempre com o apoio do Governo no âmbito internacional, ganha muito mais na questão do diálogo, na compreensão dos povos e da cultura local e regional do país. Se nós queremos ter um Pernambuco internacional temos que ter esses canais abertos. E o grande desdobramento é o viés econômico e de sustentabilidade. Se você não tem entendimento da cultura e língua, não consegue fazer negócios sustentáveis, que é a grande base da diplomacia econômica. O intercâmbio entre os povos abre o entendimento, o respeito e diminui a intolerância. É uma ação estratégica que Pernambuco tem que ter como hub do Nordeste”.
Esta é a segunda reportagem da série Educação que transforma. Na próxima segunda-feira contaremos uma nova história de superação impulsionada pelo Ensino Superior.
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LEIA A PRIMEIRA REPORTAGEM DA SÉRIE
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*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)