Entre a solidariedade e o direito à normalidade

Depois de ficar acordado até tarde assistindo as provas de atletismo das Olimpíadas de Tóquio 2020, nada é mais revigorante do que acordar cedo para preparar as crianças na volta às aulas. Desta vez, além do material escolar habitual, outros itens são fundamentais: máscaras e álcool em gel. Há um pouco mais de um ano nos apressamos em chamar isto de novo normal.

Em abril de 1995 a Universidade de Columbia, em Nova Iorque, organizou um simpósio para celebrar os 50 anos de libertação da Europa, coincidentemente quase uma semana após o ato terrorista de Oklahoma. Entre os conferencistas do evento, se encontrava o pensador italiano Umberto Eco, que estava ali para contar as lições de sua infância, em parte marcada pela Segunda Guerra Mundial. Mas como é possível agir de forma normal em meio a um conflito armado? Ou seguido do mais letal atentado terrorista dos Estados Unidos até aquele momento?

Nosso cérebro gosta de rotina, muitas vezes nem refletimos sobre nossas atividades, apenas executamos o que está programado em nosso piloto-automático, até ser interrompido por um fenômeno inesperado. Hoje, na porta da escola, dois responsáveis se exaltaram por causa do uso da máscara, vai saber se por esquecimento, ou desprezo. O fato é que a acalorada controvérsia é interrompida por uma criança pedindo ao seu pai para vestir a máscara.

Uma característica dos animais que vivem em sociedade é a solidariedade, segundo o historiador israelense Yuval Harari: a cooperação entre os seres humanos foi um filtro importante para nossa sobrevivência. Acontece que algumas pessoas não querem usar máscara, não pretendem se vacinar, desejam voltar imediatamente à normalidade, e reivindicam a garantia constitucional à liberdade.

O jovem Umberto Eco descobriu aos 10 anos de idade que o uso retórico da liberdade pode ser mera perfumaria, quando venceu “um concurso com livre participação obrigatória”. A grande questão é que este menino se adequou ao momento, diferente de uma poltrona velha que se acomoda ao corpo de quem a usa, incapaz de sair da rotina de sua zona de conforto.

No campo do Direito, o espaço das garantias de gerações futuras e direitos coletivos vem alcançando novas dimensões, mesmo diante de alguns retrocessos, o progresso normativo aponta para caminhos cada vez mais conciliatórios. Em tempos de pós-verdade a sociedade é mais informada do que foi no passado, o que nos falta é retomar o diálogo, muitas vezes perguntar é mais eficaz do que afirmar, pois leva a reflexão.

O velho Umberto Eco aprendeu com o seu eu menino que libertação ainda não é liberdade, e estas são tarefas que não acabam nunca. Por isso, independente do que for o “novo normal”, liberte-se da zona de conforto, seja um sujeito coletivo.

Wagner Arandas, professor de Direito do Centro Universitário UniFBV (wagner.arandas@professore.unifbv.edu.br)

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