Entrevista com Cláudia Lima: “A saída é a bioeconomia” – Revista Algomais – a revista de Pernambuco

Entrevista com Cláudia Lima: “A saída é a bioeconomia”

No ano passado, em entrevista a Algomais, Cláudia Lima, diretora do ITCBio (Instituto Tecnológico das Cadeias Biossustentáveis) defendeu ser possível aplacar a fome do País e ainda ganhar muito dinheiro com a biodiversidade do Brasil. E o melhor: deixando a floresta em pé. Em meio à atual crise econômica, que tem arrastado um grande contingente de brasileiros para a pobreza, Cláudia vive hoje a expectativa de o instituto começar a caminhar em direção a que ela idealiza e acredita. A organização foi selecionada em três editais para capacitar pequenas comunidades no sertão, na mata atlântica e no litoral do Nordeste para atuar na cadeia produtiva de bioinsumos. Está prevista a instalação de três biofábricas.

As marisqueiras do litoral norte pernambucano também serão beneficiadas. Um dos projetos visa a implantar a qualidade no processo da pesca e lançar um novo produto no mercado para aumentar o valor agregado e a biossegurança. Exultante com as novas perspectivas, Cláudia, que também é professora da UFPE, crê na abertura de grandes oportunidades, já que a indústria brasileira importa boa parte dos bioinsumos produzidos em clima tropical. Nesta entrevista a Cláudia Santos, ela detalha os projetos e as possibilidades desse mercado.

Quais ações deste ano do ICTbio?

A indústria brasileira importa insumos originários de climas tropicais, mas nós também podemos produzi-los. Nós desconhecemos a riqueza que temos com a biodiversidade do Brasil, que é a maior do planeta. A nossa população nordestina, tão trabalhadora, está passando fome. Mais da metade da população brasileira está abaixo do limite de pobreza, uma boa parte morando na região do semiárido nordestino. É algo muito triste e a gente pode e deve fazer alguma coisa para reverter essa situação. A saída, que a gente vem defendendo há seis anos, é a bioeconomia. Numa outra entrevista, eu disse a você que com a bioeconomia dá para aplacar a fome e ganhar dinheiro. Essa é uma frase que não são espumas ao vento, é algo concreto.

Demos um primeiro passo nesse sentido com a aprovação do nosso projeto num edital da Facepe (Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco) para instalação de fábricas de bioinsumos, ou seja, insumos biológicos, originados da natureza, para fornecermos para o setor industrial, nas áreas de alimentos, cosméticos e farmacêutica. A produção será realizada por pequenas comunidades que serão capacitadas por nós para profissionalizar os seus processos, que estão em nível artesanal, e estabelecer uma cadeia produtiva. A capacitação também abrangerá a gestão desses bionegócios. Estamos comprando os equipamentos, organizando toda a infraestrutura, para capacitarmos as comunidades.

No final de 2019, concorremos com um projeto em um edital de pesquisa e desenvolvimento do Banco do Nordeste, com foco na cadeira de valor de mariscos e ostras. O objetivo é apoiar pescadoras artesanais (a maioria são mulheres) no litoral norte de Pernambuco, implantar a qualidade no processo e lançar um novo produto no mercado para aumentar o valor agregado e a biossegurança. Esse projeto também foi aprovado.

E acabamos de aprovar um grande projeto na Sudene para implantação de fábricas de bioinsumos em três Estados do Nordeste. Foi um edital muito concorrido, com alto nível de exigência e tenho muita satisfação de dizer que fomos os únicos aprovados. Vamos capacitar, mas a palavra seria empoderar as comunidades, propor cooperativas, realizar um diagnóstico social para mostrar as potencialidades de cada região. Ao mesmo tempo, entramos em contato com indústrias que utilizam esses insumos. Perguntamos: se você tivesse um insumo produzido no Brasil, qualificado pelo ITCbio, que fará toda a parte de controle de qualidade, você tem interesse em comprar? Claro que eles têm interesse, porque vão deixar de importar esses ativos.

Onde serão localizadas essas biofábricas?

Uma delas será sediada na cidade de Crateús (na foto abaixo), no sertão do Ceará, que um tem um polo de desenvolvimento tecnológico e um trabalho muito interessante na produção do mel. As outras biofábricas serão na região de Caicó, no Rio Grande do Norte, e em Carpina, em Pernambuco. Vamos contar com o apoio da Universidade Federal do Ceará, do Instituto Federal do Ceará, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal Rural de Pernambuco, que foi a nossa primeira parceira. Inclusive a biofábrica daqui do Estado vai ser instalada numa estação experimental UFRPE, em Carpina.

Quais os bioinsumos que serão produzidos?

Levantamos quais os insumos que a indústria está precisando. Inicialmente não vamos colocar produtos novos, mas aqueles que o setor industrial brasileiro já importa. O objetivo é fortalecer a base dessa cadeia produtiva para essas comunidades terem o retorno financeiro e, a partir daí, poderemos ampliar. Faremos um manejo racional de produtos que já são utilizados, em especial na indústria alimentícia e cosmética, e que estão sendo importados. Selecionamos três insumos da caatinga, três da mata atlântica e dois do litoral do Nordeste. Um fator importante é que o ITCbio vai fornecer um selo de origem biotecnológica. Não se trata de indicação geográfica, mas um selo desenvolvido pelo ITCBio que irá atestar a qualidade e a origem dos insumos e dos produtos acabados.

Quais os insumos que serão produzidos no sertão?

Um dos insumos que selecionamos é o mel produzido na caatinga. O que ele tem de tão interessante? Essa é uma região muito árida, muito agressiva para as pessoas e para as plantas. Fazendo um comparativo, podemos imaginar que ao estar num ambiente hostil, a pessoa fica preparada para se defender a qualquer momento. Na caatinga, que tem alto estresse solar, baixa quantidade de água e competitividade por nutrientes no solo, as plantas também precisam se defender. E elas se defendem produzindo compostos para que possam se manter vivas por mais tempo, para ter uma reserva nutritiva necessária para crescer. Esses compostos apresentam maior índice de oxigenação nos seus componentes. Isso significa que eles têm um potencial antioxidante fantástico contra radicais livres.

O Nordeste tem esse potencial em relação às outras regiões do Brasil. Por exemplo há um estudo mostrando que a pitanga nossa tem sete vezes mais caroteno do que a mesma pitanga do Estado de São Paulo. Os vinhos do Vale do São Francisco têm quatro vezes mais resveratrol do que outras uvas em outras regiões do Brasil e do mundo. Essa capacidade de produção de maior quantidade de ativos torna a nossa caatinga um potencial gigantesco de fornecimento de bioinsumos de altíssima qualidade e valor de concentração de bioativos dentro dela.

Vamos trabalhar também com o alecrim do sertão desenvolvido pela Embrapa Semiárido de Petrolina. É uma planta aromática, mas também apresenta propriedade bactericida. Solicitamos a transferência de tecnologia do plantio e vamos cultivá-lo nas bases do Ceará e do Rio Grande do Norte. O outro insumo do sertão que vamos trabalhar é o angico, infelizmente muito utilizado nas caldeiras, mas possui componentes antimicrobianos muito potentes, que combatem tipos diferentes de micro-organismos. Com a utilização adequada da biotecnologia, pode ser empregado como um excelente ingrediente de fitoterápicos ou cosméticos, como um tipo de conservante natural e para combater, por exemplo, infecções da pele, como a acne.

No litoral quais são os bioinsumos que o ITCbio está trabalhando?

Vamos trabalhar principalmente com a produção de própolis vermelha e com plantas do mangue. Um professor da Universidade Federal de Pernambuco descobriu que uma planta no mangue, cujo nome popular é rabo-de-bugio, produz um anti- -inflamatório que é melhor do que muitos medicamentos que estão no mercado. Ele comparou, por exemplo, com o bepantol e verificou que a planta apresentou uma atividade muito mais marcante. Isso é muito interessante porque é um insumo nosso que pode gerar renda inclusive para as comunidades ribeirinhas daqui da região, principalmente, na época do defeso, quando são obrigadas a parar de pescar.

A própolis vermelha é produzida essencialmente em Maceió, a partir do rabo-de-bugio, que eles certificaram com um selo de origem, como se a planta respeitasse fronteiras geográficas. Mas trata-se de uma atitude comercial e a gente respeita. A planta, porém, existe em todo o Nordeste e temos condição de produzir e de ampliar a produção aqui na região inteira. Como não vamos concorrer com a certificação geográfica, porque vamos oferecer um outro selo (que gente vai poder também oferecer para eles, se eles quiserem), a ideia é que a gente também possa produzir a própolis vermelha porque em Maceió, cerca de 95% de toda a produção vai direto para o Japão.

Acho que a sociedade brasileira merece um produto que possui um valor tão grande em termos de saúde porque já foi comprovado que ele age na imunidade, reduz diabetes e hipertensão e tem uma ação na pele muito marcante. Tanto é que estão fazendo cosméticos maravilhosos no Japão com a própolis vermelha saída de Alagoas. Na Mata Atlântica, vamos trabalhar com o alecrim pimenta, com a aroeira-da-praia e com a pitanga.

Onde vocês pretendem produzir a própolis vermelha?

Existe uma cooperativa em Barreiros (litoral sul) que ganhou um financiamento da Adepe (Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco) para construção da biofábrica para produção da própolis vermelha. Já estão produzindo as mudas e capturando as abelhas. Essa cooperativa é extremamente ousada – eles não se autodenominam cooperativa, mas como uma startup – e vamos apoiar a qualidade da sua produção.

Vocês vão trabalhar com quantas comunidades?

No caso do projeto do Banco do Nordeste, vamos trabalhar a princípio, com comunidades de marisqueiros em três municípios do litoral norte: Itapissuma, Igarassu e Itamaracá. O pessoal de Goiana perguntou por que eles não foram incluídos, porque também contam com pescadores artesanais. E nada mais justo do que os incluir. Vou conversar com o prefeito de Goiana e com as secretarias de Meio Ambiente e Turismo, para começarmos a associá-los a esses projetos. No caso da Facepe, estamos fazendo um levantamento porque esperamos capacitar no mínimo 240 pessoas. Essa é a quantidade mínima que estabelecemos. Com a Sudene, acho que a gente pode pensar na capacitação de mais de duas mil pessoas. Colocamos um número mais baixo, mas a nossa expectativa é poder agregar muito mais gente.

Quando surgem os primeiros resultados desses projetos?

Eles têm 12 a 18 meses de duração, espero que a gente consiga até o início do próximo ano já ter resultados.

O que é necessário para que projetos como esses tenham mais apoio e possam ser ampliados?

O está faltando é as pessoas entenderem o que são os ODS (Objetivos Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas) e projetos que verdadeiramente contemplem a igualdade de gênero, a inclusão social, a erradicação da pobreza e da fome. Está faltando conhecimento e principalmente o pensamento voltado para a parceria. Existe aquele ditado que parece clichê: uma andorinha só não faz verão. Mas é verdade. O Brasil tem dimensões continentais, um grupo só não consegue dar conta do país inteiro, então a gente precisa ter essa questão muito clara de associativismo. Falta a capacidade de se associar, de fazer parcerias, seja no setor público, seja no privado.

O consumidor, em geral, conhece pouco sobre os insumos, não é?

Sim, porque os consumidores se relacionam sempre com o produto final. Há uma passagem interessante sobre isso relacionada aos perfumes: perguntaram a Marilyn Monroe o que ela usava para dormir, na intenção de saber como ela se vestia. E a resposta foi: “com duas gotas de Chanel nº 5”. Uma frase que virou clássica. Mas esse perfume utilizava na época pau rosa do Amazonas e essa declaração fez com que houvesse com uma procura absurda por esse ativo que entrou em extinção. Imagine: eles quase conseguiram extinguir o pau rosa, por causa dessa frase de Marilyn Monroe. Nossa ideia é trabalhar também com insumos usados na fabricação de perfumes, como os masculinos que usam muita madeira, mas dentro do manejo sustentável.

Você gostaria de acrescentar mais alguma informação?

Com esse projeto da Sudene, o ITCbio está fazendo uma mudança de marca porque hoje ele é um hub de biocompetitividade. Como temos essa expertise de ligar os pontos das cadeias produtivas, estamos estruturando uma grande plataforma para capacitação presencial, semipresencial e remota. A intenção é o bionegócio, então queremos ampliar, fortalecer e consolidar a geração de renda dessa produção de bioinsumos. Nessa plataforma a gente vai ter a capacitação, a realização de eventos e um canal seguro para poder gerar esses bionegócios. Trata-se do início uma coisa muito bonita que vai começar a acontecer aqui no Nordeste com apoio da Sudene.

*Entrevista publicada originalmente na edição 196.1 da Revista Algomais

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