O isolamento social, em especial para crianças e adolescentes, já atravessa mais de um semestre. Com a mudança para as aulas online, as privações de várias atividades de lazer e dos contatos presenciais, os estudantes de diferentes idades vivem um fenômeno semelhante ao dos adultos que estão no home office: sensação de cansaço, fadiga, ansiedade e desânimo. Conversamos com a psicóloga do Colégio Equipe, Suzi Moura, sobre os efeitos colaterais da maior exposição das telas no desenvolvimento e no aprendizado das crianças e adolescentes.
Como essa vida mais digital pode afetar a saúde e a qualidade de vida das crianças e adolescentes?
Ela pode afetar de várias maneiras, mas, quando substitui as relações do mundo presencial pelo virtual, isso se torna mais grave. Precisamos considerar questões fundamentais no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes que envolvem o uso da tecnologia. Uma delas refere-se à educação digital, que ajudará as famílias a lidar com essa realidade que está posta, que é real e em que todos estamos imersos, que é o mundo digital. Todavia, tem outros fatores para os quais precisamos atentar, como, por exemplo, a relação da criança com o brincar, fator estruturante para seu desenvolvimento. A partir do momento em que as crianças substituem esse tempo de brincar para ficar por um período muito longo expostas às telas, elas perdem um tempo que é importantíssimo no mundo real e concreto, onde conseguem, por meio da brincadeira, transitar para o mundo da imaginação, e construir suas fantasias e significados para o seu viver. Do ponto de vista psíquico, essa experiência pode ajudar na prevenção de transtornos mentais futuros. Quando se retira isso e se coloca apenas a experiência digital, torna-se complicado, pois a criança vai deixando de adquirir habilidades estruturantes e socioemocionais.
Para os adolescentes isso também é problemático?
Sim. Quando o tempo é demasiado e o adolescente não consegue permanecer distante das telas, poderá haver risco quanto à dependência tecnológica, comprometendo a qualidade de vida e a saúde física e mental. Temos visto muitos adolescentes com dificuldade de estabelecer relações interpessoais e para fazer amigos presenciais, bem como aumento de sintomas de ansiedade e de fobias sociais.
Hoje, vemos o “desligamento de pessoas” acontecendo de forma corriqueira no mundo digital. Existe um mundo muito aberto, há muitas oportunidades, tem muitas coisas boas, mas muitas inapropriadas para determinadas faixas etárias.
O acompanhamento dos pais é imprescindível nesse cenário. As referências identificatórias para os adolescentes, tão importantes nessa fase, precisam acontecer no mundo real, com pessoas reais, pois no mundo virtual há facilidade das coisas acontecerem de forma instantânea e serem desfeitas com a mesma velocidade.
Muitos adultos tem reclamado de muito cansaço e de maior carga de trabalho no home office. Na experiência escolar, os estudantes têm demonstrado a fadiga diante de tantas vídeoconferências e obrigações online?
Sim, eles têm demonstrado fadiga, cansaço, ansiedade, desânimo e muita falta do contato físico, do olho no olho e da interação com professores e colegas. Antes pensávamos que o tempo de distanciamento social seria menor, mas já estamos com 6 meses de aulas em casa e on-line, e isso tudo contribui para um esforço cada vez maior para se manterem ativos e atentos. Fica mais difícil para eles corresponderem, uma vez que estão expostos às aulas remotas por um longo período. O corpo se movimenta menos, as pessoas estão no mesmo espaço fazendo tudo ao mesmo tempo, os intervalos ou pausas das atividades se tornam menores. Se estabelece uma relação limítrofe entre o tempo que se dispõe e o que precisa ser feito. Sendo assim, é necessário se organizar, criar uma rotina para que as coisas funcionem melhor. Quanto mais estruturado e organizado for, melhor será esse processo.
Como é possível atender as necessidades temporárias desse novo normal (antes da volta completa das aulas) de uma maneira mais saudável e menos dolorosa?
Incluir na rotina atividades relaxantes, que não sejam necessariamente produtivas, mas que sejam reestuturadoras, é muito importante, bem como se abrir espaço para se fazer o que se gosta, mesmo que esse tempo seja um pouco menor. Também se deve atentar para o tempo e a qualidade do sono. Sabemos que o sono fica mais difícil e artificial porque o corpo se movimenta menos. É o movimento do corpo, a atividade física, que dá aquele sono mais gostoso, mais profundo.
Dessa forma, para administrar esse período de turbulências com menos prejuízo, torna-se necessário reconhecer e expressar os sentimentos, falando das angústias, dos medos, das perdas e da dor.
A desatenção às atividades virtuais e o desempenho dos alunos são fatores que preocupam os sistemas de educação?
Com certeza. Já é possível é perceber algumas vunerabilidades na construção do conhecimento e no desenvolvimento sociemocional dos nossos estudantes. Desse modo, serão necessárias atividades de avaliação diagnóstica para identificar as lacunas de aprendizagem e construir estratégias que ajudem a superá-las, assim como promover um tempo de acolhimento e acompanhamento voltados para as questões do cuidado com a saúde mental de toda comunidade escolar.