Para o coordenador cultural do Banco Santander, Carlos Trevi, os museus devem franquear seus jardins para a população fazer shows, piqueniques, namorar, ser um ponto de encontro. “Com o tempo eles invadirão o museu e se encantarão com o acervo”. Nesta entrevista, ele também defende a importância de conservar as instalações dessas instituições.
Como você avalia o cenário atual do segmento de museus em Pernambuco?
Pernambuco é um Estado privilegiado. Seus museus e espaços culturais possuem riquíssimo e variado acervo, podendo ser destacado como uma das regiões com maior preservação de arte e movimentos artísticos do Brasil. Infelizmente o contraponto a essa riqueza e variedade é ainda a falta de condições museais ideias para sua manutenção. Não incluo aqui instituições modelo como o Museu do Estado, MAMAM ou Cais do Sertão, ainda que este último esteja lutando para sua sobrevivência é inegável a boa qualidade de construção e arquitetura dos seus espaços, importante fator para a preservação e divulgação de acervos. Indico aqui outras instituições, mais acanhadas, menos privilegiadas pela mídia, mas que possuem acervos riquíssimos. Esses pequenos museus, que muitas vezes representam a única atração cultural das cidades do interior, carecem de um olhar mais cuidadoso tanto na museografia quanto, não menos importante, administração. Nesse sentido há muito o que fazer.
Quais os principais desafios dos museus locais para garantir uma maior atratividade para o público e consequentemente mais visitas?
Conectar-se com o público jovem. Ampliar suas atividades. Um museu pode propiciar variadas atrações além do seu acervo: jardins, biblioteca, café, cinema, auditório, espaço para oficinas, laboratórios de arte, restauração, cursos, espaço para música, apenas para citar alguns. Gestores públicos e privados precisam olhar (enxergando) suas instituições, em primeiro lugar, como edificações de referência para a cidade. O que quero dizer com isso? Veja que quando nos referimos a uma instituição cultural nossa lembrança imediata é a edificação. Todo mudo que visita o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, refere-se em primeiro lugar, e às vezes unicamente, à beleza do prédio. O mesmo vale para qualquer outro…..Que lindo casarão do Museu do Estado! ….Que palacete magnífico abriga a Academia de Letras Pernambucana! ….O prédio do Cais do Sertão é espetacular! ….As escadarias do Gabinete Português de Leitura são lindas. ….O Palácio do Governo é tão bonito e bem conservado! Num segundo momento é que nossa memória adentra essas edificações e grava outra lembrança, uma peça, um quadro, um conjunto artístico. É mais fácil resolver a museografia dentro de um prédio bem conservado, limpo de informações desnecessárias, asseado, bem iluminado, com boas condições de circulação de ar (nem vou citar equipamentos de controle de temperatura e umidade). No Brasil, e Pernambuco não foge à regra, a ambição da maioria dos diretores de museus é a restauração do acervo. O que adianta restaurar uma obra se o local onde ela será guardada ou exposta está infestado de cupins, ou possui uma goteira ou não tem proteção contra raios solares? Dali um ano será preciso gastar novamente com restauração, processo que não deve ser encarado como solução para todos os males e que se repetido ad eternum alterará a forma primeira do trabalho. Sempre, sempre, em primeiro lugar precisamos cuidar do prédio. Outro ponto importante é a preservação (não restauração) da coleção que a instituição abriga. Mantê-la higienizada e bem armazenada é uma atitude fundamental para o futuro. Muitas vezes uma simples flanela, trincha e mapoteca resolvem o problema. Por último, não podemos esquecer, e ter como principal diretriz a ciência que museus são espaços de guarda, e preservação para o futuro, da memória. Memória de um povo, de um modo de fazer, de pensar, de comportamento. Na minha visão é criminoso um ato de desleixo com um acervo artístico cultural. É apagar parte da memória de alguém. Esse alguém somos todos nós.
Como tem sido a experiência do Santander Cultural no Brasil? Há planos futuros para o Recife?
O Santander destaca-se pela ampla atuação no Brasil, incentivando todas as áreas culturais. Um diferencial é o estilo personalizado de ação em cada região. Em São Paulo mantemos o Farol Santander, no Rio de Janeiro, o Museu do Amanhã, em Porto Alegre, o Santander Cultural, em Minas Gerais o Museu Inimá de Paula, além da itinerância de diferentes exposições para Curitiba, Salvador, Goiânia, Fortaleza, Cuiabá, entre outras cidades.
No Recife mantemos a parceria com o Museu do Estado e, recentemente, o já reconhecido programa de formação de plateia no Teatro de Santa Isabel.
Como você analisa o modelo de sustentabilidade econômica dos museus brasileiros? Com muita dependência do poder público ainda, como o setor atravessa um momento de crise econômica como o atual?
Criou-se no Brasil a cultura da gratuidade, da meia entrada, dos vales para idosos, etc. É uma espécie de compensação para outras obrigações que a máquina pública não sustenta. Ocorre que esses mecanismos resultam em qualidade duvidosa dos serviços oferecidos. Em qualquer outro lugar no mundo as instituições cobram ingresso para sua manutenção. Aqui ainda vemos com perplexidade um museu público cobrar ingresso. Ora, como manter a instituição? Volto aqui a questão da manutenção do prédio. Para as exposições é possível contar com patrocínios, para o pagamento da conta de água, luz, telefone, conserto do telhado ou aparo da grama é mais complicado. No Brasil é quase total a dependência do poder público para a manutenção de museus. A atual crise econômica não afetou em nada, pois os museus na sua grande maioria sempre viveram em crise. O governo vê com mais naturalidade e interesse o patrocínio da música, cinema e teatro. Eles consideram esses segmentos mais populares, esquecendo que os museus, como os diamantes, são para sempre. Um show é um evento, apagou a luz acabou. O museu estará aberto no dia seguinte e no outro, no outro…
O brasileiro, de forma geral, não tem costume de frequentar museus. Que caminhos poderiam ser trilhados para incentivar uma cultura de frequentar museus na população?
Criar programações atraentes. Ter sinergia com a linguagem atual, com o que a nova geração utiliza para se informar. Pensar em outra forma de comunicação. Trocar o formato do banner pelo envelopamento do prédio como um grito na cidade. Investir em mostras com cunho popular e de boa qualidade. Exposições interativas. Franquear seus jardins para shows espontâneos (traga seu violão e toque para a galera), para piqueniques, para levar os filhos para correr. Com o tempo eles invadirão o museu e se encantarão com o acervo. Transformar a biblioteca em local de encontro para estudo, disponibilizar jogos para a garotada. Transformar o prédio em um ponto de encontro, seja para namorar, estudar, tomar sol deitado na grama, encontrar com os amigos, o que for. Importante é incluir (e ouvir) jovens estagiários e entregar a eles (confie!) a divulgação da programação e dos espaços e serviços nas redes sociais. Gratuitamente e com resultados surpreendentes. Os museus, no Brasil, ainda funcionam no boca a boca, então vamos assumir e botar a boca no mundo.