Em duas semanas, dois anos - Revista Algomais - a revista de Pernambuco

Em duas semanas, dois anos

Revista algomais

O que impele um empresário bem-sucedido a reduzir deliberadamente a importância dos seus negócios e deixar o Brasil para viver em outro país? A insegurança? A corrupção? A impunidade?

Não responda agora. Antes, considere que nestes dias em que o progresso tornou o mundo pequeno, é corriqueiro deixar para trás os parentes, os amigos, a pátria, abandonar tudo, enfim. Nos anos 1700, entretanto, era uma desmedida ousadia.
Havia muito tempo, Antônio Gonçalves da Cruz Cabugá planejava seguir o caminho do mundo, e até já se desfizera da maior parte dos seus bens, inclusive o sobrado onde morava. Com a chegada do dia 6 de março de 1817, porém, ele adiou a partida por duas semanas, tempo em que assumiu a presidência do Erário, cargo equivalente, hoje, ao de ministro da Fazenda, para realizar, em curtíssimo prazo, históricas intervenções na economia pernambucana. Assim foi feito.

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Ele estabeleceu ampla liberdade de comércio com todas as nações; isentou de taxas os produtos de primeira necessidade; democratizou o sistema de concessão de alvarás, instrumento com que os portugueses mantinham os brasileiros fora do mundo dos negócios; revogou os impostos sobre pequenas lojas, embarcações e canoas; e passou a comprar alimentos e revendê-los à população, a preço de custo. Foi um golpe contundente no monopólio dos mascates lusos, que compravam em grosso, estocavam, esperavam a fome crescer e depois revendiam aos retalheiros, hoje por cinco, amanhã por 10, depois por 15...

Foram medidas de grande impacto, tomadas em apenas duas semanas, após o que ele embarcou para os Estados Unidos na condição de primeiro embaixador do Brasil junto a uma nação estrangeira. Do seu trabalho naquele país dependia o futuro do regime democrático que se buscava implantar no Brasil, a partir de Pernambuco, a capitania mais próspera do País, conquanto suas classes populares vivessem quase na miséria.

Pensando bem, como gigantesca exportadora de açúcar e algodão, a capitania pernambucana, líder econômica regional, poderia progredir ainda mais, se os produtores agrícolas não fossem compelidos a um embate constante com os monopólios comerciais, os juros escorchantes e a enorme carga tributária imposta pelo governo de D. João.

Nos Estados Unidos, a missão do diplomata pernambucano era obter do governo o reconhecimento da República brasileira e advogar por ela junto à Inglaterra, oferecendo em troca 20 anos de isenção de impostos para os produtos norte-americanos. Outra busca urgente era adquirir navios de guerra, armas e instrutores para equipar e treinar as tropas pernambucanas. Ele cumpriu fielmente todos os encargos. Adquiriu 10 mil fuzis e trouxe como instrutores militares franceses exilados na América do Norte após a derrota de Napoleão em Waterloo.

Mas não ficou só nisso.

Também fez um bom trabalho junto à imprensa. Quando algumas vozes anônimas tentaram negar o valor do movimento pernambucano, nos jornais de lá, alegando tratar-se de rebeldia de uma região isolada, diferentemente da América Espanhola, que se levantara de norte a sul, a resposta foi rápida e certeira: Boston, com uma população ainda menor que a do Recife, também começara a revolução norte-americana solitária... Ademais, o próprio Thomas Jefferson, um dos fundadores dos Estados Unidos, chegou a escrever ao francês Lafayette, herói das revoluções norte-americana e francesa, sugerindo que Lisboa perdera uma grande província, e não seria de admirar se todo o Brasil se levantasse e mandasse a família real de volta para Portugal. Quanto à segunda parte, acertou em cheio. A República foi proclamada.

Mulato, pouco mais de 40 anos, rico, solteiro, farrista, aplicado praticante dos prazeres da vida, ele era abominado pelos portugueses e ferrenho defensor dos ideais franceses calcados em liberdade, igualdade e fraternidade.

Um dos mais importantes vultos da Revolução de 1817, Cruz Cabugá continua presente em nosso cotidiano. Na memória de cada pernambucano e na avenida que tem seu nome ligando Recife e Olinda.

*Por Marcelo Alcoforado

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