Não sei mais escrever por encomenda. Já soube, acho. Mas desaprendi. Não há nada errado em escrever sob encomenda. Pelo contrário. Quem é do ramo escreve numa boa. E eu tenho a maior inveja. O editor (ou freguês, mesmo) dá a pauta (ou seja, faz a encomenda) “escreve, aí, não sei quantas linhas sobre isso aqui”. E o cara manda brasa. Escreve. E, se for bom, escreve bem.
Eu, confesso, não consigo. Por exemplo, escrever sobre uma data comemorativa, um acontecimento, uma notícia, uma pessoa, um escritor, um livro, um filme, sei lá, qualquer coisa que me peçam para escrever (ou que eu mesmo me peça). Até tento. Mas não sai nada. Melhor, sai. Mas meio que, digamos, sem querer querendo.
Pra mim, a coisa funciona mais ou menos assim —vamos ver se consigo me explicar: a ideia (melhor, o assunto) pinta. Como? Não sei. Ou, às vezes, até sei. Mas isso não importa. Pintou, tenho que parar o que tô fazendo e anotá-la na hora. De lascar, mesmo, é quando tô quase dormindo. Levanto, anoto. E o sono já era. Tenho uma cadernetinha só pra isso. Mas, se não tiver à mão, vale tudo: guardanapo de papel, bloquinho de garçom, jornal, livro, nota fiscal, talão de cheques, receita médica e, até, acredite, papel higiênico (quanto mais macio, pior pra escrever). Depois, tenho que me virar pra decifrar os garranchos.
Ninguém me encomendou nem eu planejei escrever o que escrevi até aqui. Nem tampouco o que vem a seguir. Mas, uma coisa puxa a outra, né? Por falar nisso, Ariano Suassuna contava a história de um camarada que gostava de levar encomenda. Dizia que não gostava, para valorizar o préstimo, mas gostava. “Amanhã, tô indo pro Recife de trem. Espero que ninguém me peça pra levar nada.” Mentira. Anunciava a viagem e ficava na maior agonia, esperando que alguém lhe pedisse pra levar alguma coisa.
Certa feita, ele anunciou a viagem com mais antecedência do que a usual. E nada de encomendas. Na plataforma da estação, o trem já quase partindo… e nada.
– Tá faltando alguma coisa, pai?
– Não. Nada. Tô só olhando.
Súbito, aproximam-se uma senhora e um rapaz.
– O sr. pode levá-lo?
– O rapaz?
– Ele e esta carta aqui.
No envelope, o destinatário: Dr. Ulysses Pernambucano de Mello – Sanatório Recife. O rapaz, coitado, era doido. E a doidice que deu nele, durante a viagem, foi querer pular do trem.
Desde então, dizia Ariano, o camarada passou a admitir que gostava de levar encomendas, mas adotou um lema:
– Se for pequena e maneira, eu levo; agora, doido, aquele foi o último qu’eu levei.