Em tempos de desemprego, pernambucanos buscam alternativas

As altas taxas de desemprego em Pernambuco e no Brasil não são apenas uma fotografia momentânea. Na avaliação dos especialistas, o cenário da desocupação está mais para um filme que tem como protagonista o desmonte recente da economia brasileira. Um roteiro que não foi revertido com as mudanças nas leis trabalhistas e que começa a ser afetado também por uma revolução tecnológica, que promete atingir uma parcela maior de trabalhadores. Até então apenas o “chão de fábrica” teve suas funções substituídas por robôs, mas a perspectiva para um futuro próximo é que a inteligência artificial substitua também cargos nos escritórios. Para enfrentar a escassez de postos de trabalho e ter expectativas melhores, muitos profissionais investem em outros caminhos para geração de renda, como o empreendedorismo e o cooperativismo. A prestação de serviços com apoio de aplicativos, como o modelo do Uber, e a aposta no setor de franquias também são alternativas em crescimento no Estado.

“No País a crise bateu na porta no último trimestre de 2014. O cenário do emprego em 2015 foi negativo. Tivemos o pior ano de nossas vidas em 2016. Em 2017, parou de piorar, numa estabilidade perto do fundo do poço, da qual ainda não saímos”, afirma Lúcia Garcia, coordenadora de pesquisa do mercado de trabalho do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Ela avalia que em 2018, a conjuntura que vivemos guarda semelhanças numéricas ao epicentro da crise de 2008, quando ocorreu o estouro da bolha especulativa nos Estados Unidos. “De lá para cá, o capitalismo não dá respostas efetivas para crise global”.

A especialista afirma que a crise do emprego no Brasil foi impulsionada por dois fatores da economia brasileira que afetaram diretamente Pernambuco: a paralisia do setor de petróleo e gás e das grandes obras financiadas pelo Governo Federal. A Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE aponta que no Estado a taxa de desemprego no último trimestre de 2014 era de 8,3%. No último trimestre de 2017, o percentual subiu para 17,9%. O fechamento de postos de trabalho só no primeiro semestre deste ano foi de 10 mil vagas, de acordo com o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho.

Como Pernambuco passava há anos por uma onda crescente de investimentos industriais e de infraestrutura, a queda foi sentida de forma mais intensa. Jovens como Marcelly Arcanjo, 23 anos, que se preparava para ocupar uma vaga no polo naval, foi surpreendida com o encolhimento do setor. Tecnóloga em construção naval e com curso técnico em automação industrial, ela não conseguiu emprego. “Quando comecei os cursos havia uma grande oferta de oportunidades na área. Ao concluir era zero o número de vagas”, lamenta.

Em reação à crise do setor recém-nascido em Pernambuco, Marcelly migrou de área. Voltou aos estudos e está em formação como técnica em eletrônica. “Troquei de foco para ter maior aceitabilidade no mercado de trabalho. Estou fazendo também iniciação científica, em um projeto de inovação para melhorar a mobilidade urbana. Isso me abre oportunidades tanto para o empreendedorismo como para a carreira acadêmica”, relata. Seguir para o mestrado na área de transportes está nos planos da estudante.

Após ter sido demitido de um emprego de vendedor no comércio do Centro do Recife, Raul Teixeira, 23 anos, começou a trabalhar como motorista de Uber. “A crise me prejudicou bastante. Minha esposa estava grávida também. Tive que trabalhar de alguma forma. Decidi arriscar no Uber e não me arrependo”.

Apesar de satisfeito com o novo ofício, que lhe remunera melhor que o comércio e proporciona flexibilidade dos horários, ele afirma não estar acomodado. Após iniciar e trancar cursos na área de logística e segurança do trabalho, formações em alta com a retomada industrial anterior à crise, ele está dividido entre fazer graduação em direito e tentar uma carreira pública ou montar seu próprio negócio. “Trabalhar como Uber abriu muito a minha visão. Hoje estou trabalhando para mim. Nunca pensei nisso antes. Minha ideia era sempre buscar emprego. Mas depois dessa experiência, vi que posso investir em algo e conseguir ganhos maiores que ser empregado”, revê Teixeira.

Para sobreviver a esse cenário, a criatividade do brasileiro está sendo posta à prova. Um terreno fértil para o chamado “empreendedorismo por necessidade”. De acordo com o consultor do Sebrae, Vitor Abreu, esse fenômeno é caracterizado quando uma pessoa monta um negócio movida pela urgência. “É um tipo de empreendedor que aumenta em tempos de desemprego, quando as pessoas têm dificuldade de retornar ao mercado de trabalho e precisam voltar a gerar renda. Não necessariamente pela identificação de uma boa oportunidade”, explica.

A pressa em voltar a ter remuneração, inclusive, faz com que esses empreendedores queimem algumas fases importantes da estruturação de uma pequena empresa. O que aumenta o risco de mortalidade do negócio, de acordo com o especialista. “Trabalhamos muito para evitar que na necessidade as pessoas não pulem etapas do planejamento. Isso faz com que comecem de fato a buscar mais a identificação de uma oportunidade”, afirma.

Um dos caminhos acessados pelos empreendedores é a busca pelo setor de franchising. Andrea Fonseca era trainee na área administrativa de uma grande construtora nacional quando os cortes de pessoal a alcançaram. Enquanto ainda estava no emprego, ela visitou uma feira de franquias onde conheceu a marca que seria a sua aposta. Investiu numa unidade da Mister Mix em Camaragibe. Com bons resultados, assumiu uma outra loja em Jaboatão dos Guararapes e, recentemente, uma terceira no Shopping Camará.

Andrea Fonseca investiu numa franquia após ser demitida de um trabalho numa grande construtora nacional. Foto: Tom Cabral

O conhecimento em administração e gestão aprendido na faculdade e na experiência profissional foi importante para consolidar a iniciativa. “Sempre pensei em montar um negócio. A demissão foi importante para essa passagem. Aproveitei a oportunidade e sempre tive resultado. Não foi fácil passar pelos piores dias da crise, mas aprendi bastante. Virei praticamente uma funcionária, fazendo parte do quadro. Mas estou bastante satisfeita”, conta a empresária. Hoje ela já recebe mais do que no antigo emprego e comemora o fato denão ter que viajar tanto como na época em que era emprgada.

O caminho trilhado por Andrea tem sido a alternativa de muitos empreendedores. “As franquias são, de fato, uma alternativa de geração de renda para muitas pessoas que saem do mercado de trabalho retraído em momentos de crise como o que o País atravessa. Isso faz com que cresça relativamente a procura dos potenciais investidores”, afirma o diretor regional da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Leonardo Lamartine. O empresário ressalta que o setor é visto como a porta de entrada para quem quer ter um negócio próprio. “A franquia atrai investidores tanto em períodos de bonança, que empreendem por oportunidade, quanto em períodos de tempestade ou de crise, quando se empreende por necessidade”.

Em Pernambuco, o franchising, no primeiro trimestre de 2018, cresceu 20% em número de redes e 16% em unidades operando no Estado, em comparação com o mesmo período do ano passado. Lamartine afirma ainda que o perfil do investidor pernambucano geralmente é de executivos que saíram de grandes empresas ou multinacionais.

MUDANÇAS
Além da crise, muitas transformações estão em curso, o que requer habilidades e competências dos trabalhadores condizentes com essas mudanças. “O mundo do trabalho está mudando muito e vai mudar ainda mais. Uma das tendências no curto prazo é a exigência de profissionais cada vez mais diferenciados, tanto em termos de conhecimento técnico como de capacidade para interpretar informações e ter análise crítica. São características que se afastam das atividades meramente mecânicas e que ajudam a não perder lugar no mercado”, afirma Carolina Holanda, sócia da ÁgilisRH e da TGI Consultoria em Gestão.

Carolina Holanda afirma que uma das tendências no curto prazo é a exigência de profissionais cada vez mais diferenciados para se manterem no mercado. Foto: Tom Cabral

Dentro de um horizonte de, no máximo, 10 anos os avanços tecnológicos devem afetar várias atividades que hoje são executadas por profissionais. De acordo com Lúcia Garcia, a transição em curso no Brasil ainda é tímida diante do que já tem ocorrido no exterior. “A substituição do trabalho humano pelos robôs dentro da indústria, pela inteligência artificial e pelo autoatendimento é uma realidade. Mas isso não alcançou o Brasil com o impacto que já chegou nos Estados Unidos e na Europa. A chamada revolução 4.0 está se impondo gradualmente”. A consultoria PwC indicou que até 2030, um terço das profissões atuais nos países mais desenvolvidos serão substituídas no processo de automação.

No cenário desenhado pela especialista do Dieese, essa transição está chegando no País num momento em que a base laboral ainda está deprimida pela crise. “O problema é que essa revolução chega junto com uma desvalorização muito grande do trabalho”, alerta. Um dos sintomas da precarização das condições de trabalho e dos salários no Brasil é o fato de 65% dos brasileiros terem recorrido a “bicos” no primeiro semestre para complementar a renda, de acordo com pesquisa do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e pela CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas).

A discussão de uma solução para esse impasse que não consegue combinar crescimento econômico, avanço tecnológico e empregabilidade ainda é muito preliminar na análise de Lúcia Garcia. “Construir um plano de ação é um passo difícil. As pessoas primeiro se encantaram com os benefícios da tecnologia. Quando despertarem para os efeitos dela sobre o emprego precisarão se reinventar. Mas esse processo ainda não aconteceu. Precisamos fazer uma apropriação inteligente dos avanços tecnológicos para a humanidade”, sugere a economista.

COOPERATIVISMO
Em um período de desemprego, José Augusto Cabral passou a ser cuidador de idosos. Ao perceber o potencial dessa atividade com a perspectiva de envelhecimento da população, ele abriu a Coopestar (Cooperativa de Cuidadores de Idosos e Técnicos de Enfermagem). Com demanda em alta e oferta de mão de obra, principalmente de ex-domésticas, a iniciativa, que foi fundada há seis anos, vive um período de crescimento.

A procura pelas cooperativas aumentou com a crise econômica. Na Coopestar os cuidadores de idosos passam por treinamentos para o trabalho. Foto: Tom Cabral

Augusto é pós-graduado em gerontologia, trabalha ao lado de 160 cooperados e atende cerca de 70 clientes na Região Metropolitana do Recife. O caminho trilhado por ele no início desse empreendimento é a porta encontrada por vários trabalhadores que desejam uma nova perspectiva profissional. “O cooperativismo traz um novo rumo para essas pessoas”, afirma. Ele revela que 25% dos cooperados são ex-empregados domésticos. Muitos chegaram semianalfabetos e hoje têm o ensino médio completo e as formações necessárias para atuar como cuidadores.

E novos investimentos são realizados. A Coopestar está construindo uma casa geriátrica para abrigar 14 idosos, no bairro da Encruzilhada. Para os próximos anos está ainda nos planos a construção de uma Casa Lar, um espaço para receber idosos apenas durante o dia.

No Estado, os segmentos mais fortes do cooperativismo são o médico (como as Unimed), de crédito (como o Sicredi) e as cooperativas agrícolas, em especial no Vale do São Francisco. Mas há experiências em diversas outras áreas em Pernambuco, nas 179 cooperativas em atividade. Ao todo, são mais de 141 mil cooperados no Estado, seis mil a mais que em 2016. “O cooperativismo faz um grande contraponto ao mercado, mostrando ser possível outra forma de fazer economia e construir cidadania”, afirma o presidente do Sistema OCB-PE (Organização das Cooperativas do Brasil), Malaquias Ancelmo.
Frente ao cenário sombrio do emprego, há pesquisas no mundo inteiro de alternativas econômicas que gerem renda e autonomia para as pessoas. Nesse nicho, além do cooperativismo, caminham a economia solidária, a economia de comunhão e as moedas sociais, entre outras.

Muitas dessas alternativas estão descritas no livro Dicionário Internacional da Outra Economia. “A outra economia é regida pelos princípios da solidariedade, da sustentabilidade, da inclusão, enfim, da emancipação social. Esses princípios não se reduzem a boas intenções, mas constituem realizações concretas, viáveis e, sobretudo, em expansão no mundo inteiro”, afirma o doutor em sociologia Antonio David Cattani, um dos organizadores da publicação.

*Por Rafael Dantas, repórter da Revista Algomais (rafael@algomais.com)

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