Em busca da orla perdida

O marzão, os coqueiros e guarda-sóis estendidos na areia compõem o cenário dos lugares paradisíacos ou das badaladas praias urbanas. No entanto, com o avanço do mar, uma série de áreas de banho no litoral brasileiro foram desaparecendo nos últimos anos. A Região Metropolitana do Recife viu parte dos seus cartões-postais serem tomados pelas águas, afetando o lazer e o turismo. Para reverter esse quadro, desde 2008 foi realizado pela UFPE um estudo de Monitoramento Ambiental Integrado (MAI) que indicou a necessidade de recuperação da faixa litorânea. Após obras em Jaboatão dos Guararapes e em Paulista, a expectativa da população é de ver Boa Viagem revitalizada em breve. Com um investimento em obras estimadas em R$ 66 milhões, a Prefeitura do Recife sinalizou em janeiro que busca verbas através do Governo Federal ou do Banco Mundial.

Se a engorda da orla ficou em águas mornas por mais de cinco anos, foi em 2013 que os planos de revitalização começaram a sair do papel. Naquele ano, o então ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra Coelho chegou a falar em um “Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para prevenção contra o avanço do mar”. Mas, dos quatro municípios citados no estudo do MAI, apenas Jaboatão chegou a executar obras orientadas pelo projeto.
Segundo a coordenadora do Gerenciamento Costeiro da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Andrea Olinto, os projetos executivos de Recife, Olinda e Paulista foram entregues pela consultoria CB&I em janeiro de 2013. “Em função da crise financeira mundial tivemos problemas em captar recursos para executarmos os projetos”. Nos primeiros dias do ano, o secretário de Infraestrutura e Serviços Públicos da Prefeitura do Recife, Victor Vieira, indicou que aguardava a assinatura do convênio com o mesmo Ministério da Integração Nacional para realizar a licitação. Até agora as verbas não foram garantidas. A situação de Olinda é bem semelhante. “Com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, o estudo e um projeto executivo para a promoção dessas ações, respeitando as características de cada cidade, já estão prontos. Neste momento, estamos captando recursos para que as obras possam ser executadas”, afirmou em nota a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Olinda.
De acordo com o professor do departamento de oceanografia da UFPE, Pedro Pereira, a engorda representaria uma recomposição do ambiente natural que deixou de existir. “O impacto ambiental desse projeto será mínimo. Muito menor que todas as obras que já foram feitas de contenção do mar. Além disso, traria de volta esse ambiente que perdemos ao longo do tempo. Uma recomposição como aconteceu em Jaboatão”.
Atualmente, conter o avanço do mar no Recife custa caro para os cofres públicos. São R$ 1,8 milhão investidos por ano para manutenção do trecho em que foi colocado um enrocamento (aglomerado de pedras). Essa barreira é protegida por uma manta submersa que permite que a água do mar passe, mas impede o retorno da areia da praia para o oceano. “Em Boa Viagem esse trabalho de contenção começou com 300 metros e hoje cobre cerca de 4km. O enrocamento não vai acabar com o problema da região. É apenas um paliativo. Será mais agradável ter a areia, a praia de volta do que ter rochas”, avalia.

AMPLIAÇÃO. Em sendo executado, o projeto de engorda da praia de Boa Viagem ampliará entre 20 a 40 metros da faixa de areia em cinco quilômetros da orla. O trecho previsto no projeto vai da Avenida Armindo Moura, já nas proximidades com a divisa com Jaboatão dos Guararapes, até a Rua Bruno Veloso. “A implementação desse projeto irá superar o histórico de onerosas e ineficazes obras pontuais já implantadas e vai garantir e restabelecer o potencial de aproximadamente 50km de praia, bem público de uso comum do povo pernambucano, ao longo dos municípios de Jaboatão, Recife, Olinda e Paulista”, indica a coordenadora Andrea Olinto. Ela destaca ainda que o projeto elaborado pelo Estado compreende a alimentação artificial da praia, através da deposição de areia proveniente de jazidas submarinas com características semelhantes às da areia nativa. “É uma prática internacional exitosa, que vem sendo utilizada em diversos países desde a década de 70”, afirma.

EXPERIÊNCIAS. As obras de Jaboatão e de Paulista foram bem distintas, segundo os especialistas. Em Jaboatão, a engorda da praia ampliou a faixa de areia entre 30 e 40 metros num trecho de 5,8 quilômetros, seguindo as coordenadas do projeto elaborado pelo Governo do Estado. Abrangendo as praias de Piedade, Barra de Jangada e Candeias, a execução apresentou algumas falhas não previstas (como a fuga de areia em alguns trechos), mas é avaliado com êxito. Foram investidos R$ 41,5 milhões no projeto. Após as obras houve um aumento no número de banhistas e turistas nas praias do município. Em Jaboatão, algumas áreas que antigamente tinham desova de tartaruga, voltaram a receber esses animais. Só em abril do ano passado foi identificado o nascimento de 168 filhotes de tartarugas, na praia de Piedade. A funcionária pública Renata Leite mora em Candeias e viu toda a transformação que aconteceu na praia. “Melhorou 100%. Antes era um paredão de pedra e o mar avançando sobre os prédios. Agora virou praia de novo”, afirma. Foram feitas também intervenções na orla, como a construção do calçadão.
Em Paulista os investimentos foram inferiores (na ordem de R$ 28 milhões), mas foi utilizada uma tecnologia muito distinta. Instalou-se uma barreira de concreto que leva o nome de bagwall, que consiste na colocação de sacos biodegradáveis preenchidos com concreto que dissipa a força das ondas. As obras realizaram a contenção do avanço do mar nas praias de Nossa Senhora do Ó, Conceição, Pau Amarelo e Janga. “Com relação a Paulista as obras que foram implementadas não correspondem às orientações para regeneração das praias elaborado pelo Estado. O projeto elaborado pela prefeitura de Paulista é mais uma obra de contenção em estrutura rígida”, diz Andrea Olinto.

POPULAÇÃO. A diretora da Associação de Moradores do Pina, Boa Viagem e Setúbal, Maria Cristina Henriques, observa ainda com desconfiança as notícias de engorda da Praia de Boa Viagem. A ambientalista diz que anúncios do tipo são veiculados desde 2002.
Apesar da descrença, moradores do bairro aprovam o projeto. O advogado Gustavo Costa aguarda com boas perspectivas a concretização do projeto. “Além de tornar a praia mais atrativa aos turistas, a engorda irá valorizar os prédios do local. Quem mora nessa área mais crítica da faixa de areia está a favor do projeto. É preciso uma intervenção definitiva, as que aconteceram são paliativas”. Uma dúvida do morador é se esse projeto conseguirá evitar a subida do mar num longo prazo. De acordo com pesquisa da Fapesp, em 100 anos o nível do mar em Boa Viagem subirá 80 cm.
Outro morador que lamenta a situação atual da praia é o advogado Ivo Barboza. Ele, que costuma caminhar, tem que optar por fazer seus passeios diários pelo calçadão, visto que na maioria dos dias não é possível andar na praia. “Sou a favor que seja aumentada a faixa de areia. É mais agradável e terapêutica. Já moro há 10 anos em Boa Viagem e a situação é a mesma”, afirma.

(Por Rafael Dantas – Revista Algomais/abril)

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